sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Qual o valor da vida humana?


Isto de pegar na literatura para pensar argumentos da filosofia não é tarefa que me agrade muito. É que se pegamos na literatura ou no cinema, em filosofia, também podemos pegar em tudo. É como pensar que podemos aprender melhor física a atirar pedras ao ar. Em todo o caso, as pessoas são livres para estabelecer as relações que quiserem. Simplesmente me parece mais acertada a escolha de estudar filosofia pelos livros de filosofia. Em todo o caso não resisto a mais uma passagem do Caim de Saramago, que me fez lembrar um livro - que ainda não comprei nem li - que foi divulgado em tempos bo blog da Crítica e que me despertou alguma curiosidade pela ousadia das teses defendidas.Ver AQUI o texto no blog da Crítica.
E, então, a citação do Saramago:


Mas bem triste há-de ser a gente sem outra finalidade na vida que a de fazer filhos sem saber porquê nem para quê. Para continuar a espécie, dizem aqueles que crêem num objectivo final, numa razão última, embora não tenham nenhuma ideia sobre quais sejam e que nunca se perguntaram em nome de quê terá a espécie de continuar como se fosse ela a única e derradeira esperança do universo.

O problema do mal na existência de deus


Como tu foste livre para deixar que eu matasse a Abel quando estava na tua mão evitá-lo, bastaria que por um momento abandonasses a soberba da infalibilidade que partilhas com todos os outros deuses, bastaria que por um momento fosses realmente misericordioso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pensar criticamente não é coisa prática?

O Artur está em casa a arranjar a instalação eléctrica. Há uma lâmpada que não se acende. O Artur pensa de imediato que o quadro da luz está desligado e mete as mãos nos fios. Apanha um choque eléctrico.
Para não apanhar um choque eléctrico bastava ao Artur raciocinar com eficácia.
O raciocínio do Artur foi:

Se a corrente eléctrica estiver desligada a lâmpada não se acende
a lâmpada não acende
Logo, a corrente eléctrica está desligada

O argumento do Artur não é válido já que comente a falácia da afirmação da consequente:

Se A então B
B
Logo, A

Se o Artur tivesse raciocinado correctamente poupava-se a um choque eléctrico que poderia ter consequências desagradáveis. Bastar-lhe-ia pensar: Se A então B, A, Logo B. Este raciocínio é o que os filósofos chamam de Modus Ponens. O Artur levou um choque porque cometeu um erro de raciocínio.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vale a pena definir filosofia?


Ouço frequentemente dizer que filosofia é pensar. Mesmo uma máexperiência de ensino da filosofia transmite esta definição de filosofia. Acontece que se trata de uma definição insuficiente. Se pensar é uma condição necessária para a filosofia, ela não é, com efeito, suficiente já que não é exclusiva da filosofia. Por exemplo, se estou a fazer palavras cruzadas estou a pensar e não estou a fazer filosofia. Se observar atentamente a maioria das pessoas, na maior parte do tempo em que estão acordadas, estão a pensar e não estão a fazer filosofia. Se a definição é insuficiente para uma pessoa com alguma formação, para jovens ela tem efeitos muito nefastos já que se trata de uma definição incompleta e induz o jovem em confusões elementares.
talvez uma das boas formas de transmitir uma boa definição de filosofia, principalmente a jovens, é dar a ideia de que para se fazer filosofia é necessária informação. A informação necessária é o estudo dos textos principais dos filósofos. Para além disso fazer filosofia implica uma intenção deliberada e um método próprio. A forma mais eficaz que temos para mostrar a definição da filosofia e o que se faz e como se faz filosofia a jovens, é por comparação. Assim, num minuto apenas, mostramos que fazer filosofia não é o mesmo que fazer ciência, já que a natureza dos problemas da filosofia não é empírica e não possui o recurso à experiência para prova de hipóteses teóricas. Pelo contrário, são problemas filosóficos aqueles que se pensam sem recurso à experiência. Por exemplo, se queremos saber da moralidade do aborto, de que nos vale pedir a 10 mulheres grávidas que abortem para saber se o aborto é ou não moral? Ainda que elas o fizessem, não chegaríamos a conclusão alguma, não adiantávamos nada ao conhecimento que temos da moralidade do aborto. A Filosofia faz-se na discussão activa dos problemas. Se não temos recurso à experiência, temos ferramentas lógicas que nos permitem avaliar argumentos e objectá-los, se for caso disso. Ainda que não seja perfeita, esta é uma forma eficaz de principiar um estudo em filosofia.
Mas é verdade que quando estudamos filosofia temos um resultado prático. Nas nossas sociedades somos detentores da maior parte das decisões sobre a nossa vida e somos impelidos a um esforço muito grande para pensar nas nossas decisões. A prática do exercício filosófico tem um resultado nessas decisões já que aprendemos o método para pensar com maior rigor e de forma consequente. Claro que podemos fazer isso mesmo sem estudar filosofia, mas parece pacífica a ideia de que sem estudos e informação tal tarefa é muito mais inacessível.
A definição de que a filosofia é pensar é assim insuficiente, gerando confusões iniciais desnecessárias. Quem se inicia ao estudo da filosofia espera um pouco mais da definição. O manual do 10º ano, A Arte de Pensar, apresenta uma comparação muito intuitiva que aqui resumo: se queremos saber se há vida em Marte não nos vale de muito ficar a pensar no assunto. A partir de uma sonda é possível apurar dados empíricos que nos dê a informação desejada. Os problemas filosóficos não possuem esta estratégia de recurso que se chama “experiência”. Mas os problemas filosóficos não são menos problemas porque não podemos fazer experiências e apurar resultados. Os problemas da filosofia são problemas que se tentam resolver sem recurso à experiência, mas com recurso á capacidade racional de discussão argumentativa. Se não podemos provar pela experiência, temos a saída de resolver pela discussão racional. É certo que fazemos isso para a maior parte dos problemas, mesmo os mais triviais. Se queremos saber, por exemplo, se determinada acção política é boa ou má, justa ou injusto, é uma enorme vantagem saber pensar criticamente, já que conseguimos avaliar melhor cada argumento em causa.
Talvez a melhor proposta para dar início a um curso de filosofia seja não perder muito tempo com a definição da filosofia e partir logo para a sua prática, isto é, a discussão activa dos problemas.

