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quarta-feira, 10 de maio de 2023

Fazer pontes com raciocínios

Numa das minhas aulas recentes tinha como objetivo explicar aos alunos a diferença que Mill falou entre prazeres superiores e inferiores. Entre os superiores temos prazeres como os intelectuais, estéticos, morais ou espirituais. Ao passo que entre os inferiores temos os prazeres físicos ou sensoriais mais básicos, como comer ou dormir. Certo que muitos dos prazeres mais básicos se relacionam bem com prazeres de ordem superior. 


(Imagem do manual adotado)

Mas o objetivo aqui é o de mostrar a alunos de 15 anos que Mill não estava a inventar e que talvez tivesse feito uma divisão que merece a pena explorar quando relacionamos prazer com felicidade. Assim, comecei por exibir um pequeno vídeo da Sagrada Família de Gaudi, em Barcelona, a que se seguiu uma pequena conversa em que questionei se gostavam de ver a SF. Quando os alunos respondiam que sim, perguntei a razão. E as respostas andavam pelo esperado: porque é bonita. Estamos, pois, a falar de prazeres estéticos. 



Depois coloquei uma experiência de pensamento aos alunos: imaginem duas hipóteses: ou vocês são de tal maneira bonitos e bonitas que todos os rapazes ou raparigas da escola rastejam aos vocês pés. Mas tem um senão: são muito limitados em termos intelectuais, “burrinhos”. Ou então, segunda hipótese, são normais, vão ter alegrias e sofrimentos amorosos, a vida amorosa nem sempre vos será fácil, mas são inteligentes. E a pergunta é: quem prefere a primeira hipótese. Ninguém levantou a mão. “Estão a ver!!!, a vossa vida intelectual é algo que estimam mais que os vossos prazeres sensoriais mais imediatos. Depois mostrei o vídeo que está abaixo, do filme de Charles Chaplin, “O Homem dos tempos modernos”. A maioria dos alunos do 10º ano ou não fazem ideia quem foi Chaplin ou, os que já ouviram falar, associam a um comediante. Não faziam ideia que se podia ser bastante crítico a fazer comédia. A pergunta, no final, foi a de tentar saber se Chaplin, no retrato daquele filme, seria um homem feliz, ao que os alunos responderam que não pois tem tarefas apenas repetitivas e que tal não o faz feliz. Bem, aproveitei para dar o contexto. “Vão lá à Wikipédia pesquisar de onde é Chaplin e quando viveu”. Pois, inícios do sec xx. Ainda a a Inglaterra, país de Chaplin, vivia nas suas cinzentas cidades com o clima da revolução industrial. Foi assim que fomos até ao aborrecimento da vida e à necessidade de criar espaços criativos que nos façam felizes. Pois então!! Isto é ser humano. E foi assim que lhes dei o exemplo da múisca da cinzenta Manchester dos anos 80 e lhes falei e mostrei Joy Division, uma espécie de grito no meio da cinzenta Manchester de outrora. E foi assim também que compreendemos como a Inglaterra de hoje já não é apenas a da cinzenta industrialização que durou até à era da globalização e da transferência da indústria para países emergentes. Uma aula em que construímos pontes com o raciocínio analítico. E crescemos culturalmente. Tudo para compreender apenas um conceito explorado por um filósofo, o da felicidade em Mill. Já agora, esta aula não teria sido possível sem um computador, uma conexão à banda larga e um quadro eletrónico que me permitiu, a mim e aos alunos, em boas condições, visualizar os vídeos. Terminamos a aula com um pequeno quiz para    testar os conhecimentos adquiridos. É importante também salientar que à medida que exploramos os materiais compreendemos o que Mill nos queria dizer nesta passagem:


«É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.»

John Stuart MillUtilitarismo, Porto Editora, 2005, p. 78.



quarta-feira, 3 de maio de 2023

E como funcionam os imperativos em Kant?

Se para Kant a vontade de agir não decorre de mobiles externos, de onde vem, então? Só pode decorrer de algo interno, no caso, da própria razão que, uma vez autónoma, dá uma ordem a si mesma para agir. Ora, Kant chama a isto imperativo categórico, que é o imperativo da ação por dever, a ação moral propriamente dita. E contrasta com o imperativo hipotético, que é quando a vontade é mobilizada por algo externo. Por exemplo, se Pedro ajuda o pobre apenas para ficar bem visto, o que motiva a sua ação não é a razão, mas o ser bem visto. Quer dizer, ainda que a decisão seja sempre racional, não depende exclusivamente da razão. E para Kant uma ação moral depende exclusivamente da razão. Isto é assim pois a ação é um fim em si mesma e não um meio. No meu exemplo, se desaparecer a aprovação social da ação, a ação desaparece e por isso Pedro faz apenas aquilo que é conforme o dever, mas não por dever. Se Pedro agir por dever não interessa nada se recebe ou não aprovação de terceiros. Outra maneira de compreender a ação moral para Kant é perguntar o que é que está a motivar a ação. Se o que está a motivá-la é algo externo à própria ação, então a ação não é por puro respeito ao dever, mas por respeito a algo mais além do dever. E por isso se chama conforme ao dever e não por dever. Fica aqui uma imagem que contrasta os dois imperativos que são como que dois comandos da ação. 





