segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Os poadcasts de Platão

Hoje vi este livro e achei interessante. Uma leitura sugestiva para os próximos tempos. Na edição porrtuguesa o livro leva o título de IPlatão, ao passo que o original é Poadcasts de Platão. Mas gostei da capa e da edição.

domingo, 23 de janeiro de 2011

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Aires Almeida, O valor cognitivo da Arte

Entre os livros novos, hoje mesmo chegou-me o livro O valor Cognitivo da Arte, de Aires Almeida (Ed. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, 135 p.), um estudo onde o autor, contrariamente às teses expressas por Platão e Kant, defende que a arte pode ter um valor cognitivo. Como já quem conhece, reconhece, Aires Almeida tem o talento suficientemente apurado para nos explicar problemas difíceis numa linguagem descomplexada, sem perder pitada de rigor. E isto é o que distingue os bons autores em filosofia.   

João Carlos Silva, A Natureza das Coisas do Ponto de Vista da Eternidade

Recebi há dias o novo livro do meu colega e amigo João Carlos Silva, professor de filosofia no ensino secundário público português e autor de dois livros de aforismos, entre os quais este último que vemos na foto. Trata-se de uma colectânea de aforismos sobre os mais variados problemas filosóficos. Diga-se que não se trata somente de um livro de aforismos já que alguns deles têm umas 3 a 4 páginas adquirindo os contornos típicos de pequenos ensaios filosóficos.

João Carlos Silva, A natureza das coisas do ponto de vista da eternidade, Chiado Editora, 2010, 367 p.  

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

O FES citado

Ao que soube há uma citação ao meu trabalho no blogue, neste livro, na p. 218. Já encomendei a obra e espero para ler. Obrigado aos autores pelo reconhecimento.

Empregabilidade em Filosofia

Recupero aqui um antigo texto meu:




O Vitor Guerreiro no blog da Crítica chamou a atenção para um interessante artigo que mostra o crescente mercado de emprego para licenciados em filosofia no mundo anglófilo. O que o artigo diz não é nada de novo. Resumidamente refere que a licenciatura em filosofia habilita os estudantes de capacidades analíticas e críticas que são muito aproveitáveis no mundo dos negócios. Ora bem, isto soa estranho no nosso país por duas razões especiais:
1) Porque existe o preconceito generalizado de que a filosofia não serve para ganhar dinheiro. Aliás, um dos clichés de muitos licenciados em filosofia é que foram para o curso por pura vocação e não para ter um emprego (cliché usado por muitos que fazem da filosofia o seu primeiro sustento). A vocação é sem dúvida importante e nem toda a gente tem vocação filosófica. Mas não há problema algum em fazer da filosofia uma fonte de rendimentos. Eu faço ao ensinar filosofia e estimo a minha profissão precisamente porque me pagam para estudar e ensinar o que mais gosto, filosofia.
2) A. Porque os cursos de filosofia em Portugal pura e simplesmente não desenvolvem qualquer capacidade crítica nos estudantes. O que desenvolvem é admiração cega pelos pavões. Por muito desagradável que possa ser, a realidade é esta. Na maior parte das disciplinas dos cursos de filosofia, o estudante limita-se a seguir a tese do mestre, sem qualquer possibilidade de a discutir.
B. as teses dos mestres dos cursos de licenciatura em filosofia em Portugal não são também, na maioria das vezes, sequer, teses que se discutam porque não obedecem a qualquer estrutura do discurso argumentativo.
Por estas razões que aqui toscamente abrevio, quando falamos de filosofia não estamos a falar do mesmo se nos referirmos a Portugal e aos Estados Unidos, por exemplo. Aliás, o artigo refere a importância do estudo da lógica formal. Ora o estudo da lógica nos cursos em Portugal aparece como uma disciplina isolada que não tem qualquer aplicabilidade nas restantes disciplinas. E não tem pois os outros mestres nem sequer sabem lógica, desprezando-a.
Finalmente uma observação: já por diversas vezes referi que não interessa se os mestres da filosofia em Portugal fazem ou não estudos singulares e bons. Sobre isso nada tenho a dizer. O que coloco em causa é que os estudantes não foram estudar filosofia para se tornarem admiradores dos mestres, logo, não tem que levar com as suas teses mais sofisticadas. Tem de ter a base e é essa base que os mestres deviam ensinar, dotando os estudantes das capacidades básicas para poderem eles também, um dia produzir as suas teses. Muitas vezes ouço profissionais da filosofia queixarem-se que o mundo de hoje não está preparado para compreender a filosofia. Não alinho neste discurso e ele é até falso, já que nunca como nos nossos dias existiram tantos cursos de filosofia e tantos filósofos, de resto, exactamente o mesmo que se passa com a ciência. Agora é possível que a imagem pública da filosofia em Portugal ande bastante por baixo. Mas isso não se deve a que as pessoas não liguem à filosofia. É que a filosofia que se pratica nos nossos cursos não desperta qualquer interesse para a maioria das pessoas e assim não é de estranhar que os cursos fechem e que a filosofia do 12º ano tenha tido uma morte sem ninguém se dar conta, nem mesmo os mestres da universidade, que desprezaram tanto o secundário, mas que sempre viveram na sombra dele. A seu tempo regressarei a estes temas.
A imagem é do performer Stelarc

