sábado, 15 de fevereiro de 2014

Kant e S Valentim

Ontem passou o dia de S.Valentim e muitos alunos e alunas estavam entusiasmados com a ideia de dar prendas aos seus namorados e namoradas. Inspirado no livro organizado por Alexander George, Que Diria Sócrates? (Gradiva) e dado que andamos a estudar e analisar a teoria de Kant sobre o que é ter uma vida boa, vou deixar aqui um problema:

“Vamos imaginar que um rapaz ama muito a sua namorada e não quer magoá-la. Vamos imaginar também que ele pode traí-la e tem 100% certeza que ela jamais saberá, logo nunca ficará magoada”.


Ainda assim será que é moralmente errado fazê-lo? Como é que Kant responderia a esta questão? E que razões apresenta Kant para a sua resposta?  

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Sigur Rós da ilha do gelo para os meus alunos da Pérola do Atlântico

Não me canso de ano após ano recomendar esta música e vídeo aos meus alunos. Há uma razão para isso. A beleza captada tanto na música como no vídeo é algo imediata, mas apropriada às vossas idades. E está muito longe do vazio de muitas músicas que por aí ouvimos. Depois porque os rapazes que fizeram a música são como nós num aspeto especial: vivem numa ilha. Só que a deles não tem o sol que nós temos o ano inteiro. São islandeses, Ice Land, o país do gelo. Nós somos da Madeira, a pérola do atlântico. São os Sigur Rós. Boas audições enquanto eu vou corrigindo os vossos testes para vos ajudar a fazer ainda melhor. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O que andamos a estudar?

Além dos habituais testes de conhecimentos, estamos nesta altura do ano a estudar duas teorias morais objetivistas, a deontológica de Kant e a consequencialista de Mill. Já sabemos que a primeira é deontológica pois é uma ética baseada nos princípios racionais, ao passo que a de Mill é baseada nas consequências da ação. Qualquer uma destas teorias procura responder ao problema de saber o que é uma ação moralmente correta. Inicialmente este é um problema embaraçoso, pois, ao contrário da novidade dos problemas que estudas nas disciplinas, saber o que é uma ação correta não é um problema novo para a maioria de nós. E é embaraçoso pois também achamos que até já temos boas respostas a esta questão. Na verdade talvez as nossas respostas contenham alguns problemas se pensarmos um pouco atentamente nelas. As nossas respostas mais imediatas a estes problemas envolvem contradições, já que em algumas alturas defendemos a posição X para logo numa outra altura, com as mesmas condições, defendermos a posição Y. (o dilema do elétrico é isso mesmo que nos mostra). Isto acontece porque provavelmente nunca pensamos seriamente no assunto. Pensar seriamente é pensar de modo sistemático e é aqui que a filosofia entra e as teorias podem ajudar a compreender melhor os problemas. Não é de esperar que as teorias nos resolvam os problemas mais quotidianos, do mesmo modo que aprender um teorema matemático não nos ajuda a lavar melhor a roupa ou aquecer o jantar. Mas em certo sentido é verdade que as teorias de muitos problemas tratados pelos filósofos dizem respeito aos problemas mais elementares e básicos da vida humana, como é este o de saber o que é certo e errado. Todas as áreas de atividade humanas procuram dar resposta a este problema, o de saber o que é o certo e o errado. As religiões são respostas de acordo com aquilo que Deus determina como sendo a ação certa e a ação errada. Os cientistas estão convencidos que algum dia vão encontrar no cérebro a localização exata que nos faz diferenciar o certo do errado. Os antropólogos procuram as respostas nas raízes etnográficas de um povo. E os filósofos procuram dar resposta ao problema com razões e argumentos. Portanto, ter a oportunidade de ouvir o que dizem os filósofos e discutir o que eles defendem é também a oportunidade de irmos um pouco além das nossas crenças.

Método de estudar filosofia


Um dia um pai perguntou-me como é que a filha deveria estudar filosofia. Respondi que o melhor a fazer seria ler atentamente os textos fornecidos pelo professor. O pai ripostou questionando: “ E se não compreender o que leu?”. Respondi: “Terá de ler outra vez”, ao que o pai retorquiu: “E se ainda assim não compreender?”. Respondi: “Tem de ler outra vez”.
Este episódio é real. Claro que não me fiquei por aqui, mas a conversa teve mesmo este início. Na verdade não existe qualquer magia para se estudar filosofia. Tudo o que há a fazer é ler. O maior obstáculo é que a maioria dos alunos praticamente aprendem o que se deu nas aulas sem fazer qualquer estudo de consolidação. E assim as coisas tornam-se muito mais difíceis e incompreensíveis, para além de passarem a ser uma maçada com pouco sentido na cabeça dos estudantes.

Estudar e aprender exige uma certa rotina. Ir às aulas e estar atento é, já por si, cansativo. O estudo em casa deve, num nível como o secundário, implicar pelo menos 20% do esforço. A melhor estratégia para começar a ter êxito é ler e compreender as teorias que os textos explicam. Em filosofia o ritmo é sempre o mesmo: Problema – teorias – argumentos: para cada problema há várias teorias em disputa. E cada uma delas apresenta os seus argumentos. Num período inicial os estudantes são confrontados com a forma de fazer filosofia. Depois estão aptos a fazê-la, lendo os argumentos e os textos propostos e discutindo-os. Esta ferramenta desenvolve capacidades extraordinárias nos estudantes, principalmente a de saber raciocinar com consequência sobre os problemas.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Sobre o ensino da lógica e ensino da filosofia

Apesar de antigo, esta introdução de Salmon esclarece muitas dúvidas quanto ao papel da lógica no ensino da Filosofia. Vale a pena ler este pequeno texto que recolhi do livro, principalmente para ajudar a compreender o falso estigma de que não se pode reduzir o ensino da Filosofia ao ensino da lógica. Acrecento que não se deve reduzir o ensino da Filosofia a um complete desprezo pelo ensino e prática da lógica.