quinta-feira, 19 de março de 2020

Fazer escolhas em tempo de terra parada

No jornal Expresso foi publicado este interessante artigo em especial para os alunos do 10º ano, para as matérias que andamos a estudar de filosofia moral. Recomendo a sua leitura.
Kant, Stuart Mill, ou Aristóteles. Uma corrente deontológica, utilitarista, ou de virtude? Qual seguir? Agir bem em relação a si próprio e aos outros, além de contribuir para conter a pandemia, fará de si um cidadão do mundo em paz consigo próprio 
Vou mesmo ficar em casa todo o dia? Vou comprar mais comida ao supermercado? Vou publicar a minha opinião nas redes sociais? Vou bater palmas à janela às 22.00? Vou confiar nas decisões das autoridades? Nesta altura de pandemia em que somos chamados a tomar decisões individuais com impacte importante na sociedade, como vamos conseguir lidar com a complexidade, a incerteza e a necessidade de acção colectiva? Não é fácil, a nível individual, compreender como agir. Será que a ética nos pode ajudar a decidir “o que devo fazer?”. 
A ética normativa é uma disciplina filosófica que nos ajuda a fundamentar e argumentar de forma coerente as nossas decisões e acções. É isso que precisamos agora, de pensar de forma estruturada em como agir. Fazemos muitas coisas em “piloto automático”, julgamos muito os outros e achamos muitas coisas sem o necessário conhecimento. A pandemia - uma epidemia que ocorre em todo mundo, ao mesmo tempo – exige mais de nós. Exige exercícios de reflexão, de introspeção, de chamarmos à coação os nossos valores éticos. Exige responsabilidade e exige que sejamos construtivos. 
Há diferentes correntes éticas, a deontológica inspirada em Kant, a utilitarista inspirada em John Stuart Mill e a ética das virtudes inspirada em Aristóteles que assentam em diferentes estruturas de pensamento: 
A deontologia é a teoria do dever e da universalidade. Para decidir o que fazer pergunte “e se todos fizessem isto, estaria certo?” se a resposta for não, então Kant diz-lhe que o seu dever é não o fazer. “Se todos comprarem mais comida do que precisam, isso é bom?” A sua resposta dá-lhe a pista sobre se deve, ou não, fazê-lo. 
A teoria utilitarista diz que devemos agir de forma a maximizar as boas consequências e minimizar as más. Não é universal como a anterior, foca-se mais no contexto e nas consequências. “O que acontece se eu não seguir as instruções sobre a quarentena?” Se a consequência da sua resposta for uma maior probabilidade de apanhar o vírus ou contagiar alguém, Mill dir-lhe-ia que é errado. 
A ética das virtudes assenta mais na pessoa e menos na acção, dando ênfase ao carácter individual onde tão importante como a pergunta, “o que devo eu fazer?” é a pergunta de “como quero eu ser?”. Aristóteles perguntar-lhe-ia “Que tipo de pessoa é que quer ser neste contexto de pandemia?” e é a sua resposta que o ajudará a decidir o que fazer. 
Nem sempre há respostas absolutamente certas ou erradas, mas ao menos serão dadas de forma mais consciente e informada. Por isso, confie num destes filósofos, e questione ou o universalismo dos seus actos ou nas suas consequências ou em pensar que tipo de pessoa quer ser. Ou então em todos, apesar das respostas poderem não coincidir, o pluralismo ético faz parte da vida real. O essencial é conseguir fundamentar e argumentar de forma coerente o que decidir principalmente quando estamos, como agora, em contextos novos, complexos, difíceis e dilemáticos. 
Em tempos de crise podemos ainda recorrer à inspiração de grandes políticos: se nesta fase só se promete sangue, suor e lágrimas (Churchill), então não espere só o que podem fazer por si, centre-se no que pode você fazer (Kennedy) para ultrapassarmos todos, da melhor forma, esta pandemia. Mesmo se aquilo que tiver que fazer, seja não fazer nada e ficar de quarentena em casa. 
A boa notícia é que a ética tem intrinsecamente uma componente de harmonia ou felicidade e por isso agir bem em relação a si próprio e aos outros, além de contribuir para conter a pandemia, fará de si um cidadão do mundo em paz consigo próprio. Fica a ganhar duplamente. 
*Sofia Guedes Vaz, Investigadora no IFILNOVA e Presidente da Sociedade de Ética Ambiental