domingo, 22 de novembro de 2009

Ensino, o que falta fazer?

Não gosto mesmo nada de fazer referências apanhadas nos outros blogs de filosofia. Mas não me inibo de o fazer quando as palavras são pertinentes e urgentes. Este apanhei num link deixado pelo Desidério Murcho no blog da Crítica. As palavras são de Nuno Crato:


Um marciano que descesse à Terra concluiria que Portugal tem um sistema de ensino excelente, que consegue formar talentos matemáticos ainda na adolescência e preparar cientistas jovens. No entanto, se o mesmo marciano resolvesse olhar para as comparações internacionais, nomeadamente para os resultados dos inquéritos TIMSS e PISA, veria que em matemática e nas ciências o nosso sistema de ensino tem problemas muito graves, que se estendem ao ensino da língua e a outras áreas.
O contraste entre os resultados da investigação científica e os do ensino deve ser, em alguma medida, explicável pelas diferentes políticas seguidas nestas duas áreas. Em ciência, optou-se pelo investimento a longo prazo, deu-se prioridade ao saber e fomentou-se a ida dos jovens para países e universidades que lhes ensinaram seriamente a área científica que preferiam. Na educação, insistiu-se que os jovens deveriam "aprender a aprender" e "desenvolver competências". O saber ficou para segundo lugar.
Em ciência, em vez de baixar os níveis de exigência com pretexto na "escola inclusiva", ou nas dificuldades dos mais desfavorecidos, abriram-se oportunidades: quem tivesse talento e força de vontade poderia agarrá-las. Em vez de fazer provas onde o sucesso fosse garantido, privilegiaram-se métodos de avaliação aferidos pela bitola dos melhores do mundo.
Em ciência, privilegiou-se a internacionalização e não se pretendeu desculpar o nosso fraco posicionamento relativo por atrasos estruturais do país ou por condições socioeconómicas desfavorecidas. Apontou-se para cima e disse-se, desde o princípio, que o importante era alcançar resultados reconhecidos nas melhores revistas internacionais. A paróquia ficou para trás.
Em ciência, nenhum ministério pretendeu retirar liberdade aos cientistas para investigarem o que quisessem e pelos métodos que escolhessem. Mas fizeram-se avaliações impiedosas dos resultados, com avaliadores internacionais exigentes. Em educação, pelo contrário, desprezaram-se os programas e as metas, fizeram-se e fazem-se exames que nada avaliam e desculpam-se os insucessos. Ao mesmo tempo, pretende-se controlar ao pormenor os métodos pedagógicos seguidos pelos professores. Em ciência, avaliam-se os resultados e dá-se liberdade nos processos. Em educação, controlam-se os processos e não se avaliam os resultados. Assim, é difícil avançar.




