quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Às vezes sabe melhor ler sem traduzir

The activity of hypothetical thinking is an essential part of the activity of philosophy as a whole. Whereas science tests hypotheses factually, philosophy tests hypotheses conceptually. Or, to put in another way, science asks, “It is true that so-and-so…?”, whereas philosophy asks, “Does it make sense that so-and-so…?” And crucial to asking this question is the use of the conditional question.  

Peter Worley, The if Machine, p10, 2011

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

1ªs impressões sobre o exame intermédio de filosofia – 2011


Esta manhã realizou-se o primeiro exame intermédio de filosofia. Como é público, o GAVE emitiu uma informação prévia na qual  se adiantavam os temas a serem testados. Com efeito, tal como no programa, pouco se disse em relação aos conteúdos, anotando somente, em nota de rodapé, que os autores preferenciais, na ética, seriam Kant e Stuart Mill. Isto é, ainda assim, esse documento não tornou vinculativos esses autores. Mesmo que fosse certo que praticamente todos os professores fossem lá parar, aqueles que planificaram outros autores e que trabalham com manuais que não referem estes autores ficaram com algumas questões para resolver, nomeadamente:

a)       Reformular o programa já o ano avançava;
b)      Abandonar o manual adoptado se é que esse não refere Kant e Stuart Mill ou somente um deles.

O manual, Um outro olhar sobre o mundo, da Asa, por exemplo, refere Epicuro e Kant e não Stuart Mill. (estou a ciar de memória dado que não disponho comigo do manual, mas quando fiz a análise em 2007 creio que foi isso que verifiquei)
Mas vamos ao que está menos certo: no Grupo I, pergunta 3. Aí coloca-se uma questão sobre as objecções ao determinismo radical. Ora, não é certo, porque não é vinculativo no programa (o que é vinculativo é leccionar o determinismo e liberdade na acção humana – Ponto II. 1. 1.2.), que o determinismo radical seja sequer abordado e, no caso de o ser, não é ainda assim certo que as objecções tivessem sido trabalhadas. Aliás, o que vem explicitamente mencionado no programa é aquela coisa do determinismo e das condicionantes físico-biológicas e histórico-culturais). Falta ainda conhecer os critérios de correcção emanados pelo Gave, mas estou curioso para saber quais as objecções correspondentes ao critério de resposta.
No grupo II cita-se David Oderberg, um deontologista e opositor das teses utilitaristas, como as de Singer, por exemplo. As questões feitas são vagas. Primeiro pede-se ao estudante que relacione a “noção de preferência valorativa” com a situação descrita no texto. Trata-se de tentar que a resposta reflicta conhecimento sobre o que são valores e como os mesmos podem entrar em conflito. Mas isto pouco interessa à filosofia e acredito também que muitos professores que fazem um trabalho sério, tenham dado pouca importância a este aspecto. O interessante é que nada aparece sobre um dos mais apetitosos debates filosóficos em torno do problema dos valores, que tem que ver com a objectividade / subjectividade dos valores. E questões sobre este problema podem-se fazer aos estudantes de forma clara, mas estimulante. Aí sim, seria interessante pedir ao estudante que analisasse um qualquer exemplo. Este ano não lecciono 10º ano, mas se leccionasse acredito que os meus alunos pura e simplesmente não soubessem responder a este tipo de questões. Mas a verdade é que é certo que o programa de filosofia do 10º ano, menciona (ponto II. 1.2.): “Reflexão sobre a riqueza da diversidade dos valores, reconhecendo a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração, bem como a importância do  diálogo intercultural.  CONCEITOS ESPECÍFICOS NUCLEARES : valor, preferência valorativa, critério valorativo, cultura". É certo que o conteúdo da filosofia da objectividade e subjectividade dos valores é ignorado pelo próprio programa e, em seu lugar, deve-se ensinar a “reconhecer a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração”(Programa de Filosofia, p. 28). Ele há coisas!!! 