Link: https://expresso.pt/opiniao/2020-03-17-Etica-em-clima-de-pandemia 

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020

Eutanásia, tipos

Por manifesta falta de tempo não tenho participado nos debates em redes sociais ou outros meios sobre o problema moral da eutanásia. Antes de tudo o problema da eutanásia não é político, nem legal, mas moral. Exatamente por ser um problema difícil é que não sabemos que legislação aplicar a um problema tão complexo. E como problema moral que é, deem lá as voltas que quiserem mas é, antes de tudo, um problema filosófico. Claro que isso não impede as pessoas de terem opiniões sobre o problema. Afinal de contas os problemas da filosofia são problemas fundamentais da existência e é natural que as pessoas tenham mais opiniões sobre problemas filosóficos do que sobre buracos negros, conexões neuronais ou teoremas matemáticos. Daí não se segue que não exista um debate na especialidade. Ele existe. E não é feito nem por políticos, nem opinion makers, nem grupos de direitos disto e deveres daquilo. É feito a alto nível, academicamente e por filósofos. Ora, se é certo que não os conseguimos acompanhar de todo (nem eu que tenho formação intermédia em filosofia), também é igualmente certo que é errado promover um debate no qual a especialidade é completamente posta de lado, que é o que me parece estar a acontecer em Portugal, como de resto já aconteceu com o problema moral do aborto no passado. Assim o debate fica morto logo à partida porque os protagonistas do mesmo não têm a verdade por horizonte, mas correspondem a grupos de interesse particulares. Na verdade não há debate algum. Há uma berraria e um medir de forças para ver quem no final sai vencedor. Isto não é minimamente didático nem ajuda absolutamente em nada as pessoas que não têm grande formação em filosofia e em filosofia moral a compreender o debate. Também não vou aqui explorar (falta de tempo, já disse, pois este problema exige bastante esforço de exposição e compreensão) todos os argumentos a favor e contra. Mas vou exibir um esquema que fiz, baseado no texto que deixo aqui neste link, que mostra que existem pelo menos 6 tipos distintos de eutanásia e que se partirmos para o debate (como acontece) sem fazer estas separações, acaba por ser uma conversa de surdos pois as pessoas no fundo estão a falar de coisas bastante distintas, apesar de aparentemente semelhantes. Claro que podemos ser contra todo e qualquer tipo de eutanásia. Ou a favor. Mas mesmo que a nossa posição seja essa (e quem conhece as separações dificilmente é contra todos os tipos ou a favor de todos os tipos), temos de partir para o debate com estas divisões bastante claras na nossa cabeça, pois elas envolvem juízos morais por vezes muito diversos. Espero deste modo dar um pequeno contributo para que o debate seja mais limpo e organizado. Até porque há tipos de eutanásia que já se praticam de algum modo. O texto do Link deve ser lido pois ajuda bastante e não é muito extenso. No FES, aqui neste link, tenho disponível uma pequena bibliografia que é bastante rica a debater posições por vezes bastante diversas, mas todas elas com algum aprofundamento.
(clicar na imagem para aumentar)

segunda-feira, 14 de maio de 2018

Pequena bibliografia em português para estudar o problema moral da eutanásia



Peter Singer, Ética Prática
Peter Singer, Ética no Mundo Real
David Oderberg, Ética Aplicada, Uma abordagem não consequencialista
Pedro Galvão, Ética com razões
V/A, Eutanásia









sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

O teste Kantiano para avaliar as ações

Na avaliação moral das ações, para Stuart Mill o que interessa são as consequências da ação. Pelo contrário, para Kant o que interessa são os motivos do agente e não as consequências da ação. Analisar os motivos é ver por que razão o agente realiza uma determinada ação.

Para Kant as ações que têm valor moral são realizadas por dever. Agir por dever é agir somente motivado pela razão e não em função de inclinações ou desejos; ou seja, é ter autonomia da vontade. E chama-se a esta vontade que cumpre o dever pelo próprio dever de vontade boa – é este o bem último para Kant.

Ao agirmos exclusivamente pela razão, por dever e com vontade boa, estamos a obedecer ao imperativo categórico, isto é, uma ordem incondicional que nos dá uma obrigação moral. Então, o que faz uma ação ser correta é cumprir o imperativo categórico.