Ler o resto do artigo do Expresso, AQUI.  

sábado, 21 de novembro de 2009

O argumento do sonho


Considere-se as afirmações:
a) estou vivo;
b) o racismo é imoral;

Qual das duas é mais verdadeira e que razões temos para pensar que uma é mais verdadeira que a outra?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Vampiros especistas



Hoje reparei na notícia sobre a histeria juvenil em torno do filme “Lua Nova”, o sucessor de “Crepúsculo”. Não li os livros, mas tive curiosidade no verão passado em ver o filme “Crepúsculo”. A história do filme pareceu-me pouco intensa, mas julgo ter percebido a sedução junto dos adolescentes, sempre sedentos de histórias de romances cheios de obstáculos, mas verdadeiros e genuínos. Para quem não conhece, a história é a de um rapaz vampiro, muito justo e bondoso, que mantém um romance com uma rapariga, simples mortal. A ideia é que seria algo contraditório um rapaz vampiro bondoso e que mata pessoas para beber o seu sangue, já que os vampiros alimentam-se de sangue. Fiquei mesmo sem palavras quando no filme o vampiro jovem, bonito e bondoso revela que é um vampiro vegetariano. Nesse momento para mim o filme acabou, já que eu gosto de vampiros assustadores, como o Bela Lugosi e não de vampiros betinhos. Mas o que me leva aqui a escrever umas linhas sobre o assunto é que os vegetais não têm sangue. É que o jovem vampiro considera-se (pelo menos no filme) vegetariano porque só bebe sangue de animais como ovelhas e coelhos, matando-os para se alimentar. A encrenca aqui é que este vampiro teen é especista já que desconsidera  moralmente os interesses dos animais, ainda por cima matando-os a sangue frio, provocando-lhes sofrimento. Mas é estranho que um filme destinado a um público maioritariamente jovem revele uma posição destas. Não sei no entanto se nos livros o vegetarianismo do vampiro consiste em matar indiscriminadamente animais para lhes sugar o sangue.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dia mundial da filosofia

Hoje comemora-se o dia mundial da filosofia. Como é dia de festa, não escrevo nada e deixo o link para um pequeno texto que merece a nossa leitura.
AQUI.

domingo, 15 de novembro de 2009

Filosofia e metodologia

Frequentemente alunos meus que tiveram aulas de filosofia com outros professores, confessam-me que, apesar da matéria ser a mesma, a metodologia de ensino é muito distinta. Por exemplo, algumas vezes, alunos do 10º ano que estão a repetir o ano dizem que não deram as noções de validade, verdade, argumento, premissas e conclusão, mas que deram “o que é a filosofia?” durante praticamente todo o 1º período. Nessas circunstâncias, pergunto a esses alunos se deram as características da filosofia (aquela coisa bizarra da historicidade, radicalidade, etc…), e se estiveram todo o 1º período a ler textos que procuram definir a filosofia. A resposta é sempre afirmativa. Seguidamente pergunto se tinham de escrever muito nos testes e respondem também afirmativamente.
Quando isto acontece não é preciso grande esforço para perceber que estamos perante duas formas de abordar a filosofia e o seu ensino. O próprio programa da disciplina promove esta liberdade de ensino, ainda que a promova mais vincadamente sob a versão descrita pelos alunos. Mas é pena que assim seja. E é pena por dois motivos principais:
1)      Porque o programa deveria sofrer os upgrades necessários à disciplina e dotá-la dos mais modernos métodos. Ensinar filosofia como sugere o programa é pensar que os seus métodos não apresentaram qualquer progresso, o que é falso. A ética, arte, política, metafísica, mente, são áreas que foram repensadas à luz dos mais recentes métodos e das descobertas de investigação feitas na lógica.
2)      Porque raramente se ensina segundo o método descrito sem incorrer em erros. Por exemplo, a história das características da filosofia não tem pés nem cabeça. Na verdade elas são tanto características da filosofia como da biologia ou da ciência em geral, pelo que é falso que historicidade, radicalidade, universalidade e autonomia caracterizem a filosofia em específico.
Finalmente, se temos opções de ensino mais rigorosas, pedagogicamente mais correctas, qual a razão de persistir em modelos que em nada têm dignificado a disciplina? Não existe qualquer razão para deixar cair a disciplina no desinteresse geral, nem é bom que tal aconteça. Devemos ser nós, profissionais da filosofia a mostrar o valor da nossa disciplina e a revelar as suas capacidades formativas, revelando também a sua pertinência como matéria de estudo para jovens adolescentes. Sem isso, tanto vale ter como não ter filosofia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Finalmente já o temos


