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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Um diálogo cheio de falácias

Este pequeno trabalho foi a apresentação de um grupo de alunos que tive o ano passado no 10º ano, 0 10º4 e continuo com eles no 11º, o 11º4. Quando pedi um trabalho de grupo sobre as falácias informais, apresentaram este pequeno diálogo que fica agora aqui registado no FES.

As falácias informais são quando a conclusão não é devidamente justificada.

Diálogo:


1: O suicídio é moralmente errado porque acredito que é incorreto tirar a própria vida.

2: Esse argumento fui usado para justificar o que tu queres, como justificação da sua conclusão. É uma petição de princípio.

1: O quê? Está a dizer-me que estou errado? Enfim, o que está claro é que se a vida tem um objetivo, então não é uma ação moral pôr-lhe um fim.

2: Aí está um falso dilema, porque omitiu informações que podiam ser importantes.

1: Depois do suicídio do seu amigo, houve uma pandemia quase fatal para o mundo, e tu passaste a ser a favor do suicídio!

2: Por favor, tente não cometer tantas falácias enquanto fala. Pudemos observar aqui uma falsa relação causal, porque o facto de o meu amigo ter se suicidado, nada tem a ver com a pandemia, sendo que foi um acontecimento que veio muito depois do ocorrido.

1: Pois, se tu achas que é assim, se o suicídio se tornar moralmente correto, então, vai ser considerado pela população um ato normal, logo uma cidade suicida-se levando um país inteiro a fazer o mesmo, consequentemente desencadeando um suicídio em massa.

2: Uma falácia de derrapagem! Hahaha! Isso é muito improvável de acontecer!

1: Mas então, imagine que uma mãe comete suicídio e deixa uma criança desamparada. Acha isso correto?

2: Está a tentar com apelo às emoções para que concordem contigo, considerando o suicídio moralmente errado? Isso é uma falácia de ad populum.

1: Pense comigo, isto está certo! Toda a minha família acha que o suicídio é moralmente errado, logo o suicídio é considerado moralmente errado para todo o mundo.

2: Isso é uma falácia de má generalização, usou uma amostra pouco válida, para tirar uma conclusão. Uma generalização precipitada.

1: O suicídio é moralmente errado de acordo com o Messi, logo, o suicídio é moralmente errado para todos.

2: Um apelo ilegítimo á autoridade, usou uma figura que pouco sabe sobre este assunto.

1: Ainda ninguém provou que o suicídio é moralmente correto, logo para mim o suicídio é moralmente errado, até que seja provado o contrário.

2: Isto é um apelo á ignorância, porque apesar de ninguém ter ainda conseguido provar este facto, não significa que o suicídio seja moralmente errado.

1: Mas tu que és ateu e africano, pensas que sabes o suicídio é moralmente correto? Sendo que nem a tua própria família consegues gerir, vens desmentir-me em frente deste público?

2: Mantenha a minha vida pessoal fora disto, só porque ficou sem argumentos vem atacar o homem, atacar não é uma boa razão para justificar que o suicídio é moralmente errado. Isso é uma falácia ad Homimem.

1: Ora, se optas por ir para o trabalho doente e criticam por estares doente, então se decidem se suicidar também devia ser criticado. Por isso, na minha escolha de criticar que o suicídio é moralmente errado está certa.

2: Um falso dilema! O suicídio nada tem haver com o facto de eu estar doente e ir para o trabalho.

quarta-feira, 10 de maio de 2023

Fazer pontes com raciocínios

Numa das minhas aulas recentes tinha como objetivo explicar aos alunos a diferença que Mill falou entre prazeres superiores e inferiores. Entre os superiores temos prazeres como os intelectuais, estéticos, morais ou espirituais. Ao passo que entre os inferiores temos os prazeres físicos ou sensoriais mais básicos, como comer ou dormir. Certo que muitos dos prazeres mais básicos se relacionam bem com prazeres de ordem superior. 


(Imagem do manual adotado)

Mas o objetivo aqui é o de mostrar a alunos de 15 anos que Mill não estava a inventar e que talvez tivesse feito uma divisão que merece a pena explorar quando relacionamos prazer com felicidade. Assim, comecei por exibir um pequeno vídeo da Sagrada Família de Gaudi, em Barcelona, a que se seguiu uma pequena conversa em que questionei se gostavam de ver a SF. Quando os alunos respondiam que sim, perguntei a razão. E as respostas andavam pelo esperado: porque é bonita. Estamos, pois, a falar de prazeres estéticos. 