Existem várias formulações deste imperativo categórico. Aqui vamos atender apenas à fórmula da lei universal que nos diz: “Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal”.

A ideia é que devemos agir apenas de acordo com regras que podemos querer que todos os agentes adotem. Isto não consiste em ver se seria bom ou mau que todos agissem de acordo com uma determinada regra. Consiste, antes, em mostrar se é ou não possível todos agirem segundo essa regra. 

De uma forma mais prática, o teste para se determinar a moralidade de uma ação é o seguinte:

(1)   Que regra (máxima) estamos a seguir se realizarmos esta ação?
(2) Estamos dispostos a que essa regra (máxima) seja seguida por todos e em todas as situações?

Sim: essa regra (máxima) torna-se lei universal e, consequentemente, o ato é moralmente permissível.

Não
: essa regra (máxima) não pode ser seguida e, consequentemente, o ato é moralmente proibido.


Este teste do imperativo categórico pode tornar-se mais compreensível com alguns exemplos:
Exemplo 1
A Francisca é dona de um hotel que nunca engana os clientes, fazendo sempre um preço justo. Ela faz isso não por interesse (para não perder os clientes), mas simplesmente por dever de ser honesta. Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?
 Sim. Porque (1) a máxima é “venderás sempre a um preço justo, porque é um dever ser honesto”. E (2) é possível todos agirmos segundo essa máxima e querermos que todos obedeçam a essa máxima.
Exemplo 2
O Gustavo mente ao Joel sobre uma traição da sua namorada Daniela, pois não quer que o Joel sofra (tem assim compaixão por ele). Acontece que o Joel passa a andar traído sem o saber. Será que este exemplo passa no teste do imperativo categórico?

 Não. Porque (1) a máxima é “mentirás porque tens compaixão”. E (2) não poderíamos querer que a mentira fosse uma lei universal, pois isso derrotar-se-ia a si mesmo: as pessoas descobririam rapidamente que não podiam confiar no que os outros disseram, e por isso ninguém acreditaria nas mentiras.
É importante que os alunos não fiquem apenas pela teoria, mas que saibam também aplicar a teoria a casos concretos do quotidiano, de modo a determinarem se estão perante uma ação moral ou não de acordo com a ética deontológica de Kant. Para isso, podem-se utilizar situações parecidas com as dos exemplos 1 e 2.
Domingos Faria, in, http://manualescolar2.0.sebenta.pt/projectos/fil10/posts/1161

Definir eutanásia

Recentemente ao passar os canais de TV vi um debate organizado sobre o problema da eutanásia. Não tive oportunidade de assistir a todo o debate, mas pareceu-me que alguns dos intervenientes confundiam as definições de eutanásia. É por isso que o trabalho prévio de definir conceitos é tão relevante em qualquer discussão minimamente organizada. Neste pequeno apontamento vou registar as principais definições do conceito de eutanásia para servir de auxiliar à discussão. Com as distinções feitas, a discussão torna-se mais clara.
Etimologicamente o termo eutanásia deriva de duas palavras gregas (eu e thanatos) que significam morte boa ou suave. Em muitos casos o termo eutanásia também significa morte misericordiosa dado que a motivação é agir humanamente para com uma pessoa que está a sofrer.
A segunda distinção a ter em conta é entre o que é legal e o que é moral. Muitas vezes, como vi acontecer programa de TV, associamos o legal e o moral. E é verdade que muitas das leis são derivações da racionalidade moral. Mas o que é moral é muito diferente do que é legal. Para o perceber basta pensar que nem tudo o que é de lei é necessariamente moral, como o que é moral não tem de ser necessariamente legal. A escravatura foi durante muito tempo legal e daí não se segue necessariamente que seja moral. Do mesmo modo ajudar uma pessoa pobre pode ser considerado moral sem que existam leis que nos obriguem a ajudar os mais pobres. O que é de lei é estabelecido pelo Estado ou organização política. Já o carácter moral ou imoral de um ato depende das razões que são oferecidas e sujeitas à racionalidade crítica, isto é, à discussão ativa dos argumentos.
Ao mesmo tempo muitas leis acabam por influenciar o nosso comportamento moral. E talvez daí resulte uma ligação entre legalidade e moralidade. Com efeito, para começar a discussão com clareza, esta distinção deve ser tida em conta na elaboração dos argumentos.
Outra distinção importante é entre eutanásia ativa e eutanásia passiva. Se pela primeira entendemos matar deliberadamente, já pela segunda entendemos deixar morrer. Daqui resulta uma outra distinção entre eutanásia voluntária e involuntária. Vamos brevemente explicar cada uma das definições, recorrendo a um exemplo para cada uma delas.
Eutanásia ativa
Morte deliberada do paciente levada a cabo por um médico ou auxiliar e que implica, entre outros métodos, uma injeção letal seguida de um agente paralisante o que implica uma morte sem dor física.
Eutanásia passiva
Implica deixar morrer o paciente omitindo passos necessários para prolongamento da vida. Por exemplo, não ressuscitando um paciente de uma paragem cardíaca. Se um médico desligar as máquinas que mantém vivo um paciente, estará a realizar uma atividade, mas é geralmente considerado com eutanásia passiva.
O que é relevante para a discussão é saber exatamente se a morte é o resultado da intervenção do médico ou de alguém (eutanásia ativa) ou apenas de deixar a natureza seguir o seu curso sem ativar meios de manter vivo o paciente (eutanásia passiva)
Eutanásia voluntária
Implica o consentimento explícito por parte do paciente. Aqui entra a questão do testamento vital.
Eutanásia involuntária
Implica a decisão de alguém que não o paciente sobre a sua morte. Temos como exemplo os doentes em coma (no caso de não ter dado esse consentimento antes) e as crianças
Quer a eutanásia voluntária, quer a involuntária pode ser ativa ou passiva.
Os casos de eutanásia ativa (voluntária e involuntária) são os mais discutidos hoje em dia e são legalmente proibidos em Portugal.
Muitas pessoas pensam que a eutanásia ativa não é imoral em circunstâncias muito específicas, ao passo que outras a consideram imoral seja qual for a circunstância. E é aqui que começa a discussão.  

