Avaliação
Uma das componentes principais do trabalho de ensino consiste na avaliação. O que faço neste ponto não é em nada diferente do que se faz em todas as escolas. Primeiro, em reunião de grupo, são decididos os critérios de avaliação de acordo com as propostas do programa e do Regulamento Interno da escola. O que interessa aqui partilhar é a forma como aplico esses instrumentos no dia a dia das aulas. A avaliação é, no nível de ensino como o secundário, contínua. Isto significa que todo o trabalho do aluno tem de ser progressivamente avaliado. Normalmente esta avaliação decorre daquilo que em linguagem de ensino se chama, “participação”. Interessa talvez dizer umas palavras sobre o que é participar na aula. Será que o aluno que está calado a maior parte do tempo, mas atento, participa menos do que aquele que fala mais mas grande parte do que fala não é ligado com o que se discute na aula? Parece que definir o que é participar na aula pode não ser tarefa pacífica. O melhor método é ser muito claro logo na primeira aula. Como é que eu, na minha actividade lectiva, resolvo esse problema? Primeiro começo por explicar que um aluno que esteja mais calado o pode estar por ser mais tímido, mas que um aluno tímido vai perder na avaliação contínua em relação a outro mais interventivo e activo, pelo que terá de reunir a preocupação em tentar compensar com os outros elementos de avaliação. Não se pode quantificar da mesma forma o trabalho do aluno interventivo daquele que nunca intervém na aula. Com o número de turmas e níveis distintos de ensino que um professor hoje em dia tem, é quase impraticável fazer observações sistemáticas aula a aula. O que em geral acontece é o que eu também faço. Pontualmente elabora-se um registo da avaliação aula a aula do aluno e no final de cada período esse registo é convertível quantitativamente numa avaliação que pode oscilar entre 10% a 30% da nota final do aluno. Dessa forma um aluno tímido nunca pode dizer que não tem êxito porque é tímido, já que grande parte da percentagem da avaliação a pode fazer sendo tímido ou não.
Há aqui ainda um outro problema para resolver. Se já disse várias vezes que o centro da actividade filosófica é a discussão activa, por que razão os testes escritos tem um peso 3 vezes maior que o da participação na aula, que é precisamente onde os alunos discutem e tem a oportunidade de discutir? Isto acontece por uma razão muito simples: porque o ser humano ainda não inventou uma forma melhor do que o teste escrito para quantificar o que um aluno sabe ou não sabe. Para além do mais, o problema não é assim tão grande se pensarmos que podemos discutir um problema tanto na oralidade como na escrita. Ou algum dia discutimos presencialmente com Sócrates? É por esta razão também que é essencial o trabalho do professor em ensinar os alunos a discutirem os problemas partindo dos textos. Esta é uma tarefa atura e paciente e que leva grande parte do tempo das aulas ao longo do ano lectivo.
Os testes e exames escritos são o melhor mecanismo que existe para avaliar. Ainda que seja um sistema imperfeito é o que funciona melhor. Na maioria das vezes em que os testes funcionam mal é porque estão mal feitos. Claro que há que definir muito bem a estrutura dos testes. O melhor método é realizar um teste sempre que se termine uma unidade de ensino.
Os meus testes têm quase sempre 3 grupos. Um de resposta muito curta que pode ser de opção ou de resposta sim ou não, porquê? Evito perguntas como: “defina x”. Em opção prefiro questões como: “X é y” está certo ou errado? Porquê?” Também prefiro dar o espaço de resposta na própria folha do enunciado. Para professores menos experientes e que não querem arriscar a inventar perguntas para testes, deixo uma sugestão: vão folheando o manual e apliquem este tipo de questões a definições que vão encontrando. Imaginem que ao folhear o livro encontram uma definição que foi dada nas aulas tal como: “Um argumento é dedutivamente válido se a verdade das premissas tornar impossível a falsidade da conclusão”. Em vez de perguntar no teste: “defina validade dedutiva”, pergunte-se algo como: “Um argumento pode ter premissas verdadeiras e conclusão falsa e ser válido dedutivamente. Concordas? Justifica se não concordares.”. Existem múltiplas formas de se fazer a mesma pergunta. Depende da criatividade, tempo, talento e experiência de cada professor.