Depois coloquei uma experiência de pensamento aos alunos: imaginem duas hipóteses: ou vocês são de tal maneira bonitos e bonitas que todos os rapazes ou raparigas da escola rastejam aos vocês pés. Mas tem um senão: são muito limitados em termos intelectuais, “burrinhos”. Ou então, segunda hipótese, são normais, vão ter alegrias e sofrimentos amorosos, a vida amorosa nem sempre vos será fácil, mas são inteligentes. E a pergunta é: quem prefere a primeira hipótese. Ninguém levantou a mão. “Estão a ver!!!, a vossa vida intelectual é algo que estimam mais que os vossos prazeres sensoriais mais imediatos. Depois mostrei o vídeo que está abaixo, do filme de Charles Chaplin, “O Homem dos tempos modernos”. A maioria dos alunos do 10º ano ou não fazem ideia quem foi Chaplin ou, os que já ouviram falar, associam a um comediante. Não faziam ideia que se podia ser bastante crítico a fazer comédia. A pergunta, no final, foi a de tentar saber se Chaplin, no retrato daquele filme, seria um homem feliz, ao que os alunos responderam que não pois tem tarefas apenas repetitivas e que tal não o faz feliz. Bem, aproveitei para dar o contexto. “Vão lá à Wikipédia pesquisar de onde é Chaplin e quando viveu”. Pois, inícios do sec xx. Ainda a a Inglaterra, país de Chaplin, vivia nas suas cinzentas cidades com o clima da revolução industrial. Foi assim que fomos até ao aborrecimento da vida e à necessidade de criar espaços criativos que nos façam felizes. Pois então!! Isto é ser humano. E foi assim que lhes dei o exemplo da múisca da cinzenta Manchester dos anos 80 e lhes falei e mostrei Joy Division, uma espécie de grito no meio da cinzenta Manchester de outrora. E foi assim também que compreendemos como a Inglaterra de hoje já não é apenas a da cinzenta industrialização que durou até à era da globalização e da transferência da indústria para países emergentes. Uma aula em que construímos pontes com o raciocínio analítico. E crescemos culturalmente. Tudo para compreender apenas um conceito explorado por um filósofo, o da felicidade em Mill. Já agora, esta aula não teria sido possível sem um computador, uma conexão à banda larga e um quadro eletrónico que me permitiu, a mim e aos alunos, em boas condições, visualizar os vídeos. Terminamos a aula com um pequeno quiz para    testar os conhecimentos adquiridos. É importante também salientar que à medida que exploramos os materiais compreendemos o que Mill nos queria dizer nesta passagem:


«É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.»

John Stuart MillUtilitarismo, Porto Editora, 2005, p. 78.



quarta-feira, 3 de maio de 2023

E como funcionam os imperativos em Kant?

Se para Kant a vontade de agir não decorre de mobiles externos, de onde vem, então? Só pode decorrer de algo interno, no caso, da própria razão que, uma vez autónoma, dá uma ordem a si mesma para agir. Ora, Kant chama a isto imperativo categórico, que é o imperativo da ação por dever, a ação moral propriamente dita. E contrasta com o imperativo hipotético, que é quando a vontade é mobilizada por algo externo. Por exemplo, se Pedro ajuda o pobre apenas para ficar bem visto, o que motiva a sua ação não é a razão, mas o ser bem visto. Quer dizer, ainda que a decisão seja sempre racional, não depende exclusivamente da razão. E para Kant uma ação moral depende exclusivamente da razão. Isto é assim pois a ação é um fim em si mesma e não um meio. No meu exemplo, se desaparecer a aprovação social da ação, a ação desaparece e por isso Pedro faz apenas aquilo que é conforme o dever, mas não por dever. Se Pedro agir por dever não interessa nada se recebe ou não aprovação de terceiros. Outra maneira de compreender a ação moral para Kant é perguntar o que é que está a motivar a ação. Se o que está a motivá-la é algo externo à própria ação, então a ação não é por puro respeito ao dever, mas por respeito a algo mais além do dever. E por isso se chama conforme ao dever e não por dever. Fica aqui uma imagem que contrasta os dois imperativos que são como que dois comandos da ação. 





sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O teste Kantiano para avaliar as ações

Na avaliação moral das ações, para Stuart Mill o que interessa são as consequências da ação. Pelo contrário, para Kant o que interessa são os motivos do agente e não as consequências da ação. Analisar os motivos é ver por que razão o agente realiza uma determinada ação.

Para Kant as ações que têm valor moral são realizadas por dever. Agir por dever é agir somente motivado pela razão e não em função de inclinações ou desejos; ou seja, é ter autonomia da vontade. E chama-se a esta vontade que cumpre o dever pelo próprio dever de vontade boa – é este o bem último para Kant.

Ao agirmos exclusivamente pela razão, por dever e com vontade boa, estamos a obedecer ao imperativo categórico, isto é, uma ordem incondicional que nos dá uma obrigação moral. Então, o que faz uma ação ser correta é cumprir o imperativo categórico.


Existem várias formulações deste imperativo categórico. Aqui vamos atender apenas à fórmula da lei universal que nos diz: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.

A ideia é que devemos agir apenas de acordo com regras que podemos querer que todos os agentes adotem. Isto não consiste em ver se seria bom ou mau que todos agissem de acordo com uma determinada regra. Consiste, antes, em mostrar se é ou não possível todos agirem segundo essa regra. 

De uma forma mais prática, o teste para se determinar a moralidade de uma ação é o seguinte:

(1)   Que regra (máxima) estamos a seguir se realizarmos esta ação?
(2) Estamos dispostos a que essa regra (máxima) seja seguida por todos e em todas as situações?

Sim: essa regra (máxima) torna-se lei universal e, consequentemente, o ato é moralmente permissível.

Não
: essa regra (máxima) não pode ser seguida e, consequentemente, o ato é moralmente proibido.