Deixo a sugestão de um filme que serve como partida para a discussão. Mar Adentro (2004)


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Kant e Mill

Um interessante vídeo para perceber de modo breve as principais diferenças entre a filosofia moral de Kant e Mill. Ativar as legendas para ler.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

A subjetividade não é ideal e a polaridade não é problema


Com alguma frequência apresenta-se a polaridade dos valores, assim como a hierarquia como matérias centrais no estudo dos valores no 10º ano. Ora, nem a polaridade nem a hierarquia traduzem qualquer problema para os filósofos que seja relevante. Afirmar que os valores tem polaridade, um polo positivo e um negativo não é mais do que uma trivialidade. E não se pede mais ao estudante do que saber uma série de antónimos: belo/feio; Justo/injusto; Certo/errado, etc. Didaticamente e para o ensino da filosofia em especial, a propalada polaridade dos valores não possui qualquer interesse. Além disso o que faz o aluno com esse conhecimento? Que competência filosófica relevante está a exercitar? O espírito crítico não é certamente. Ademais perder tempo com estas coisas é tornar o ensino da disciplina enfadonho e inútil. Claro parece que o professor pode fazer referência a este tipo de conteúdo, sem prejuízo algum. No entanto não o deve colocar no patamar dos conteúdos relevantes e centrais a saber. Se os manuais o fazem, pior ainda.
O mesmo se passa em relação à hierarquia de valores. Não mais se faz a não ser constatar trivialidades, como a de que diferentes sociedades possuem diferentes hierarquias.
Qual é, então, o problema central nesta unidade e didaticamente relevante para ser abordada nas aulas de filosofia?
Algumas vezes observei que se define objetividade e subjetividade de um modo errado e absurdo. Cheguei mesmo a ver subjetividade definida como “ideal” ao passo que objetividade é definida como “objeto”. Claro que os estudantes não percebem isto. E não percebem porque: 1º nada há a perceber; 2º é uma confusão das coisas e está errado.
Subjetividade e objetividade respeita às afirmações que fazemos e à sua relação com a verdade. Fazemos afirmações sobre factos e afirmações sobre valores, vulgo juízos de facto e juízos de valor. Especialmente no secundário haveria de corrigir alguns aspetos terminológicos. Isto porque se ensina na primeira unidade o que é uma proposição, mas quando se fala em valores fala-se em juízos. Nada me parece errado aqui. Mas seria preferível referir “proposições sobre factos” e “proposições sobre valores”, já que é disso que se trata e, desse modo, habituávamos os estudantes a uma uniformização lexical que me parece de todo vantajosa, pelo menos neste nível de ensino. Não digo que não se possa distinguir de alguma maneira juízos de proposições, mas tal não apresenta qualquer vantagem para a compreensão dos problemas e apresenta a desvantagem de uma vez se falar em proposições e outras em juízos quando o referente é exatamente o mesmo. Voltando ao assunto, o que interessa aqui distinguir é que ao passo que proposições sobre factos têm valor de verdade, isto é, são verdadeiras ou falsas dependendo do estado de coisas no mundo, o mesmo não sabemos em relação às proposições sobre valores. Pegando num exemplo, a proposição “O João mede 1m76cm” tem valor de verdade, isto é, é verdadeira se de facto o João mede 1m76cm e é falsa se o João mede, por exemplo, 1m82cm. De igual modo a proposição “Deus existe” tem valor de verdade, mesmo que não saibamos se existe ou não. Dito de outro modo que também aqui é interessante, o valor de verdade de uma proposição sobre factos depende do estado de coisas do mundo. E quanto ao valor de verdade de proposições sobre valores? Aqui é que a questão filosófica surge e não saber se os valores tem 2 polos ou uma hierarquia. Ora, há teorias filosóficas que defendem que o valor de verdade de proposições sobre valores não depende do estado de coisas no mundo, tal como as proposições sobre factos, mas das crenças, preferências e desejos dos sujeitos. Esta teoria chama-se subjetivista. Há até teorias que defendem que os valores não tem qualquer valor proposicional, isto é, não são mais do que a expressão dos estados emocionais dos sujeitos (Emotivismo). E ainda há uma outra forma de subjetivismo que defende que a verdade de proposições sobre valores depende do que cada sociedade aprova. A esta teoria chama-se relativismo, também chamada relativismo cultural (já que existem outras expressões de relativismo, como o epistémico, metafísico, etc) Por que razão temos aqui problema filosófico? Vamos supor que defendemos o subjetivismo. Nesse caso defendemos que a verdade de proposições sobre valores depende diretamente das crenças, desejos e preferências de cada um. Se o Luís acredita que X é correto, então X é correto (valores morais). Se o Luís acredita que X é belo, então X é belo (valores estéticos). Se o Luís acredita que X é justo, então X é justo (valores políticos). Há certamente muitas vantagens (argumentos) na defesa do subjetivismo que não cabe neste curto texto explorar. Mas há muitas objeções à teoria: torna a discussão sobre valores impraticável, leva-nos a aceitar como corretos valores que pensamos serem inaceitáveis, etc… É por essa razão que há uma tese que nega o subjetivismo. Sabendo um pouco de lógica e tendo ensinado os alunos na primeira unidade a negar proposições, de imediato  percebemos que a negação da tese “os valores são subjetivos” não é “os valores não são subjetivos”, mas antes, “alguns valores não são subjetivos”. Com efeito aqui nem é preciso ter noções de lógica. Basta pensar um pouco para perceber que há valores obviamente subjetivos e daí não se segue problema algum. A questão de relevo é tentar saber se haverá pelo menos alguns valores que não são subjetivos.