A questão de opção 2.4. pouco ou nada tem a ver com a filosofia. Nela pede-se aos estudantes para indicarem a opção correcta, para determinar o que é que o diálogo entre culturas implica. Ora esta questão está claramente fora do âmbito do que se estuda em filosofia e não é necessário saber uma pitada de filosofia para lhe responder, pelo que não testa qualquer conhecimento de matérias filosóficas. Qualquer estudante que saiba ler e interpretar com correcção português, responde a questões deste nível sem sequer algum dia ter aberto um livro de filosofia ou ter assistido a uma aula de filosofia. É grave? Se fosse num teste de um professor talvez não fosse assim tão grave, mas vindo do GAVE e num teste nacional não devia acontecer. Mas também é inteiramente certo que o programa de filosofia refere (ponto 2. 2.2.): “Valores e cultura - a  diversidade  e  o diálogo de culturas” não mencionando qualquer conteúdo filosófico específico.
Na questão 1.1, do grupo iii, não é seguro que tenha sido a opção de muitos professores fazer a distinção entre imperativo categórico e hipotético em Kant, já que tal conhecimento não é vinculativo. Seria uma questão adequada caso o programa ou as orientações de teste intermédio tivessem mencionado esse conteúdo. Se o que interessa é que o estudante reflicta em torno de duas perspectivas éticas, é perfeitamente aceitável que seja opção do professor excluir os conceitos mais técnicos e ainda assim ensine os pressupostos da ética kantiana. Na minha opinião, esta questão não devia ter aparecido no exame.
Finalmente no último grupo, a questão 2, parece-me demasiado vaga. Quase que pede ao estudante para discorrer sobre tudo o que decorou sobre Kant e Mill. Teria sido muito mais interessante colocar um caso prático e pedir ao estudante que o ajuizasse objectando até as teses expostas, apoiando-se no estudo feito de Kant e Mill.
De um modo geral o teste é muito fraquinho só ao de leve testando conhecimentos da disciplina. Mas era expectável que assim fosse, já que é de todo impossível fazer bons testes ou exames quando não temos sequer conteúdos precisos no programa da disciplina. O programa tem de ser revisto para se fazerem bons testes e exames que ao mesmo tempo testem de forma rigorosa os conhecimentos dos estudantes, mas não atraiçoem o trabalho dos professores.
E agora, venha o debate. E que alguma coisa boa se faça com ele.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

3º Volume

Gosto das histórias, pois são um meio eficaz de passar a conhecer mais poupando tempo. A História da Filosofia em 4 volumes que vai sendo publicada pela Gradiva tem ainda a vantagem de ser um verdadeiro mega ensaio filosófico já que o autor nos propõe a reflexão sobre muitos dos problemas levantados pelos filósofos ao longo das diversas épocas. Saiu agora o 3º volume. Ver mais AQUI.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

E será que a nossa escola anda a fazer isto?

A frequência da escola é essencial para obter uma familiarização mínima com a ciência e as suas apliacações.na escola joga-se quer a possibilidade para seguir uma carreira científica ou de base científica, o que evidentemente só será feito por uma parte da população, quer, sobretudo, a possibilidade de obter uma perspectiva científica do mundo, o que é para todos, na sociedade de hoje, uma condição indispensável de cidadania plena.(p. 56,57)


Em vez de apenas a “namorar”, a escola tem de se “casar” com a ciência, reflectindo a relevância que esta tem na vida de todos nós. Precisamos de mais e melhor ciência na escola. Há, com certeza, a questão da quantidade de tempo que na escola é dedicado à ciência, mas há sobretudo a qualidade de ocupação desse tempo. É preciso, por exemplo, dedicar mais tempo à experimentação e à análise de dados.(p.62)
 Uma sociedade desenvolvida necessita de atrair para a ciência e tecnologias alunos em quantidade e qualidade suficientes. Isso pressupõe o fomento de vocações científicas, o que significa não só vocações para a criação da ciência mas também para a aplicação da ciência na vida prática. (p.63)

Carlos Fiolhais, A ciência em Portugal, FFMS, 2011

domingo, 13 de fevereiro de 2011

As religiões são más inspirações morais

São muitas as pessoas que procuram orientações éticas e morais nas Escrituras e nas religiões. Mas há muitos aspectos nas religiões e nos livros tidos como sagrados que parecem colocar muitas reservas do ponto de vista moral. James Rachels dá aqui um bom avanço, nos Problemas da Filosofia, p. 263, (Gradiva)



De forma mais modesta, outros encontram orientação prática nas Escrituras ou na tradição da Igreja. Estas fontes são notavelmente ambíguas. Dão-nos instruções vagas e frequentemente contraditórias. Por isso, quando as pessoas consultam estas autoridades, confiam tipicamente no seu próprio discernimento e seleccionam o que parece aceitável. Ao ler as Escrituras, prestam atenção aquilo que apoia as perspectivas morais que preferem e menosprezam o resto. Por exemplo, podem citar a passagem do Levíticio que condena a homossexualidade, mas ignorar a passagem que proíbe ter relações sexuais com mulheres menstruadas.