Este teste do imperativo categórico pode tornar-se mais compreensível com alguns exemplos:
Exemplo 1
A Francisca é dona de um hotel que nunca engana os clientes, fazendo sempre um preço justo. Ela faz isso não por interesse (para não perder os clientes), mas simplesmente por dever de ser honesta. Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?
 Sim. Porque (1) a máxima é “venderás sempre a um preço justo, porque é um dever ser honesto”. E (2) é possível todos agirmos segundo essa máxima e querermos que todos obedeçam a essa máxima.
Exemplo 2
O Gustavo mente ao Joel sobre uma traição da sua namorada Daniela, pois não quer que o Joel sofra (tem assim compaixão por ele). Acontece que o Joel passa a andar traído sem o saber. Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?

 Não. Porque (1) a máxima é “mentirás porque tens compaixão”. E (2) não poderíamos querer que a mentira fosse uma lei universal, pois isso derrotar-se-ia a si mesmo: as pessoas descobririam rapidamente que não podiam confiar no que os outros disseram, e por isso ninguém acreditaria nas mentiras.
É importante que os alunos não fiquem apenas pela teoria, mas que saibam também aplicar a teoria a casos concretos do quotidiano, de modo a determinarem se estão perante uma ação moral ou não de acordo com a ética deontológica de Kant. Para isso, podem-se utilizar situações parecidas com as dos exemplos 1 e 2.
Domingos Faria, in, http://manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/fil10/posts/1161

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Kant e Mill

Um interessante vídeo para perceber de modo breve as principais diferenças entre a filosofia moral de Kant e Mill. Ativar as legendas para ler.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A subjetividade não é ideal e a polaridade não é problema


Com alguma frequência apresenta-se a polaridade dos valores, assim como a hierarquia como matérias centrais no estudo dos valores no 10º ano. Ora, nem a polaridade nem a hierarquia traduzem qualquer problema para os filósofos que seja relevante. Afirmar que os valores tem polaridade, um polo positivo e um negativo não é mais do que uma trivialidade. E não se pede mais ao estudante do que saber uma série de antónimos: belo/feio; Justo/injusto; Certo/errado, etc. Didaticamente e para o ensino da filosofia em especial, a propalada polaridade dos valores não possui qualquer interesse. Além disso o que faz o aluno com esse conhecimento? Que competência filosófica relevante está a exercitar? O espírito crítico não é certamente. Ademais perder tempo com estas coisas é tornar o ensino da disciplina enfadonho e inútil. Claro parece que o professor pode fazer referência a este tipo de conteúdo, sem prejuízo algum. No entanto não o deve colocar no patamar dos conteúdos relevantes e centrais a saber. Se os manuais o fazem, pior ainda.
O mesmo se passa em relação à hierarquia de valores. Não mais se faz a não ser constatar trivialidades, como a de que diferentes sociedades possuem diferentes hierarquias.
Qual é, então, o problema central nesta unidade e didaticamente relevante para ser abordada nas aulas de filosofia?
Algumas vezes observei que se define objetividade e subjetividade de um modo errado e absurdo. Cheguei mesmo a ver subjetividade definida como “ideal” ao passo que objetividade é definida como “objeto”. Claro que os estudantes não percebem isto. E não percebem porque: 1º nada há a perceber; 2º é uma confusão das coisas e está errado.
Subjetividade e objetividade respeita às afirmações que fazemos e à sua relação com a verdade. Fazemos afirmações sobre factos e afirmações sobre valores, vulgo juízos de facto e juízos de valor. Especialmente no secundário haveria de corrigir alguns aspetos terminológicos. Isto porque se ensina na primeira unidade o que é uma proposição, mas quando se fala em valores fala-se em juízos. Nada me parece errado aqui. Mas seria preferível referir “proposições sobre factos” e “proposições sobre valores”, já que é disso que se trata e, desse modo, habituávamos os estudantes a uma uniformização lexical que me parece de todo vantajosa, pelo menos neste nível de ensino. Não digo que não se possa distinguir de alguma maneira juízos de proposições, mas tal não apresenta qualquer vantagem para a compreensão dos problemas e apresenta a desvantagem de uma vez se falar em proposições e outras em juízos quando o referente é exatamente o mesmo. Voltando ao assunto, o que interessa aqui distinguir é que ao passo que proposições sobre factos têm valor de verdade, isto é, são verdadeiras ou falsas dependendo do estado de coisas no mundo, o mesmo não sabemos em relação às proposições sobre valores. Pegando num exemplo, a proposição “O João mede 1m76cm” tem valor de verdade, isto é, é verdadeira se de facto o João mede 1m76cm e é falsa se o João mede, por exemplo, 1m82cm. De igual modo a proposição “Deus existe” tem valor de verdade, mesmo que não saibamos se existe ou não. Dito de outro modo que também aqui é interessante, o valor de verdade de uma proposição sobre factos depende do estado de coisas do mundo. E quanto ao valor de verdade de proposições sobre valores? Aqui é que a questão filosófica surge e não saber se os valores tem 2 polos ou uma hierarquia. Ora, há teorias filosóficas que defendem que o valor de verdade de proposições sobre valores não depende do estado de coisas no mundo, tal como as proposições sobre factos, mas das crenças, preferências e desejos dos sujeitos. Esta teoria chama-se subjetivista. Há até teorias que defendem que os valores não tem qualquer valor proposicional, isto é, não são mais do que a expressão dos estados emocionais dos sujeitos (Emotivismo). E ainda há uma outra forma de subjetivismo que defende que a verdade de proposições sobre valores depende do que cada sociedade aprova. A esta teoria chama-se relativismo, também chamada relativismo cultural (já que existem outras expressões de relativismo, como o epistémico, metafísico, etc) Por que razão temos aqui problema filosófico? Vamos supor que defendemos o subjetivismo. Nesse caso defendemos que a verdade de proposições sobre valores depende diretamente das crenças, desejos e preferências de cada um. Se o Luís acredita que X é correto, então X é correto (valores morais). Se o Luís acredita que X é belo, então X é belo (valores estéticos). Se o Luís acredita que X é justo, então X é justo (valores políticos). Há certamente muitas vantagens (argumentos) na defesa do subjetivismo que não cabe neste curto texto explorar. Mas há muitas objeções à teoria: torna a discussão sobre valores impraticável, leva-nos a aceitar como corretos valores que pensamos serem inaceitáveis, etc… É por essa razão que há uma tese que nega o subjetivismo. Sabendo um pouco de lógica e tendo ensinado os alunos na primeira unidade a negar proposições, de imediato  percebemos que a negação da tese “os valores são subjetivos” não é “os valores não são subjetivos”, mas antes, “alguns valores não são subjetivos”. Com efeito aqui nem é preciso ter noções de lógica. Basta pensar um pouco para perceber que há valores obviamente subjetivos e daí não se segue problema algum. A questão de relevo é tentar saber se haverá pelo menos alguns valores que não são subjetivos.

