terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Ciência, espiritualidade e humanidades

Um dos erros mais elementares consiste em pensar que uma pessoa ou é religiosa e por isso espiritual ou não é religiosa e por isso pouco ou nada espiritual. Na verdade uma pessoa pode ser religiosa e muito pouco espiritual (mesmo pensando que é profundamente espiritual) e pode ser não religiosa e profundamente espiritual. Isto porque a dimensão espiritual não é uma propriedade exclusiva das religiões nem das crenças religiosas.
Edward O. Wilson é talvez o biólogo vivo mais respeitado no mundo e professor emérito da Universidade de Harvard, com um currículo de mais de 100 prestigiados prémios.


"Uma das bases da força da ciência são as ligações feitas não apenas de várias maneiras dentro da física, química e biologia, mas também entre estas disciplinas primárias. Uma grande pergunta continua por responder na ciência e na filosofia. É a seguinte: pode esta consiliência (ligações feitas entre domínios bastante afastados do conhecimento) ser alargada às ciências sociais e às humanidades e até mesmo às artes criativas? Eu penso que pode a acredito ainda que a tentativa para fazer essas ligações será uma parte fundamental da vida intelectual do século XXI.Porque é que eu e outras pessoas pensamos desta maneira tão controversa? Porque a ciência é a fonte da civilização moderna. Não é apenas «outra maneira de saber», comparável à religião ou à meditação transcendental. Não reduz o génio das humanidades, nem mesmo das artes criativas. Pelo contrário, propicia o enriquecimento do seu conteúdo. O método científico tem explicado a origem  e o significado da humanidade de uma maneira mais consistente e melhor do que as crenças religiosas. As histórias da criação das religiões organizadas, tal como a ciência, propõem-se explicar a origem do mundo, o conteúdo da esfera celeste e até mesmo a natureza do tempo e do espaço. Na sua grande maioria, os relatos míticos, baseados nos sonhos e nas epifanias dos antigos profetas, variam entre as crenças religiosas. São atrativos e reconfortantes para as mentes dos crentes, mas cada um deles contradiz a outro e, depois de testados no mundo real, tem-se sempre verificado que estão errados, sempre errados.

 O malogro das histórias criacionistas é mais uma evidencia de que os mistérios do universo e da mente humana não podem ser resolvidos apenas pela intuição. O método científico por si só tem libertado a humanidade do estreito mundo sensório legado pelos nossos antepassados pré-humanos."



Edward O. Wilson, Cartas a um jovem cientista, Clube do Autor, 2014, Trad. Isabel Jardim,p.59

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Ciência e dogmatismo


"Podemos reger-nos pelo dogma ou pela descoberta. O dogma (da palavra grega que significa opiniões recebidas que «parecem boas») bem pode procurar uniformizar as pessoas (como é a intenção implícita do dogma religioso, sendo religio um termo latino que significa «unir»), mas na verdade, na medida em que tem de ser adoptado com base em fé, acaba por dividir a humanidade entre um nós fiel e um outro suspeito. A descoberta científica poderia ter dividido o mundo, mas em vez disso revelou que todos os seres humanos são parentes (uns dos outros e de todos os outros seres vivos) num universo onde estrelas e estrelas-do-mar obedecem às mesmas leis físicas. Assim, à medida que os seres humanos passam do dogma à descoberta, vão percebendo cada vez melhor que habitam um só mundo.Esta evolução cria a expectativa de que, à medida que a influência da ciência for aumentando, as pessoas possam vir a ultrapassar velhos preconceitos e provincianismos e tratar-se umas às outras com mais liberalidade. Em certa medida, isso está já a acontecer (o mundo hoje é mais científico e mais liberal, mais bem informado e menos violento do que era há três séculos), mas estas mudanças trouxeram também consigo novos problemas.Os dogmáticos, religiosos ou políticos, reagem contra a ciência e o liberalismo com todos os meios ao seu alcance, da negação e da tentativa de supressão (por exemplo, do ensino da evolução biológica) ao terrorismo. As democracias liberais respondem muitas vezes a estas ameaças com insegurança em vez de força, revertendo em momentos de dificuldade para práticas antiliberais pouco melhores que as dos seus adversários. Entretanto, as descobertas científicas vão pondo em causa as ideias feitas que todos temos, enquanto a evolução da tecnologia vai criando problemas complexos (com o aquecimento global actualmente no topo da lista), que se não forem adequadamente abordados ameaçam anular grande parte dos progressos que a nossa espécie fez tão recentemente
(…) os cientistas tem uma história de descoberta para contar; os dogmáticos, uma história de obediência à autoridade."