Referi apenas alguns breves aspetos do problema. Ensinar filosofia e passar ao lado destes aspetos é ao mesmo tempo abrir portas para que a disciplina perca qualquer interesse e utilidade na formação dos estudantes. 

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Emotivismo Moral

A J Ayer

Emotivismo
            Outra teoria meta-ética importante é conhecida como emotivismo ou não cognitivismo. Os emotivistas, como A. J. Ayer (1910-1988), no capítulo 6 de Linguagem, Verdade e Lógica, defendem que nenhuma afirmação ética tem literalmente sentido. Não exprimem quaisquer factos; o que exprimem é a emoção do locutor. Os juízos morais não têm nenhum significado literal: são apenas expressões de emoção, como resmungos, bocejos ou gargalhadas.
            Logo, quando alguém diz «a tortura está errada» ou «devemos dizer a verdade», está a fazer pouco mais do que mostrar o que sente em relação à tortura e à honestidade. O que dizem não é verdadeiro nem falso: é mais ou menos o mesmo do que gritar «Abaixo!» perante a tortura e «Viva!» perante a honestidade. Na verdade, tem-se chamado por vezes ao emotivismo a teoria do abaixo/viva. Tal como quando uma pessoa grita «Abaixo!» ou «Viva!» não está geralmente apenas a mostrar como se sente, mas também a tentar encorajar as outras pessoas a partilhar o seu sentimento, também com as afirmações morais o locutor está frequentemente a tentar persuadir alguém a pensar da mesma maneira acerca do tema em causa.