Referi apenas alguns breves aspetos do problema. Ensinar filosofia e passar ao lado destes aspetos é ao mesmo tempo abrir portas para que a disciplina perca qualquer interesse e utilidade na formação dos estudantes. 

quinta-feira, 14 de janeiro de 2016

As proposições sobre valores e a objetividade

Acabei de publicar dois textos para estudar a questão dos valores e da possibilidade dos juízos acerca de valores (proposições sobre valores) possuírem valor de verdade. Apareceram originalmente na Crítica e incluí na coleção de textos deestudo:

Pedro Galvão, Valores e valoração: a questão dos critérios valorativos – Este texto é longo mas serve de estudo para esta matéria e substitui os textos do manual. Acessível aos alunos do secundário.


Bertrand Russell, Os valores são subjetivos – Trata-se de uma defesa de uma posição sobre o problema. É um bom exercício a leitura do texto e responder às questões que se lhe seguem. 

sábado, 12 de dezembro de 2015

Livre-arbítrio, determinismo e responsabilidade moral

O problema do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres humanos têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro de certos limites — ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm vontade livre — ou livre-arbítrio. A segunda é a ideia (...) de que tudo o que acontece neste universo é causado, ou determinado, por acontecimentos ou circunstâncias anteriores. Diz-se daqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (Daqueles que negam esta segunda ideia diz-se que são indeterministas.)
Pensa-se frequentemente que estas duas ideias entram em conflito porque parece que não podemos ter livre-arbítrio — as nossas escolhas não podem ser livres — se são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.

2. Os deterministas radicais resolvem o problema negando que tenhamos livre-arbítrio, concluindo que, de facto, não somos moralmente responsáveis pelas nossas acções ou escolhas. Eles tendem a defender o seu ponto de vista a partir da teoria determinista segundo a qual tudo é causado. Assim, chamam a atenção para experiências e crenças comuns que parecem implicar que as coisas se comportam de uma forma regular (o açúcar não faz as coisas saberem doces num dia e amargas no dia seguinte), para o comportamento humano diário (nem mesmo pilotos de carros de corrida podem escolher conduzir bem estando bêbados), e também para o enorme sucesso da ciência moderna na descoberta de relações causais (não podemos escolher bater os braços e voar para a Lua).
Embora muitas pessoas argumentem contra o determinismo radical defendendo que o determinismo em geral está errado, as provas a favor do determinismo são muito fortes, razão pela qual se quisermos rejeitar o determinismo radical teremos de o fazer com base na ideia de que a liberdade de acção e de escolha não contradiz o determinismo, pelo que temos efectivamente justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis mesmo que as suas acções e escolhas sejam causadas ou determinadas.
3. Os libertários ou libertaristas defendem que o livre-arbítrio é possível apenas se o determinismo for falso e que, pelo menos nas situações morais típicas, temos de facto livre-arbítrio. Por este motivo, temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelo que escolhem e fazem.
Os libertários defendem o seu ponto de vista com base em que, primeiro, apenas o seu ponto de vista permite considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções (eles não têm nenhuma vontade em acreditar que não tem sentido fazê-lo), e, em segundo lugar, sentimo-nos livres quando fazemos escolhas morais.
Os adversários tendem a opor-se ao libertarismo por três razões. Primeiro, acreditam que o determinismo é verdadeiro e não temos vontades sem causas ou auto-causadas. Em segundo lugar, eles defendem que não nos sentimos livres de forças causais (porque as causas não são o tipo de coisas que possamos sentir), mas antes de compulsão ou coerção. E, em terceiro lugar, defendem que se tivéssemos efectivamente vontades não causadas, não faria qualquer sentido considerarmo-nos responsáveis pelas nossas acções, porque não resultariam do nosso carácter e, assim, não seriam uma indicação de quem realmente somos.
4. Os deterministas moderados defendem que os deterministas radicais e os libertaristas estão errados, em parte porque usam uma concepção errada de liberdade da vontade. A concepção pertinente é que somos livres quando escolhemos e fazemos o que queremos fazer e não somos forçados ou compelidos contra a nossa vontade. Eles distinguem frequentemente entre dois tipos de compulsão ― interna e externa ― consoante a força compulsória é interior ou exterior aos nossos corpos.
Os deterministas moderados defendem a sua posição apelando a todas as provas que favorecem o determinismo em geral e salientando que o seu ponto de vista se conforma com a prática diária. Quando temos de decidir na vida diária se as pessoas devem ser consideradas responsáveis pelo que fazem, não perguntamos se as nossas acções são causadas mas antes se são ou não compelidas ou forçadas. Quando as pessoas fazem o que querem fazer, sentimos (com algumas excepções devido a razões precisas) que são moralmente responsáveis pelo que fazem.
Algumas pessoas rejeitam o determinismo moderado porque rejeitam o determinismo em geral. Outras rejeitam-no devido a acreditarem que até agora os deterministas moderados não foram capazes de lidar com certos tipos de casos e porque não explicaram adequadamente o seu critério de compulsão. Além disso, após terem ouvido a teoria dos deterministas moderados, especialmente os libertarianos ainda consideram totalmente implausível considerar as pessoas responsáveis pelas suas acções se essas acções são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias passados. Se o determinismo é verdadeiro, afirmam eles, então os seres humanos são exactamente como robots ou computadores complexos e ninguém se sente justificado em repreender ou punir um computador quando ele avaria.
Finalmente, foi sugerido que talvez seja este o ponto principal. Tratamos os seres humanos, de forma diferente dos robots ou computadores porque nós de alguma forma sentimos de forma diferente a seu respeito.