Anarquia, Estado e Utopia, uma das obras centrais da filosofia política contemporânea, acaba de ser publicado em Portugal, pelas Edições 70. A tradução é de Vitor Guerreiro.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Instrumentalização ideológica

Fico por isso sempre desconfiado sempre que se instrumentaliza o ensino. Do meu ponto de vista, a razão de ser do ensino é o valor intrínseco do que é ensinado. É importante ensinar filosofia, música, biologia, história, arqueologia, engenharia, e tudo o mais, porque essas coisas são importantes e porque muitos alunos têm talento para essas coisas e não o descobrirão se não contactarem com essas coisas na escola. Que essas coisas têm, depois, por vezes, aplicações sociais importantes é óbvio; queremos ter médicos competentes, e políticos, e engenheiros. Mas estaremos a construir sociedades totalitaristas se só houver competência técnica, mas não houver autonomia intelectual. Se das escolas saírem autómatos que sabem repetir, mas não pensar. Que são incapazes de pôr em causa, por si mesmos, as ideias feitas da sua sociedade, partido, religião, classe social ou etnia. Que só sabem repetir fórmulas matemáticas ou da biologia, teses filosóficas ou históricas, ideias sociológicas ou económicas, sendo totalmente incapazes de as pôr em causa.

Desidério Murcho, in. http://criticanarede.com/html/autonomia.html

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Lógica em discussão

A Unidade I&D Lif - Linguagem, Interpretação e Filosofia (Universidade 
de Coimbra) vai promover um colóquio internacional subordinado ao tema:
O Lugar da Lógica e da Argumentação nos Programas de Filosofia do 
Ensino Secundário
Este decorrerá a 4 e 5 de Dezembro na Faculdade de Letras da 
Universidade de Coimbra:
Consulte o Programa:
http://www1.ci.uc.pt/lif/UserFiles/Image/prog_c.pdf
A Inscrição é gratuita e está disponível on-line:
http://www1.ci.uc.pt/lif/UserFiles/Image/ficha.pdf

Não aprecio de todo o programa, mas aprecio e muito a iniciativa. Creio até ser algo urgente a discussão do que se deve e como se deve ensinar na e com a lógica nos programas de filosofia do ensino secundário. E, já agora, deixo aqui a minha sugestão:

- Eliminar definitivamente a lógica aristotélica. Não faz qualquer sentido ensinar uma lógica que tem um âmbito de aplicação muito reduzido quando temos já disponível uma lógica com um âmbito de aplicação muito mais alargado e completa. A lógica aristotélica só tem interesse como história da lógica e não faz qualquer sentido ensiná-la no secundário.

- A lógica, enquanto ferramenta do pensamento crítico, deve ser ensinada no início do percurso e não a meio, pelo que me parece correcta a ideia de a introduzir logo no 10º ano e não no 11º ano.

- Os conteúdos principais a ensinar, seriam: distinção entre argumentos dedutivos e não dedutivos, validade, verdade, inspectores de circunstâncias, negação de proposições, argumentos sólidos e cogentes. Creio também ser necessário ensinar já nesta fase os testes de derivadas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Snobismo

snob Publiquei na Crítica um pequeno artigo onde exponho a minha crítica aos snobes e ao prejuízo que trazem para a filosofia.

domingo, 1 de novembro de 2009

António Sérgio

0d8fb326 Apesar de nada ter a ver com a filosofia e a minha formação em filosofia, não podia deixar em claro o meu pesar sobre o desaparecimento de António Sérgio, um dos homens que, mesmo sem o saber, mais influenciou a minha vida pessoal. António Sérgio foi singular na forma como divulgou as músicas alternativas e o rock mais marginal em Portugal. Ainda hoje guardo gravações que fazia em cassete, quando tinha apenas 15 anos, do mítico Som da Frente, um dos muitos programas que manteve activo na Rádio Comercial de então. Pelas mãos dele conheci discos tão cheios de arte como, só para citar de cor, American Music Club, california, Spaceman 3, Playing with fire, My Bloody Valentine, isn`t anything, entre centenas de outros. No tempo em que a internet e a difusão do conhecimento de massas era uma utopia, foi António Sérgio quem diariamente me trouxe novidades musicais. Cada música divulgada é um pedaço de prazer tão elevado que só tenho mesmo que guardar uma imensa admiração por este homem e pelo trabalho de divulgação que deixou.