Ouço dizer muitas coisas sobre uma primeira aula. Entre as mais convencionais é que nesta aula as regras devem ser desde logo claras. De acordo. As regras são iguais para todos e é conveniente que se perca algum tempo a explicitá-las. Depois existem outras formalidades que podem ser cumpridas na primeira aula, como as habituais apresentações e enunciação de critérios de avaliação da disciplina. Alguns professores começam logo na primeira aula a fazer uma abordagem ao programa da disciplina. Ontem dei uma primeira aula a uma turma de filosofia do 10º ano ( o ano lectivo na Madeira iniciou esta semana). Alguns destes alunos têm somente 14 anos e frequentam pela primeira vez o ensino secundário. Após o cumprimento de algumas formalidades, comecei por questionar os alunos sobre as suas expectativas quanto à filosofia. É natural que na primeira aula algum silêncio se possa fazer sentir, mas aproveitei o tempo para dar uns lamirés sobre o assunto. Devo dizer que não sou muito formal nem na primeira aula. Tenho lido algumas recomendações no sentido, por exemplo, do professor não se “armar” em engraçadinho. Correcto, mas não dispenso algum humor e boa disposição. Há sempre um ponto de equilíbrio que qualquer professor com bom senso sabe encontrar.
Mas gosto de “entrar a matar” na primeira aula. “Entrar a matar” significa aqui começar logo por mostrar como se discute um problema, ainda que de modo muito prematuro já que os alunos não estão, nesta altura, munidos das ferramentas nem da informação para pensar filosoficamente. Ocorreu-me fazer logo a distinção entre problemas filosóficos e não filosóficos. Peguei num problema da ética aplicada como exemplo, o do aborto. Perguntei aos alunos se lhes parecia certo ou errado uma mulher grávida recorrer ao aborto para interromper uma gravidez. Uma aluna respondeu de imediato que era errado. Questionei a razão que a leva a pensar tal coisa? Respondeu que se está a matar um ser humano. Estamos já no centro do problema, mesmo que com pouquíssima informação para a saber pensar. Ok, próximo passo, definir conceitos. Perguntei à turma como é que se define um ser humano. Entre algumas respostas, surgiu a mais habitual: “é um ser que raciocina”. De imediato perguntei se um feto humano raciocina? Gerou-se o impasse: os alunos estavam neste momento à procura de uma resposta para a minha questão, numa palavra, os jovens de 14 e 15 anos estavam a pensar pela sua cabeça. Meia hora da primeira aula foi passada nesta discussão. Claro que ainda há um trabalho prévio a fazer que iniciarei já amanhã, na segunda aula. Perderei também algum tempo – não muito – para ajudar os alunos a orientar o seu estudo em casa. Mas desta meia hora retiro uma conclusão: os alunos do ensino básico estão também preparados para aprender a filosofar. E há uma outra conclusão também a retirar daqui: não existe razão alguma para pensar que: 1) a filosofia não é atractiva para os estudantes; 2) a disciplina é difícil. Nenhum aluno desta turma achou muito complicado participar numa discussão racional. Alguns alunos provavelmente levaram para casa o pensamento de que têm de rever as suas posições face a um determinado problema. Não interessa: cada um colocará as questões necessárias exigentes para compreender o problema. E não me posso queixar que os alunos tenham achado a filosofia uma seca, pois sei que não é essa a sua opinião.
3 comentários:
eu posso garantir uma coisa, alguns estudantes adoram filosofia eu sou uma, tenho 15 anos, e amo discutir sobre problemas filosoficos, penso até em ser professora, então concordo plenamente com sua conclusão.
parabéns pelo blog.
Eu gostaria realmente de entender a filosofia, eu sei que filosofia é uma disciplina que indaga,questiona mas eu queria saber e entender o que realmente a filosofia procura no homem,qual o seu objetivo,ensinar ou levar o educando a pensar?, criticar?ou leva-lo a pensar que nada o que vemos é.
Na física estuda problemas de ordem física e na biologia problemas relacionados com os organismos. na filosofia estuda problemas filosóficos que são aqueles que não possuem mecanismos de prova empírica ou formal (como o calculo matemático). Os mecanismos de teste de teorias em filosofia é a análise crítica de argumentos e tal só se faz raciocinando sistematicamente sobre os problemas. Isto é a filosofia!
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