Howard Kahane, Thinking About Basic Beliefs, Wadsworth, Belmont, 1983, pp. 43-64.
Tradução de Álvaro Nunes (versão síntese neste blogue)

Livre arbítrio

‘Livre arbítrio’ é o nome convencional de um tópico que é mais adequadamente discutido sem referência ao arbítrio (vontade). As suas questões centrais são ‘O que é agir (ou escolher) livremente?’, e ‘O que é ser responsável pelas nossas acções (ou escolhas)?’ Estas duas questões estão ligadas intimamente, pois a liberdade de acção é necessária, embora não suficiente, para a responsabilidade moral.

Os filósofos dão respostas muito diferentes a estas questões e, portanto, também a duas questões mais específicas acerca de nós: (1) Somos agentes livres? e (2) Podemos ser responsáveis por aquilo que fazemos? As respostas a (1) e (2) vão de ‘sim, sim’ a ‘não, não’ – passando por ‘sim, não’ e vários graus de ‘talvez’, ‘possivelmente’ e ‘num certo sentido’. (O quarto par das respostas directas, ‘não, sim’, é raro, mas parece ser aceite por alguns protestantes). Entre os que respondem ‘sim, sim’ são proeminentes os compatibilistas, que sustentam que o livre arbítrio é compatível com o determinismo. Sucintamente, o determinismo é a teoria que diz que tudo o que ocorre é exigido pelo que já aconteceu anteriormente de um modo tal que nada pode acontecer de um modo diferente daquele que acontece. Segundo os compatibilistas, a liberdade é compatível com o determinismo, porque a liberdade é fundamentalmente apenas uma questão de não ser constrangido ou impedido em certos sentidos quando agimos ou escolhemos. Assim seres humanos adultos normais em circunstâncias normais são capazes de agir e escolher livremente. Ninguém lhes aponta uma arma à cabeça. Não estão drogados, agrilhoados ou sujeitos a compulsão psicológica. São, portanto, completamente livres para escolher e agir mesmo que toda a sua estrutura física e psicológica seja inteiramente determinada por coisas pelas quais não são de maneira nenhuma responsáveis – começando pela herança genética e pela educação inicial.

Os incompatibilistas sustentam que a liberdade não é compatível com o determinismo. Salientam que se o determinismo é verdade, então cada uma das nossas acções foi determinada para acontecer tal como aconteceu antes de nós termos nascido. Sustentam que não podemos ser, neste caso, considerados verdadeiramente livres e, consequentemente, moralmente responsáveis pelas nossas acções. Pensam que o compatibilismo é um ‘miserável subterfúgio…, um insignificante malabarismo de palavras.’, como diz Kant na sua Crítica da Razão Prática (1788). O compatibilismo não consegue de modo nenhum satisfazer as nossas convicções espontâneas acerca da natureza da responsabilidade moral.

O argumento dos incompatibilistas é um bom argumento. Os incompatibilistas podem ser dividos em dois grupos. Os libertários respondem ‘sim, sim’ às perguntas (1) e (2). Sustentam que somos de facto livres e agentes moralmente responsáveis e que, portanto, o determinismo tem de ser falso. A sua grande dificuldade é explicar de que vale afirmar que o determinismo é falso quando se trata de estabelecer o nosso livre agir e a nossa responsabilidade moral. Suponhamos que nem todo o acontecimento é determinado, e que alguns acontecimentos ocorrem aleatória ou fortuitamente. Como é que a nossa pretensão à responsabilidade moral pode ser reforçada pela suposição de que o que nós somos e o que são as nossas acções é da ordem do fortuito ou do aleatório?