Críticas ao Emotivismo
            A discussão moral é impossível
            Uma das críticas ao emotivismo é que, se fosse verdadeiro, toda a discussão moral seria impossível. O mais parecido com uma discussão moral a que poderíamos chegar seria uma situação em que duas pessoas expressassem as suas emoções uma à outra: o equivalente à situação em que uma grita «Abaixo!» e a outra «Viva!» Mas, alega esta crítica, existem debates sérios de temas morais; logo, o emotivismo é falso.
            Contudo, um emotivista não veria esta crítica como uma ameaça à teoria. Usam-se muitos tipos diferentes de argumentos nos chamados debates morais. Por exemplo, ao discutir a questão ética prática de saber se o aborto voluntário é ou não moralmente aceitável, o que está em questão pode ser em parte uma questão factual. O que está a ser discutido pode ser a questão de saber com quantas semanas um feto seria capaz de sobreviver fora do útero. Esta seria uma questão científica e não ética. Ou então, algumas pessoas, aparentemente empenhadas num debate ético, podem estar preocupadas com a definição de termos éticos como «bem moral», «mal moral», «responsabilidade», etc.: o emotivista admitiria que tal debate poderia ter sentido. Só os verdadeiros juízos morais, como «é errado matar pessoas», são meramente expressões da emoção.
            Assim, um emotivista concordaria que existe de facto algum debate com sentido acerca de questões morais: a discussão só se torna uma expressão sem sentido da emoção quando os intervenientes proferem verdadeiros juízos morais.

            Consequências perigosas
            Uma segunda crítica ao emotivismo é que, mesmo que seja verdadeiro, terá provavelmente consequências perigosas. Se toda a gente acabasse por acreditar que uma frase como «o assassínio é mau» era equivalente a afirmar «assassínio -- puh!», então, defende esta crítica, a sociedade entraria em colapso.
            Uma perspectiva, como a kantiana, de que os juízos morais se aplicam a toda a gente -- de que são impessoais -- oferece boas razões para que as pessoas obedeçam a um código moral aceite de maneira geral. Mas se tudo o que estamos a fazer quando proferimos um juízo moral é exprimir as nossas emoções, então não parece ser muito importante quais os juízos morais que escolhemos: poderíamos igualmente dizer «torturar crianças é moralmente bom», se isso corresponder ao nosso sentimento; e ninguém pode empreender uma discussão moral significativa connosco acerca deste juízo: o melhor que alguém pode fazer é exprimir os seus próprios sentimentos morais no que respeita à questão.
            Contudo, isto não é verdadeiramente um argumento contra o emotivismo, uma vez que não põe a teoria em causa directamente: indica apenas os perigos para a sociedade que a aceitação generalizada do emotivismo acarretaria, o que é outra questão.


Nigel Warburton, Elementos Básicos de Filosofia, Trad. Desidério Murcho

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Ética com razões em debate

O livro "Ética com Razões", de Pedro Galvão, esteve em debate com a presença do Padre Gonçalo Portocarrero de Almada. Foram debatidos os principais problemas abordados no livro: aborto, eutanásia e direitos dos animais.


Aqui pode-se ver sobre o problema das touradas:


Pedro Galvão é professor de ética na Faculdade de Filosofia da Universidade de Lisboa e autor de vários livros, além de tradutor de muitos outros. 

quinta-feira, 9 de abril de 2015

A ética e a arte de ensinar na Gonçalves Zarco - Funchal

No próximo dia 29, pelas 17 horas estarei na Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco, Funchal, para uma atividade com professores abordando alguns tópicos que ajudem a refletir sobre ética e profissão docente. Deixo aqui o esboço do trabalho que tenho preparado, ainda sujeito a algumas revisões.





Parte I – teoria

1. O que é a ética?
2. As áreas da ética
3. Ética, argumentação e pensamento crítico
4. O que é que a ética pode ensinar aos professores?

Parte II – Aplicação prática

1. Viver com o erro
2. Pensar como um freak:
a. Steve jobs e «conecting dots»
b. José Mourinho e a confiança
c. O que é que Steve Jobs e o José Mourinho podem ensinar aos professores?
d. Crime e castigo: um exemplo prático.

Parte III – o eu e os outros

1. Pais e comunidade
2. Colegas
3. Alunos

4. Instituição, leis e regulamentos

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Aborto, eutanásia e direitos morais dos animais: ética com razões

O problema moral do aborto, da eutanásia e dos direitos dos animais são os três tópicos principais abordados neste novo livro de Pedro Galvão. É claramente um livro de autor e não uma mera exposição introdutória aos problemas uma vez que, nele, o autor defende as suas próprias posições filosóficas sobre cada um dos problemas. Mas ao mesmo tempo é uma bem-vinda introdução a estes problemas, já que está escrito de forma clara e acessível ao leitor comum não especialista nos assuntos. Para além disso custa pouco mais que 3€. Não há desculpas para não estarmos um pouco mais informados sobre estes problemas que afetam de forma direta as nossas escolhas éticas. De salientar que nenhuma defesa própria do autor exclui a apresentação das teses contrárias deixando desse modo a liberdade ao leitor de poder pensar pela sua própria cabeça. E quando assim é, estamos perante um belo livro de filosofia e ética aplicada. De destacar também que a leitura deste livro de menos de 100 páginas permite ao leitor acompanhar a discussão mais atual na literatura filosófica sobre os problemas nele abordados.
A edição é da FFMS, Fundação Francisco Manuel dos Santos. Pode ser adquirida na cadeia de supermercados Pingo Doce ou encomendada diretamente no site da fundação com portes pagos. Também se encontra nas livrarias habituais. 