Defender convicções é moralmente correcto?

É muito comum e apreciado ouvirmos dizer, “defendo as minhas ideias com convicção” e, normalmente, tal é tido como moralmente superior. Acontece que temos muitos contra exemplos no mundo, em que defender convicções não parece ser um bem moral de ordem superior. O episódio recente do Egipto e do seu presidente parece ser um caso. Afinal porque não se demitia o presidente dando um passo gigante para a liberdade democrática e acabando ao mesmo tempo com uma ditadura? O que se passa é que as convicções podem estar erradas e quem proclama que defende as suas convicções contra tudo e todos não apresenta, neste sentido, qualquer superioridade moral. Talvez fosse moralmente mais relevante afirmar qualquer coisa como “Prometo pensar e repensar cada vez melhor as minhas convicções”. Mas mais interessante é o caso, muito frequente no discurso político, em que se afirma aceitar-se a discussão de ideias pois defende-se as suas convicções. Ora, este argumento é facilmente desmontável: vamos supor que sou um político e que tenho a convicção que vou fazer muito melhor pelo meu país que qualquer outro político e nem sequer me questiono se terei talento para tal. Ora o que acontece é que vou defender a minha convicção e, como tal, não vou atender facilmente a ideias contrárias à minha, nomeadamente, alguma que diga que estou errado.
Defender convicções pode ser perigoso ainda noutros campos, como na ciência ou filosofia. Defender convicções não tem qualquer relevância moral nestes campos e pode até prejudicar seriamente o progresso e evolução do saber.
Não se percebe bem qual a razão de ser tão apreciado nas democracias contemporâneas os discursos que dizem defender convicções. Defender convicções é até em muitos casos moralmente errado.
Uma coisa é argumentar, outra coisa é querer argumentar com pressuposições ideológicas tomadas como certas. A este segundo aspecto chama-se manipulação que parece argumentação, mas não é. A manipulação aparece notoriamente em campos como a política, religião ou futebol.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Diz muito do que somos

O novo livro de Carlos Fiolhais A ciência em Portugal (FFMS,2011), começa, na Introdução, com uma citação de David Landes que diz muito de nós. E o que é que diz? Em primeiro lugar diz que já demos um salto notável no que respeita à educação. E em segundo diz que o nosso atraso cultural em relação a culturas mais avançadas explica muitos de outros atrasos. É preciso mais, muito mais. Temos pois razões para estarmos contentes, mas para desejar mais, ao mesmo tempo.


Por volta de 1900, por exemplo, apenas três por cento da população da Grã-Bretanha era analfabeta, o número para Itália era 48 por cento, para Espanha 56 por cento, e para Portugal 78 por cento.


Vale a pena explorar o livro para perceber como temos progredido nestes níveis. 

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Desidério Murcho no Filosofia em directo

Quase não há conclusões em filosofia, na acepção de teorias consensuais semelhantes às que temos em física ou noutras ciências. Muitos tomam isso como uma limitação da filosofia. Eu tomo-o como uma das mais importantes contribuições para o esclarecimento da humanidade: fazer-nos continuar a pensar quando a tentação óbvia é desistir.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Usar ou não o manual adoptado?