O segundo grupo de incompatibilistas é menos optimista. Responde ‘não, não’ às questões (1) e (2). Concorda com os libertários que a verdade do determinismo inviabiliza a genuína responsbilidade moral, mas argumentam que a falsidade do determinisno de nada adianta. Assim, concluem que não somos genuinamente agentes livres ou moralmente responsáveis seja o determinismo falso ou verdadeiro. Um dos seus argumentos pode ser sumariado da seguinte maneira: quando agimos, agimos como agimos devido ao que somos. Portanto, para sermos responsáveis moralmente pelas próprias acções teríamos de ser verdadeiramente responsáveis pelo que somos: teríamos de ser causa sui, ou causa de nós mesmos, pelo menos no que respeita a certos aspectos mentais cruciais. Mas nada pode ser causa sui – nada pode ser a nenhum respeito a última causa de si mesmo. Logo, nada pode ser na verdade moralmente responsável.

Desenvolvido apropriadamente, este argumento contra a responsabilidade moral parece ser muito forte. Porém, em muitos seres humanos a experiência da escolha dá lugar a uma convicção de responsabilidade absoluta que não é abalada pela reflexão filosófica. Esta convicção é a mais profunda e inesgotável fonte do problema do livre arbítrio: aparecem continuamente poderosos argumentos que parecem mostrar que não podemos ser moralmente responsáveis naquele sentido fundamental que habitualmente adoptamos; mas contra estes persistem razões de ordem psicológica igualmente poderosas que nos fazem crer que em última análise somos moralmente responsáveis.



Edward Craig (ed.) The Shorter Routledge Encyclopedia of Philosophy (London and New York, 2005). Tradução de Carlos Marques.

sábado, 5 de dezembro de 2015

Consitência e Inconsistência



consistência/inconsistência
Duas ou mais proposições são consistentes se, e só se, podem ser simultaneamente verdadeiras; e são inconsistentes se, e só se, não podem ser simultaneamente verdadeiras. Por exemplo, as afirmações "Deus existe" e "Sócrates era um filósofo" são consistentes; e as afirmações "Deus existe" e "Deus não existe" são inconsistentes. Nem sempre é fácil saber quando duas proposições são consistentes ou inconsistentes. A mais leve complexidade lógica pode provocar enganos. Por exemplo, há razões para pensar que as afirmações "Todos os lobisomens são peludos" e "Nenhum lobisomem é peludo" não são inconsistentes; mas, intuitivamente, estas afirmações parecem inconsistentes. Note-se que aLÓGICA ARISTOTÉLICA não se aplica a proposições que contenham classes vazias, como "lobisomens"; se excluirmos as classes vazias, quaisquer duas proposições com a forma "Todo o A é B" e "Nenhum A é B" serão efectivamente inconsistentes (ver QUADRADO DE OPOSIÇÃO).
Outras vezes, é muito difícil saber se duas proposições são consistentes ou não. Por exemplo, em filosofia discute-se o chamado PROBLEMA DO MAL, que consiste em saber se as duas afirmações seguintes são consistentes: "Deus existe e é omnipotente, omnisciente e sumamente bom" e "Há mal no mundo".
Não se deve confundir inconsistência com CONTRADIÇÃO; todas as contradições são inconsistências, mas nem todas as inconsistências são contradições. Por exemplo, uma vez que há seres humanos, as afirmações "Todos os seres humanos são mortais" e "Nenhum ser humano é mortal" são inconsistentes, mas não são contraditórias entre si. Não se deve igualmente dizer que uma teoria ou proposição "é consistente com o mundo"; as teorias ou proposições só podem ser consistentes entre si e não com o mundo. Relativamente ao mundo, as teorias e proposições são verdadeiras ou falsas, consoante descrevem fielmente ou não o modo como as coisas são. DM


domingo, 22 de novembro de 2015

Refutação do compatibilismo

Os compatibilistas defendem que um agente é livre se desejar escolher B em vez de A ,o pode fazer. Mas acontece que muitas vezes podemos estar impedidos de escolher B e ainda assim continuar a ser livres. Por exemplo: João decide ficar fechado no quarto. Sem que o saiba o seu pai fechou o quarto à chave. Ora ele está impedido de escolher B, mas ainda assim não podemos afirmar que a sua ação não foi livre. Isto é, há um constrangimento (condição compatibilista para justificar quando não há livre arbítrio) e mesmo assim a sua ação foi livre. O que significa que a tese compatibilista está errada ao afirmar que se há constrangimentos, então não somos livres. Que acham desta objeção?

