quinta-feira, 21 de dezembro de 2017

Um best of para 2017

Nem só de livros vive a filosofia. Vive, e muito, de artigos, teses académicas, palestras, conferências, vídeo aulas, etc. Mas o formato livro dá conta também do interesse comercial de um determinado saber. Diria que o interesse português pela filosofia é bastante modesto. E desconfio que é assim quanto ao interesse geral pelo conhecimento. Mas também já foi pior. E também não sei dizer que benefício haveria em ter publicações em grande número  todos os meses. Seja como for quando quero fazer a lista dos melhores livros de filosofia publicados em Portugal ao longo de 1 ano apenas, raramente consigo chegar aos 10 livros. Claro que foram publicados mais. Simplesmente aqui o critério da lista é também muito apertado. Eu, como leitor, sou o critério (risos). Assim, de seguida, apresento aqueles que foram para mim as edições mais interessantes no campo da filosofia publicada em Portugal. Pelo meio escolho sempre um ou outro título não diretamente ligado à filosofia, mas pelo menos com algumas conexões indiretas. Finalmente, a filosofia não se lê por anos. Isto significa que um leitor de filosofia não lê um livro em função do ano de publicação, mas do interesse para a discussão de um determinado problema. De salientar que os maiores grupos editoriais portugueses praticamente não publicam filosofia.

1.      Jason Brennan, Contra a Democracia, Gradiva, Trad. Elisabete Lucas

2.      Yuval Noah Harari, Homo Deus, Elsinore, Trad. Bruno Amaral


3.      Peter Singer, Ética no mundo real, Ed. 70, Trad. Desidério Murcho


4.      John E. Roemer, Um futuro para o socialismo marxista, Gradiva, Trad. José S. Pereira


5.      Harry Frankfurt, Sobre a verdade, Gradiva, Trad. Mª Fátima Carmo


6.      Roger Scruton, A natureza Humana, Gradiva, Trad. Mª Fátima Carmo


7.      Bernard Williams, A ética e os limites da filosofia, Documenta, Trad. A. Morão e D. Santos


8.      António Damásio, A estranha ordem das coisas, Temas & Debates, Trad. Luís Oliveira e João Quina



Para 2018 gostaria de ver traduzidos muitos livros. Mas para já ficaria contente com a publicação entre nós de alguns dos livros de Julian Baggini, para mim, provavelmente o melhor escritor de filosofia popular mais estimulante do momento e do qual ainda não temos um único livro traduzido. Gostaria também de ver traduzida a breve introdução à filosofia política muito bem escrita por David Miller. E também agraciava a tradução do livro sobre o problema do livre arbítrio de Ted Honderich, How free are you? The determinismo problema. Apesar de já ter uns anos é um excelente livro. Mas não ficaria triste de ver mais livros de autores como Thomas Nagel, Jason Brennan, Jeff Macmahan ou David Benatar, todos eles autores com livros muito apetitosos. Esperemos que tal aconteça. 
Bom 2018












quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

Professor, as aulas de filosofia são confusas!


Quem leciona filosofia certamente já foi confrontado com observações contraditórias por parte dos seus alunos. De uma mesma aula, alguns alunos dizem que “a filosofia entende-se bem”, “o professor é muito claro nas explicações das teorias” ou, ao invés, “esta aula é uma confusão”, “o professor é um confuso”. Do ponto de vista de quem ensina o caminho fácil é considerar os alunos que fazem o primeiro tipo de afirmações uns amores e os que fazem o segundo tipo, uns estupores. Mas ensina-nos a vida que o caminho mais fácil nunca é o melhor e talvez estas afirmações dos alunos mereçam alguma consideração com detalhe. Ao mesmo tempo sabemos que a referência generalizada nas dificuldades quanto às aprendizagens na matemática é a conhecida “falta de bases”. Pois, o que me parece acontecer na filosofia é exatamente o mesmo, falta de bases. Não é por acaso que a filosofia ocorre nos currículos somente no ensino secundário, ou pelo menos com especial incidência na adolescência (pese embora experiências paralelas meritórias na filosofia para crianças). E ocorre nesta etapa da vida dos estudantes precisamente porque se considera que neste nível o estudante é capaz de abstração. Para compreender o problema do livre arbítrio, a causalidade não é coisa que se veja com os olhos. Quando um aluno vê o professor empurrar uma garrafa de água é somente isso mesmo que vê, muitas das vezes sem compreender que existe ali um fenómeno físico e material de causalidade. A causalidade é uma medida que se capta com a mente e não com os olhos. Se este terreno de base não está preparado, será, assim, muito difícil ao aluno compreender a relação estabelecida entre causalidade natural e livre arbítrio e, daí, captar a essência do problema.
Existe uma tendência para estes alunos com dificuldade de apreensão abstrata em considerar que as aulas devem ser um despejar de definições que se decora acriticamente. Claro está que perante alunos com estas características a filosofia pode ser uma grande desvantagem. E para o professor sobra trabalho suplementar já que tem de trabalhar em função desta incapacidade, ou melhor, desta capacidade ainda não treinada. Além de ter de saber resistir aos comentários dos alunos em relação às matérias que tem para com eles trabalhar.
Há formas muito simples de compreender se esta base da abstração está ou não trabalhada. Por exemplo, com a exibição de uma reprodução da Guernica, uns alunos vão observar que estão a ver um boi, uma lâmpada, um homem aos berros, quando outros, perante o mesmo desafio, já observam que estão a ver sofrimento, confusão, caos e miséria. Roubando um pouco à teoria de Piaget, diria que os primeiros ainda militam na fase das operações intelectuais concretas, quando os segundos já estão na fase das operações abstratas.
Os testes diagnóstico podem dar uma primeira imagem ao professor do estado dos alunos e o que pode esperar das suas aprendizagens. No caso dos alunos com esta capacidade ainda não trabalhada, o melhor mesmo é avançar com a leitura de pequenos textos com algum grau de abstração (como qualquer bom texto de filosofia) e pedir comentário quase linha a linha. Mas no nosso sistema formal de ensino, não há tempo a perder, pelo que há que procurar o equilíbrio entre este trabalho e o avanço dos conteúdos. Mas parece claro que os alunos avançam a ritmos muito diferenciados em virtude da sua capacidade de compreender o mundo abstratamente. E qualquer professor do secundário está consciente das dificuldades encontradas nos alunos sem esta base: preguiça, reacionarismo em relação à disciplina e ao professor, etc. É uma luta dura.
Um trabalho interessante é ter algumas ideias minimamente sólidas das razões por que estas bases não são consolidadas. E existe muita literatura interessante sobre o assunto, desde a sociologia até à psicologia e as neurociências. Mas é difícil atirar com certezas perante esta dificuldade.
Entre as razões mais imediatamente compreensíveis estão as sociais e familiares. Um aluno médio de 15 anos pode saber perfeitamente o nome dos defesas centrais do atual plantel do Benfica (e não há mal algum nisso), mas dificilmente ouviu falar de Picasso. E que razão me leva a pensar que há aqui um qualquer hiato entre aquilo que a realidade é e aquilo que ela deveria ser? Porque o futebol, pese embora possa ser abstratamente analisado, lida diretamente com as emoções e é essa a relação mais comum que a esmagadora maioria dos adeptos de futebol têm com a modalidade. Mas olhar uma obra de Picasso exige alguma abstração, pelo que o exercício implica algum trabalho intelectual. E é exatamente este o trabalho que muitas das vezes as famílias, meios de comunicação e sociedade em geral poderiam fazer de modo mais consistente e que, na minha opinião, não fazem.