Um dos problemas com que me deparo no ensino da filosofia acontece quando chego a uma escola e tenho de ensinar a filosofia com um mau manual de filosofia adoptado. Normalmente os colegas de filosofia insurgem-se contra a posição de que não posso usar o manual nas aulas. Se os alunos compraram o manual, temos a obrigação moral e profissional de ensinar com esse manual. Logo aqui surge um problema para resolver: e se o manual tiver erros científicos? Infelizmente tal não é assim tão anormal quanto se possa pensar. E muitas das vezes nem são os erros o mais frequente, mas a ausência de conteúdo filosófico propriamente dito. Por exemplo (entre tantos outros) se no 10º ano quiser optar pela leccionação da filosofia da religião, 90% dos manuais em vigor não abordam conteúdos filosóficos da filosofia da religião, mas antes sociologia da religião ou até antropologia da religião ou, o que também acontece muitas vezes, conversa da treta da religião.
Mas agora os professores que defendem a obrigação moral e profissional de ter de ensinar com o manual adoptado deparam-se com outro obstáculo ainda mais visível. O documento que dá indicações para o exame intermédio de filosofia poara o 10º ano refere:

3.1.3. A necessidade de fundamentação da moral – análise comparativa de duas
perspectivas filosóficas.Da secção 3.1.3., seleccionam-se como autores de referência Kant e Stuart Mill.” 
Acontece que há alguns manuais que não abordam estes dois filósofos. Como resolver, então, este problema da obrigação moral e profissional? Respeitamos o manual ou respeitamos as indicações de exame intermédio que será, em princípio, a preparação, para um futuro exame nacional? 

Para compreender os erros em manuais de filosofia, pode-se ver o meu trabalho de análise aos manuais nos seguintes links:

Acordês Ortografês, ou cá vai mais de Eduquês

Confesso que não estou especialmente preocupado com o acordo ortográfico. Li sobre o assunto, pesei argumentos e estou convencido que são mais os contras que os prós em estabelecer mais um acordo ortográfico. Mas entre muitas razões lidas e discutidas, estava agora mesmo a ler a nota de introdução de um pequeno livro sobre o acordo, publicado na Texto Editora, da autoria de João Malaca Casteleiro e Pedro Dinis Correia, quando leio o seguinte argumento:


A terceira razão é de natureza pedagógica e também internacional. Nas várias escolas e Instituições em que por esse Mundo fora se ensina e cultiva o português, convém que haja só uma ortografia, e não duas, pois tal facilita a aprendizagem.


E o período do texto acaba exactamente com este parágrafo. Isto é, assume-se que esta é uma verdade sem discussão, estabelecida e comprovada. Mas se assim é, qual a razão que ainda não conduziu outros povos a acordarem a sua ortografia, como por exemplo os ingleses e os americanos? Será que temos estudos avançados que nos provam a solidez deste argumento? Por outro lado, mesmo sem a linguística ser a minha especialidade académica, arrisco a defender que não é a ortografia unificada que facilita mais a aprendizagem de uma língua, mas a simplicidade da sua gramática, resultado de anos e anos de estudo aturado. E de facto, quem dominar um pouco de outras línguas percebe com facilidade que a língua portuguesa é confusa e complexa, quando podia, de facto, ser mais simples.
Não tenho assim tanta certeza como estes dois autores que a unificação ortográfica simplifique as aprendizagens. Mas se tal fosse verdade havia até fortes razões para falar no planeta inteiro uma só língua. É discutível.
Mas enquanto vamos pensando assim, com as nossas verdades tiradas não se sabe bem de onde, a verdade é que se queremos ler Eça de Queiroz tal como ele escreveu temos de o ter traduzido dentro da própria língua para compreender o que se lê, ao passo que um inglês ou americano, sem qualquer acordo, consegue ler Shakespeare no original, tal como foi escrito pelo próprio autor. Portanto, não estou a ver de que forma a unificação vai simplificar aprendizagens. E, já agora, vamos também ter de traduzir um dos dois nossos Nobel, precisamente da literatura, José Saramago, já que os seus livros passaram a constar na lista dos livros com erros de ortografia. 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Filosofia da religião

Finalmente já há capa e edição à vista para este que é um dos melhores livros introdutórios nesta área da filosofia que li. Vamos ficar muito bem servidos em língua portuguesa. A tradução é de Vítor Guerreiro.


Exames Intermédios

Acabei de saber no facebook que já circula um livro da autoria de Pedro Galvão e Paula Mateus para preparação dos exames intermédios de filosofia. Bom proveito!

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Filosofia em Directo na Fnac

O livro Filosofia em Directo figura no 3º lugar dos mais vendidos de não ficção da Fnac. É sempre de destacar quando um bom livro de filosofia alcança algum sucesso.