Roteiro de posições acerca do livre arbítrio

Um excelente roteiro das posições incompatibilistas e compatibilistas. Para aprofundar o estudo. Aceder clicando AQUI

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Libertismo


Libertismo é a perspetiva de que pelo menos algumas das nossas ações são livres porque, na verdade, não estão causalmente determinadas. Segundo esta teoria, as escolhas humanas não estão constrangidas da mesma forma que outros acontecimentos do mundo. Uma bola de bilhar, quando é atingida por outra bola de bilhar, tem de se mover numa certa direção a uma certa velocidade. Não tem escolha. As leis causais determinam rigorosamente o que irá acontecer. Contudo, uma decisão humana não é assim.
Neste preciso momento, o leitor pode decidir continuar a ler ou parar de ler. Pode fazer qualquer uma destas coisas e nada o faz escolher uma delas. As leis causais não têm poder sobre si. Isto não é muito plausível. Ainda assim, esta forma de pensar foi defendida por diversos filósofos e propuseram-se vários argumentos a seu favor.
O argumento da experiência.Podemos começar com a ideia de que sabemos que somos livres porque cada um de nós apercebe-se imediatamente de ser livre cada vez que faz uma escolha consciente. Pense novamente no que está a fazer neste momento: ler uma página que está diante de si. Pode continuar a ler ou parar de ler. O que irá fazer? Pense na sensação que tem agora, enquanto pondera estas opções. Não sente constrangimentos. Nada o impede de seguir numa direção nem o força a fazê-lo. A decisão é sua. A experiência de liberdade, poder-se-á dizer, é a melhor prova que podemos ter. (…).
 O argumento da responsabilidadeO pressuposto de que temos livre-arbítrio está profundamente enraizado nas nossas formas habituais de pensar. Ao reagir a outras pessoas, não conseguimos deixar de as ver como autoras das suas ações. Consideramo-las responsáveis, censurando-as caso se tenham comportado mal e admirando-as caso se tenham comportado bem. Para que estas reações estejam justificadas, parece necessário que as pessoas tenham livre-arbítrio.
 Outros sentimentos humanos importantes, como o orgulho e a vergonha, também pressupõem o livre-arbítrio. Alguém que conquista uma vitória ou tem um sucesso num exame pode sentir-se orgulhoso, enquanto alguém que desiste ou faz batota pode sentir-se envergonhado. Porém, se as nossas ações se devem sempre a fatores que não controlamos, os sentimentos de orgulho e de vergonha são infundados. Estes sentimentos são uma parte inescapável da vida humana. Assim, uma vez mais, parece inescapável que nos concebamos livres.
 

                                                 J. Rachels, Problemas da Filosofia, Gradiva

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

O que é o dilema de Hume?


O dilema de Hume é assim conhecido porque foi apresentado pelo filósofo David Hume. Antes disso vamos tentar perceber o que é uma teoria compatível. Por um lado temos a afirmação “há livre arbítrio”. Por outro, a afirmação “somos livres”. Estas duas afirmações são consistentes se podem ser as duas verdadeiras (ou as duas falsas, mas para já consideraremos apenas a verdade). Por isso se diz que são compatíveis. Dito de outro modo, pode ser verdade que exista livre arbítrio, ao mesmo tempo que é verdade que existe determinismo. São inconsistentes se a verdade de uma condiciona (implica) a falsidade da outra. Assim, se for verdade que o livre arbítrio existe, então o determinismo é falso. Mas se o livre arbítrio for uma ilusão, isto é, falso, então segue-se que o determinismo é verdadeiro. Em resumo, duas teorias são compatíveis se a verdade de uma não exclui a verdade da outra. Se exclui, então são incompatíveis.
Em relação ao problema do livre arbítrio, David Hume apresenta um dilema que pressupõe que qualquer teoria incompatibilista não é adequada para resolver o problema. O dilema é apresentado nestes termos:
Se o determinismo for verdadeiro, então aceitamos a causalidade natural e nesse caso o livre arbítrio é uma ilusão. Mas se o determinismo for falso, como explicar então as nossas escolhas? De onde resultam? Parece que sem pressupor uma causalidade que possa explicar as razões de uma escolha, essa escolha só pode resultar por mero acaso, isto é, só compreendemos a liberdade se compreendemos as causas que a produz.
Em conclusão, segundo este dilema, quer o determinismo seja verdadeiro, quer seja falso, parece que o livre arbítrio não existe. Como resolver então este problema? Hume parece sugerir uma teoria compatibilista. Que te parece?

Vamos então estudar uma teoria compatibilista, o determinismo moderado. 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

Será o determinismo radical uma teoria verdadeira?

Estava a navegar na internet e encontrei uma notícia na Super Interessante, edição brasileira, de Setembro de 2008 e que pode ser acedida AQUI . Resumindo, segundo o artigo, o que um grupo de cientistas defendem é que o livre arbítrio não passa de uma ilusão. Lê parte da notícia que aqui transcrevo e depois responde às questões:


Você se interessou pelo tema desta reportagem e, por isso, resolveu dar uma lida. Certo? Errado! Muito antes de você tomar essa decisão, a sua mente já havia resolvido tudo sozinha – e sem lhe avisar. Uma experiência feita no Centro Bernstein de Neurociência Computacional, em Berlim, colocou em xeque o que costumamos chamar de livre-arbítrio: a capacidade que o homem tem de tomar decisões por conta própria. As escolhas que fazemos na vida são mesmo nossas. Mas não são conscientes. Voluntários foram colocados em frente a uma tela na qual era exibida uma seqüência aleatória de letras. Eles deveriam escolher uma letra e apertar um botão quando ela aparecesse. Simples, não? Acontece que, monitorando o cérebro dos voluntários via ressonância magnética, os cientistas chegaram a uma descoberta impressionante. Dez segundos antes de os voluntários resolverem apertar o botão, sinais elétricos correspondentes a essa decisão apareciam nos córtices frontopolar e medial, as regiões do cérebro que controlam a tomada de decisões. “Nos casos em que as pessoas podem tomar decisões em seu próprio ritmo e tempo, o cérebro parece decidir antes da consciência”, afirma o cientista John Dylan-Haynes. Isso porque a consciência é apenas uma “parte” do cérebro – e, como a experiência provou, outros processos cerebrais que tomam decisões antes dela. Agora os cientistas querem aumentar a complexidade do teste, para saber se, em situações mais complexas, o cérebro também manda nas pessoas. “Não se sabe em que grau isso se mantém para todos os tipos de escolha e de ação”, diz Haynes. “Ainda temos muito mais pesquisas para fazer.” Se o cérebro deles deixar, é claro.