sábado, 8 de novembro de 2014

Começar a estudar filosofia moral

De onde vem o «Bem»? Usamos as palavras «bem» e «bom» para descrever coisas de que gostamos, coisas que tornam a vida melhor e coisas gene­rosas que as pessoas fazem umas pelas outras. Descrevemos as pessoas como «boas» quando são honestas e simpáticas para com os outros, quando cumprem as promessas e se esforçam ao máximo. A bondade é muito importante porque ajuda mesmo a fazer do nosso mundo um lugar melhor.
Desde que as pessoas perguntaram a si próprias pela primeira vez «Qual é a melhor forma de nos comportarmos e de tratarmos os outros?» que se discute a natureza da bondade. Os antigos filósofos gregos começaram um debate sobre a bondade que dura até hoje. Ensinaram-nos a ver que a bondade não se refere ape­nas às coisas que fazemos, mas também à forma como pensamos. Isso quer dizer que as nossas atitudes são importantes, porque as ações vêm das atitudes; por isso, pensar sobre a melhor forma de viver e agir é algo que todos temos de fazer.
Portanto, temos de perguntar a nós próprios: «O que é para mim o bem? Por que motivo penso assim? Vou agora fazer uma coisa: está correta ou não?» Ao responder a estas pergun­tas, temos de ter a certeza de que a resposta convence tam­bém os outros; é demasiado fácil convencermo-nos só a nós próprios!
Pensar na bondade para podermos fazer coisas boas envolve falar com os outros, aprender o que pensam sociedades diferen­tes e por que motivo, e perguntar as razões das pessoas para con­siderar que uma coisa é boa ou má.
O que aprendemos com tudo isto é que o «bem» vem de pen­sarmos com responsabilidade e sensibilidade sobre o efeito que os nossos pensamentos e atos têm em nós, nos outros e no mundo que nos rodeia.


A.   C. Grayling, in: Gemma Elwin Harris, Grandes perguntas de gente miúda com respostas simples de gente graúda, Ed Presença, 2013

segunda-feira, 21 de abril de 2014

LOne Survivor e Michael Sandel


Lone Survivor é um filme de 2013 sobre um episódio verídico vivido por soldados americanos no Afeganistão. Um pequeno grupo de soldados comandados por Marcus Luttrell é incubido de atacar uma tribo de soldados da Al-Qaeda, de forma a neutralizar as suas ações terroristas. Para tal refugiam-se nas montanhas. Enquanto preparam a sua missão deparam-se com um pequeno grupo de pastores acompanhados das cabras. Surge um dilema aos soldados. Por um lado não deviam matá-los pois eles não fazem parte da missão. Por outro não os matar e soltá-los pode implicar que vão alertar o grupo de terroristas da sua presença e nesse caso todo o grupo de soldados serão mortos, bem como não será neutralizado a célula terrorista. A decisão cabe a Marcus Luttrell, chefe da missão.
Este dilema, sobre o qual foi realizado o filme, aparece também no livro de Michael Sandel, Justiça, fazemos o que devemos?, Ed Presença, 2011, um dos livros mais acessíveis e apetecíveis sobre filosofia política que pode ser lido em língua portuguesa, mesmo sem dominar qualquer conteúdo de filosofia política.

O filme é um filme de guerra e algo pesado para pessoas mais sensíveis.  




sábado, 15 de fevereiro de 2014

Kant e S Valentim

Ontem passou o dia de S.Valentim e muitos alunos e alunas estavam entusiasmados com a ideia de dar prendas aos seus namorados e namoradas. Inspirado no livro organizado por Alexander George, Que Diria Sócrates? (Gradiva) e dado que andamos a estudar e analisar a teoria de Kant sobre o que é ter uma vida boa, vou deixar aqui um problema:

“Vamos imaginar que um rapaz ama muito a sua namorada e não quer magoá-la. Vamos imaginar também que ele pode traí-la e tem 100% certeza que ela jamais saberá, logo nunca ficará magoada”.


Ainda assim será que é moralmente errado fazê-lo? Como é que Kant responderia a esta questão? E que razões apresenta Kant para a sua resposta?