sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Lógica aristotélica ou proposicional? Qual ensinar?

Um colega recentemente colocou uma questão interessante para planificar o 11º ano. O grupo de filosofia decidiu leccionar a lógica aristotélica, ao passo que o colega deseja ensinar a proposicional. Perguntou-me se eu achava bem que leccionasse as duas. Não, não me parece correcto ensinar as duas versões da lógica, a não ser que por interesse histórico se aborde a versão inicial de Aristóteles. Mas isso é coisa que se faz nuns 10 minutos de uma aula. É que, a dizer a verdade, qual o interesse de leccionar a lógica aristotélica? (ou aquilo que dela faz os manuais) Basta colocar uma questão aos colegas que leccionam a aristotélica: para que serve o que os alunos aprenderam para aplicar às restantes unidades do programa? Na verdade não há aplicação alguma da lógica aristotélica ao resto do programa, não se faz nada com ela. Pelo contrário, com a lógica proposicional ensinada de um modo simples, podemos passar o resto do ano a aplicá-la aos argumentos. Além do mais a lógica proposicional é mais fácil, cria menos ambiguidades de compreensão nos alunos e os alunos gostam muito mais (também já ensinei a aristotélica para saber do que falo). Mesmo para quem nunca ensinou a proposicional, um esforço inicial representa ganhos óbvios a curto prazo e um gozo muito maior ao ensinar filosofia. Basta pensar em pequenos exemplos para perceber o nível de aplicação da lógica proposicional: sem a saber como vai o aluno perceber quando encontrar mais tarde um argumento dedutivamente válido? Só o sabe se souber também colocar esse argumento na forma silogística. Só que essa é tarefa de especialistas. Até por aqui se vê logo que a ideia que a lógica aristotélica é mais fácil para os alunos é falsa. Senão tentem lá colocar os argumentos dos textos filosóficos na forma silogística. O aluno não chegará sequer a entender que um argumento pode parecer persuasivo mas dedutivamente inválido. Se o aluno não conhece estes aspectos da argumentação, como somos capazes de lhe dizer que a filosofia é a busca da verdade? Que busca fará o aluno se não conhece sequer as ferramentas mais básicas para essa busca? Sem ensinar a lógica proposicional, ainda que de uma forma elementar (bem, ela é em si elementar), o estudante não reúne qualquer capacidade para compreender quando está perante um bom e um mau argumento. Só por interpretação mágico-místico-cartomante é que lá chegará. E é bom que nós, professores de filosofia, percebamos estes aspectos de ensino da nossa disciplina.

Mas há que ter em atenção um outro aspecto. Qualquer uma das lógicas é apresentada na maioria dos manuais com erros. Claro que esses erros são menos visíveis na aristotélica, pois ela é tão limitadinha que facilmente cria confusões e pensamos que estamos a ler coisas certas quando estão erradas. É uma ferramenta incompleta, ponto. O melhor mesmo é recorrer aos bons manuais (tenho imensas sugestões neste sentido no blog) e segui-los, mesmo com o prejuízo de não usar muito o manual que está adoptado. Também vi alguns autores de manuais ensaiarem um híbrido entre lógica aristotélica e proposicional e saiu borrada, pelo que não é aconselhável seguir por aí.

Mas a opção de leccionação é do professor. Até este ano na minha escola leccionei 11º ano e sempre leccionei a proposicional, ao passo que os meus colegas leccionavam a aristotélica. Só é possível ensinar a lógica aristotélica de duas formas:

1) Ou se ensina história da filosofia e história da filosofia é história e não filosofia.

2) Ou se ensina a lógica aristotélica como se podia ensinar o tio Patinhas, de forma isolada, sem qualquer correspondência com o programa.

 

Excluo aqui alguns colegas que possuem uma sólida formação na lógica de Aristóteles e que conseguem fazer pequenas maravilhas com ela, mas esses colegas são em número reduzido, certamente. Não saímos dos cursos de filosofia especialistas em lógica e essa é mais uma boa razão para ensinar a proposicional, a bem do ensino de filosofia de qualidade. Se pegarmos no programa de filosofia tendo em atenção alguns pequenos aspectos, começamos logo a pedir que o programa seja reformado. E esta é a piada de muito do ensino da filosofia: pedimos aos alunos, muitas vezes, para fazer o que nós próprios não andamos estes anos todos a fazer com a nossa disciplina: a pensá-la criticamente.

2 comentários:

Paulo Rolim disse...

Caro Rolando,
Não poderia estar mais de acordo consigo. Só acrescentaria que existe uma necessidade de os próprios professores de Filosofia fazerem um esforço sério de reflexão sobre a importância do estudo da Lógica, que a soubessem comunicar aos alunos e que, em consequência, a não reduzissem a uma mera repetição mecanizada de regras, fórmulas e tabelas.

Rolando Almeida disse...

Olá Paulo, tudo bem?
Bem, o que dizes é o resultado do tal ensino formal, em que se ensina a atirar postas de pescada para cima dos estudantes. Esse problema não é exclusivo da filosofia: quando contacto com os meus alunos constato que também estudam biologia ou química praticamente da mesma maneira, a decorar acriticamente conhecimentos. e os alunos do secundário estão de tal modo formatados que por vezes é difícil começar a habituá-los a pensar pela sua cabeça. Mas esse é o objectivo central.
abraço