Este trabalho é comunitário no sentido em que não cabe exclusivamente aos professores, mas a todos. Quando confiamos apenas nos professores para realizar este trabalho não deveria pelo menos ser estranho que os alunos muitas das vezes considerem a filosofia confusa quando com ela se confrontam pela primeira vez. 

Link da imagem: (https://gartic.com.br/luchfe/desenho-jogo/confuso)

Voltar a estudar? Que tal filosofia?


Voltar a estudar após uma certa idade é uma pratica ainda muito tímida em Portugal. Mas devia acontecer com maior frequência. Estudar é das atividades humanas mais motivadoras. A repetição profissional ao cabo de alguns anos implica desgaste e falta de motivação. Imediatamente pensamos em mais dinheiro como principal foco motivacional. Mas após asseguradas as necessidades básicas não é com mais dinheiro que vamos criar mais motivação. A experiência com a Universidade Senior é uma excelente ideia. Mas o que aqui refiro destina-se mais a pessoas inseridas no mundo profissional e não a reformados. Estudar filosofia aparece aqui com um destaque interessante, senão vejamos rapidamente algumas das principais vantagens de estudar filosofia no mundo de hoje:
Argumentação – é o nervo central da filosofia. Estudar filosofia é entrar no gigantesco diálogo sobre questões básicas. Não são básicas no sentido de serem as mais simples, mas as questões mais essenciais de compreensão da vida humana e do mundo.
Ceticismo – uma boa dose de ceticismo é a base para a análise crítica de problemas e de tentativa de solucioná-los. Sem essa dose certa de ceticismo não se exerce a capacidade crítica e sem ela não se apresenta qualquer tipo de evolução seja em que área for da vida humana.
Abstração – uma capacidade que também se exerce com a arte, matemática, etc. A abstração é uma maneira de compreensão do mundo e dos outros, sem a qual, essa compreensão seria muito mais sujeita a impasses e erros de interpretação. A abstração é o primeiro passo para o rigor.
Comunicação – comunicar é expressar pensamentos e a maneira como estamos a interpretar o mundo. O estudo da filosofia desenvolve bem esta capacidade, já que quem estuda filosofia lida o tempo todo com a necessidade de expressar com clareza o que está a pensar. Esse esforço pode resultar muitas vezes em confusão. Mas quando bem conduzido resulta quase sempre em clareza.
Compreender a ciência – pode-se ser cientista ou fazer ciência sem compreender muito bem o que é a ciência e como se desenvolve ou progride a ciência. Estudar filosofia e principalmente filosofia da ciência é a porta aberta para a compreensão de como e para quê se faz ciência.
Informação – um dos perigos a que mais estamos sujeitos no mundo da informação é o da manipulação. Estudar filosofia dota-nos de capacidade crítica para avaliar e analisar fontes, critérios, etc. É também uma maneira de prevenir contra a má ou enviesada informação.
Política – um sistema mais perfeito é um sistema em constante aperfeiçoamento. Pensar que vivemos no melhor dos mundos possíveis é ao mesmo tempo aceitar que não existe melhor do que o que já temos. Ora esta não é a postura adquirida por quem quer que estude filosofia. Repensar sistemas políticos, compreender porque podem não funcionar, etc é uma das capacidades desenvolvidas pelo estudo da filosofia.
Liberdade – Ousa saber! Os filósofos não tem praticamente limites na abstração. Ou antes diria que os limites são critérios como a clareza. Mas a liberdade crítica é uma prática entre filósofos. E uma prática adquirida por quem estuda filosofia, uma capacidade de não impor nenhuma verdade como incontroversa.