1.      Estudaste uma teoria filosófica que defende precisamente o que defendem os cientistas. Como se chama essa teoria?

2.      Quais as principais objeções que se pode levantar em relação à teoria?

domingo, 1 de novembro de 2015

A deliberação racional – Filosofia da ação


Nas aulas aprendemos esta semana um conceito novo e, já agora, uma palavra nova: deliberação. A esta juntamos outra não tanto nova quanto a primeira, racionalidade. O que é que se entende por deliberação racional? As nossas ações envolvem crenças e desejos. Por exemplo, o Luís pode decidir estudar filosofia porque acredita (crença) que isso é importante para passar de ano e sente o desejo de o concretizar (desejo). Esta crença e desejo explica qual o motivo da sua ação. Mas o Luís também acredita que estar com os amigos fomenta relações sólidas e sente o desejo de ir ter com os amigos. No final o Luís decide ficar a estudar filosofia. A isto é o que se chama escolher, isto é, deliberar racionalmente. Estar a tarde x no dia x a estudar ou ir ter com os amigos são desejos incompatíveis, razão pela qual o Luís teve de decidir. Deliberar racionalmente consiste em avaliar bem os desejos e crenças e estabelecer prioridades na ação.
A ação envolve os conceitos de crença, desejo, acontecimentos, intenção.

O estudo da ação é o primeiro passo para o que se segue. Vamos estudar as condicionantes da ação e algumas delas parecem fazer desaparecer este desejo e consequente escolha quando agimos. Estaremos, pois, nessa altura, a discutir o problema do livre arbítrio

Na foto, o filósofo norte americano John Searle, ainda vivo e que escreveu sobre alguns problemas da filosofia da ação. 

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Egoísmo psicológico

Na secção de textos deste mesmo blogue disponibilizo um texto sobre o Egoísmo Psicológico, o que nos ajuda a começar a compreender o problema da Filosofia da Ação, o do livre arbítrio que estudaremos ao longo da próxima semana. Atenção que o egoísmo psicológico é diferente do egoísmo ético. Ao passo que o egoísmo ético é uma teoria normativa, o psicológico é uma teoria descritiva. Uma teoria é normativa se é sobre o que é certo e errado, ao passo que uma teoria descritiva não se debruça sobre o certo e errado. Isso significa que o egoísmo psicológico não é uma teoria ética. Para os alunos basta lerem este excerto de todo o texto.

“O egoísmo psicológico é uma teoria da motivação que afirma que todos os nossos desejos últimos são auto-dirigidos. Sempre que queremos que os outros se saiam bem (ou mal), temos esses desejos dirigidos para os outros apenas instrumentalmente; preocupamo-nos com os outros apenas porque pensamos que o seu bem-estar influenciará o nosso próprio bem-estar. Como afirmei, o egoísmo é uma teoria descritiva, não é normativa. Procura caracterizar o que de facto motiva os seres humanos, mas nada diz sobre se essa motivação é certa ou errada.
O egoísmo tem exercido uma enorme influência nas ciências sociais e tem penetrado de forma ampla no pensamento das pessoas comuns. Os economistas pensam tipicamente que os seres humanos são movidos por “um interesse próprio racional”, o que excluí qualquer preocupação redutível ao bem-estar dos outros. Qualquer pessoa comum afirma frequentemente que as pessoas ajudam os outros, porque isso fá-las sentir bem com elas próprias ou porque procuram a aprovação de terceiros.
É fácil inventar explicações egoístas mesmo para os actos de auto-sacríficio mais horrendos. O soldado na trincheira que se faz rebentar junto com uma granada para salvar a vida dos seus camaradas, é um lugar-comum na literatura sobre o egoísmo. Como pode esse acto resultar do interesse próprio se o soldado sabe que acabará com a sua vida? O egoísta pode responder que o soldado percebe nesse instante que prefere morrer a sofrer a culpa que o perseguiria para sempre se se salvasse a si próprio e deixasse que os seus amigos morressem. O soldado prefere morrer e nada mais sentir, a viver e sofrer os tormentos dos condenados. Esta resposta pode parecer forçada, mas ainda está por determinar a razão por que a devemos considerar falsa.
As críticas que têm surgido contra o egoísmo podem ser divididas em três categorias. Primeiro, existe a tese de que não é genuinamente uma teoria. Segundo, há a alegação de que se trata de uma teoria que é refutada pelo que observamos no comportamento humano. Terceiro, existe a ideia de que, embora o egoísmo seja uma teoria consistente com o que observamos, existem outras considerações que não são evidentes que sugerem que deve ser rejeitada em favor de uma teoria alternativa, o pluralismo motivacional, segundo a qual os seres humanos possuem desejos últimos egoístas e altruístas.”