Timothy Ferris, Ciência e Liberdade, Democracia, Razão e Leis da Natureza, Gradiva, Trad. Ana Sanpaio, pp.425,426 e 427

Melhores de 2014

No site do nosso manual, Como Pensar Tudo Isto? (2014, Sebenta, Leya), publicamos duas listas de recomendações de algumas edições de 2014 que valem a pena.








A filosofia morreu

No livro, O grande Desígnio, o físico Stephen Hawking escreve o seguinte:

"Como as pessoas só vivem uma vez neste mundo gigantesco, que umas vezes é benevolente e outras vezes cruel, a olharem para o céu interminável que se estende por cima delas, interrogam-se muito. Como podemos compreender o mundo em que vivemos? Como é o universo? Qual a natureza da realidade? De onde vem tudo isto? O universo precisa de um criador? A maioria de nós não gasta em geral muito tempo com estas perguntas mas quase todos pensamos nelas de vez em quando. Tradicionalmente, estas perguntas seriam para a filosofia mas a filosofia morreu. Ela não conseguiu acompanhar os novos desenvolvimentos das ciências da natureza, em especial na física. Agora são os cientistas da natureza que, com as suas descobertas, estimulam a procura de conhecimento."

Stephen Hawking e Leonard Mlodinow, O grande desígnio, Gradiva, 2011


Hawking defende que a filosofia morreu pois as grandes questões são respondidas pelas ciências da natureza, nomeadamente a física. Mas parece existir um grande problema na afirmação de Hawking. Como é que a física pode mostrar cientificamente que a filosofia morreu? Como é que Hawking consegue responder a essa grande questão sobre a morte da filosofia sem, ao mesmo tempo, filosofar? Que pensar disto?


Factos, coisas e verdade


"Um facto é algo que constitui uma verdade em relação a tudo. É verdade, no que se refere à maçã, que se encontra na tigela. Os factos são, pelo menos para o mundo, tão importantes como as coisas ou como os objetos. E isto pode ser visto por meio de uma experiência de pensamento muito simples. Suponhamos que só há coisas e que não há factos. Nesse caso nada seria verdadeiro em relação a essas coisas. Mas só isto já seria um facto. Consequentemente seria verdade relativamente a essas coisas que nada seria verdade sobre elas. E esta objeção é bastante óbvia e até pior do que um infortúnio. Se há em qualquer cenário em que se possa pensar pelo menos um facto, em muitos cenários que podemos imaginar não há coisas. É o que também mostra outra simples experiência de pensamento. Imaginemos que nada disto existe: nem espaço-tempo nem suricatas nem meias em planetas nem Sol, nada. Nesta situação desesperada e extremamente desolada dar-se-ia o caso de não existir mesmo nada e o pensamento de que neste caso nada existe parece ser verdadeiro. Mas, em consequência, há pelo menos um facto neste nada desolado que é, nomeadamente, , o facto de haver esse nada desolado. Mas este facto já não seria, só por si, um facto. Pelo contrário, seria o facto decisivo, a verdade sobre essa terra de desolação absoluta. Assim, nessa desolação nada existe, o que é verdade no que se refere à própria desolação. Consequentemente será impossível existir um nada absoluto. Por isso terá de haver pelo menos um facto para que nada mais possa existir."



Markus Gabriel, Porque não existe o mundo, Temas & Debates, 2014, Trad. Pedro Rosad, p.42,43

Livros

A Secção de Livros foi atualizada.


quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

Os autores falam das janelas para a filosofia

Aqui fica um pequeno vídeo dos autores Aires Almeida e Desidério Murcho a apresentar o seu mais recente livro, Janelas para a Filosofia (Gradiva, 2014).


Fotos

Inadvertidamente apaguei todas as fotos deste blog que estavam associadas ao Google + e Picassa. Para mais fui apagar também na lixeira. Com tempo recuperarei a imagem do blog. 

Filosofia e Natal


Todos os anos tenho referido este livrinho de Stephen Law, uma brincadeira muito bem feita cruzando a filosofia com o espírito do natal. Será moralmente correto matar o peru para a noite de natal? E mentir sobre o pai natal? São estas e outras questões que fazem deste pequeno pedaço de leitura um doce de natal para o nosso cérebro.