No segundo grupo do teste habitualmente incluo questões que exijam uma resposta de 2 a 5 linhas escritas. O último grupo preferencialmente é um teste de argumentação e objecção de argumentos, pelo que requer uma resposta mais longa, mas ainda assim de entre 10 a 20 linhas escritas.
Já vi testes de filosofia - e eu próprio os fiz assim - de 4 questões. Isto é um erro. Para começar os alunos do 10º ou 11º raramente estão preparados para escrever longas dissertações nos testes. Depois, como a cotação é mal distribuída em somente 4 perguntas, o espalhanço é mais fácil. E para acabar, um aluno que até pense com correcção mas que seja sintético jamais terá boas classificações nos testes. Dei-me conta que testes assim eram um erro quando comecei a questionar qual era a diferença significativa entre a nota do aluno X e a nota do aluno y, sendo que o X tinha 14, por exemplo, e o Y tinha 16. Percebi que era uma questão de gosto. Como apreciava mais a escrita de um do que outro distinguia-os desse modo. Ou seja, a páginas tantas, já não estava a avaliar filosofia mas português. Isso é um erro que é preciso corrigir. Nós somos professores de filosofia. Quando me apercebi desse erro passei a estar mais tempo a fazer os testes e menos a corrigi-los, ao passo que antes passava menos tempo a fazê-los e muito a corrigi-los. Um aluno de filosofia não precisa de escrever muito para raciocinar correctamente.
Também é verdade que encontrei muitos colegas que afirmam que a componente escrita é muito importante. E têm razão, pois os alunos até têm língua portuguesa como disciplina obrigatória em todo e qualquer curso. Mas não é verdade que ela tenha assim tanta importância para avaliar em filosofia, ou pelo menos, para ser claro, ela é tão importante em filosofia como em biologia ou física. Quantos foram os bons filósofos que nem por isso eram grandes escritores? Claro que se existir uma boa aliança entre escrita e filosofia, ainda melhor. Mas ela é tão válida para a filosofia como para os outros saberes. Carl Sagan complementa muito bem estas facetas. Escreveu maravilhosamente e tinha um conhecimento profundo e apuradíssimo em ciência.
Também encontro ainda muitos colegas que têm aversão às famosas perguntas de “cruzinha”. Não tenho nada a opor à elaboração nos testes de um grupo de respostas de “cruzinha”. Este tipo de perguntas testa muito bem os conhecimentos e atenção dos alunos. Claro que não faz sentido fazer um teste só com este tipo de perguntas, como não o faz fazer sem este tipo de perguntas. E também me parece ser consensual que o grupo de perguntas de cruzinha não deve valer mais que 1/3 da cotação total do teste.
Dependendo de outras circunstâncias e do regulamento interno de cada escola, faço no mínimo 2 testes por período, fazendo-os coincidir preferencialmente com o final de cada unidade. Nos anos em que o último período é mais curto, faço somente 1 teste no último período e o ensaio argumentativo. Seria importante mostrar como organizo o ensaio, mas o leitor pode procurar ESTE documento. Está lá tudo o que é preciso, à excepção de um ponto, que é como organizar a bibliografia para pesquisa. Mais tarde poderei escrever algo sobre métodos para organizar a pesquisa bibliográfica dos alunos para a redacção dos ensaios. Estes ensaios não devem ter mais que 2, 3 páginas e deve ser estabelecida um peso para o mesmo logo na primeira aula, quando se fala em avaliação.
Finalmente é muito útil explicar aos alunos como se avaliam atitudes e valores em filosofia. Saber ouvir o outro e objectar. Saber discutir sem cometer falácias ad hominem a todo o tempo, etc.
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