Deve estar evidente, agora, que, a Lógica não visa descrever os modos de pensar. Mas seria sua tarefa o estabelecimento de regras segundo as quais se deveria pensar? A Lógica não nos oferece um conjunto de regras para guiar-nos ao raciocinar, ao resolver problemas e ao obter conclusões? A Lógica não nos indica os passos a dar ao inferir? A resposta afirmativa a tais questões é muito comum. Diz-se, mesmo, que as pessoas de raciocínio eficaz possuem um "espírito lógico" e que raciocinam "logicamente".

Sherlock Holmes é um bom exemplo de pessoa com so­berbos podêres de raciocínio. Sua habilidade ao inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento. Holmes é muito mais capaz de fazer inferên­cias do que o seu amigo Watson. Holmes está disposto a transmitir seus métodos ao amigo, e Watson é um homem inte­ligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de Holmes defluem de fatôres como a sua aguda curiosidade, a sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus podêres de percepção, a grande massa de infor­mações acumulada e a sua extrema sagacidade. Nenhurn con­junto de regras pode substituir essas capacidades.
Se existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na realidade, o pensamento efetivo exige um constante jôgo de imaginação e de pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a bloquear o pensamento. As idéias mais frutíferas são, com freqüência, justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como fôr, ao discutirmos as específicas regras da Lógica veremos que elas não poderiam ser encaradas como adequados métodos de pensar. As regras da Lógica, se fossem aceitas como orientadoras dos modos de pensar, transforrnar-se-iam numa verdadeira camisa-de-fôrça.
O que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento.
Frisamos, de modo enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a Lógica não pode fazer. A Lógica não nos dá uma descri­ção dos reais processos de pensamento - êsses problemas pertencem ao domínio da Psicologia. A Lógica não nos dá regras para inferir - essas questões cabem no âmbito da desco­berta. Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece­nos métodos de crítica para avaliação coerente das inferências. E nesse sentido, talvez, que a Lógica está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Completada uma inferência, é possível transformá-la num argumento, e a Lógica pode ser utilizada a fim de determinar se o argumento é correto ou não. A Lógica não nos ensina como inferir; indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar. Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de um martelo conhece a sua utilidade. A Lógica interessa-se pela justificação, não pela descoberta. A Lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a boa compre­ensão daquilo que se comunica e se aprende.
Wesley C. Salmon, Lógica, Zahar Editores, 1971, Trad. L. Hegenberg e O. Mota, pp.28,29

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Aula de filosofia na Semana da Filosofia da Escola Jaime Moniz


Hoje ofereci uma aula de filosofia na Escola Secundária JaimeMoniz, uma atividade inserida na Semana da Filosofia da nossa escola. A ideia foi mostrar aos pais dos alunos como funciona uma aula de filosofia. Comecei por mostrar como funciona a filosofia expondo a mecânica dos argumentos, das teorias e dos problemas, assim como a relevância quer da dialética, quer da lógica na discussão dos problemas. De seguida entrei na discussão propriamente dita. Comecei com uma foto da coleção de cromos do meu filho e expliquei o que observei na escola quando os miúdos trocam cromos. Reparei nas injustiças dos mais velhos com os mais novos, no exercício do poder em benefício próprio e resolvi intervir com o meu paternalismo ajudando o pequeno João a fazer trocas de cromos que sejam justas para ambas as partes. Partindo deste exemplo questionei sobre quais os métodos adequados para a Justiça Social. Deve o Estado assumir-se como paternalista (tal como fiz com o João) na distribuição da riqueza? O que pensam os mais pobres? E os mais ricos? Os mais e menos inteligentes? Este foi o ponto de partida para examinar a teoria da justiça como equidade de John Rawls.
No final procurei expor algumas objeções, nomeadamente com a referência inevitável a Robert Nozick. Aproveitei ainda uns breves minutos para recomendar bibliografia menos especializada, mas acessível ao leitor não especializado.
A terminar pedi a todos os presentes que num post it que distribuí colocassem um sinal + com o que acharam de melhor na aula e um – com o que acharam de menos bem. Os comentários são deliciosos. É sempre bom saber como os outros avaliam o nosso trabalho. De uma forma geral, o mais positivo foi a clareza da exposição, os exemplos dados, o à-vontade com que me situei com a teoria exposta. Como sinal menos positivo, alguma falta de interatividade com a plateia.
De um ponto de vista pessoal foi um bom treino. De um ponto de vista impessoal espero ter conseguido dar uma ideia digna da filosofia e da Escola.

Um obrigado aos pais dos alunos que apareceram em número razoável e sempre interessados, aos colegas de filosofia e não só que compareceram e, claro, aos alunos que estiveram presentes. Um agradecimento especial à Professora Teresa Sousa, delegada de Grupo de Filosofia e à Professora Elisa Seixas, autora das fotografias que a seguir publico. 
E sempre que falo de filosofia fora da sala de aula, tenho de me lembrar dos meus colegas e amigos Aires Almeida e Desidério Murcho, as pessoas que mais e melhor me ensinam a saber comunicar e pensar a filosofia. Obrigado também a eles.