Está originalmente publicado AQUI

Um novo blogue de filosofia e ensino


(Clicar na imagem para aceder)

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Para os moralizadores, um texto de A. C. Grayling

Um homem que moraliza é geralmente um hipócrita.
oscar wilde
 
 
     Um moralizador é uma pessoa que procura impor aos outros a sua opinião sobre a forma como eles deviam viver e conduzir-se. Todos têm direito a ter uma opinião acerca daquilo que se pode considerar um comportamento aceitável, e todos têm o direito de a apresentar tão eloquente e veementemente quanto consigam. Mas os moralizadores vão muito mais longe. Querem que os outros se submetam às suas opiniões e procuram alcançar isto através da coerção — empregando meios que vão da desaprovação social ao controlo legal, constituindo este último muitas vezes a sua opção preferida. Ao obrigar os outros a agir de acordo com as preferências deles, revelam pelos menos algumas das seguintes características: insensibilidade, intolerância, falta de amabilidade, insuficiência de imaginação, incapacidade de compreender os sentimentos alheios, ausência de compreensão, ignorância relativamente à existência de interesses e necessidades alternativos na experiência humana e arrogância na convicção de que a sua forma de ver as coisas é a única aceitável. Justificam as suas acções dizendo que tentam defender os outros de eventuais danos, reivindicando assim não apenas um monopólio sobre o juízo moral, mas também o direito a decidir em nome dos outros o que é bom para eles.
     Quando os moralizadores atacam a legislação liberal sobre a homossexualidade, o aborto, a prostituição, a censura, a blasfémia, a bastardia e outras matérias semelhantes, estão a manifestar hostilidade relativamente a estilos de vida que lhes desagradam pessoalmente, e a tentar impor, no seu lugar, as suas próprias escolhas, geralmente sob a forma de uma fantasia tradicionalista, os «valores da família». Afirmam representar a maioria da opinião pública — um animal nada fiável que poucos deles desejariam representar noutras questões —, mas essa afirmação mais não é que uma manobra desonesta. Os seus verdadeiros motivos prendem-se com o temor que sentem relativamente a atitudes e práticas mais descontraídas do que eles se podem permitir a si mesmos — o seu acanhamento, as suas ansiedades religiosas, o seu medo de que eles próprios possam ser, digamos, homossexuais ou libidinosos, e todo um conjunto de outros motivos pessoais, levam-nos a impedir o resto do mundo de pensar, ver ou fazer o que eles próprios temem pensar, ver ou fazer.
     Quando o sistema político é imune aos moralizadores, eles surgem meramente a uma luz cómica — como pedantes e labregos que se queixam e acusam, batendo os pés e agitando guarda-chuvas em sinal de ultraje a tudo o que é diferente de si ou se aproxima demasiado dos seus próprios desejos culposos. Quando o sistema político não lhes é imune, passam a constituir uma ameaça, provocando não apenas uma inflamação e irritação gerais na sociedade, como também um sofrimento directo às pessoas cujos modos de vida diferem dos deles.
 
     Todas as gerações crêem viver uma crise. As coisas pioraram, dizem as pessoas estalando a língua: o número de crimes aumentou, a qualidade de vida diminuiu, o mundo deu em pantanas. As pessoas de pendor religioso inclinam-se a pensar que a época que vivem é tão má que provavelmente assinala o fim do mundo.
     Tais pensamentos são enganadores, pois têm como premissa uma crença em que algures no espaço ou no tempo o mundo possuiu algo que entretanto perdeu — uma época aconchegada, de chitas e cházinho à tarde, em que não havia perigo exterior nem mal-estar interior. Mas quando começamos a vasculhar estes mitos, buscando soluções para as aflições presentes — e isso é o que os moralizadores fazem — vemo-nos, então, verdadeiramente aflitos.
     Consideremos os que enaltecem os chamados «valores vitorianos» e afirmam que se pudéssemos regressar a eles conseguiríamos resolver os problemas da nossa sociedade supostamente isenta de valores morais. Dizem-nos que temos de fazer o que os vitorianos fizeram, acarinhando a vida familiar, o asseio e a religiosidade, trabalhando arduamente e defendendo a ordem. Na sua perspectiva, a virtude vitoriana tem como exemplo Mrs. Nubbles, a lavadeira viúva de Dickens, que fornecia o sustento dos seus três filhos numa casa que era extremamente pobre mas tinha, nas palavras de Dickens, um «ambiente de conforto», graças a «asseio e ordem». É simbolizada pelos Cratchits, reunidos para o seu «banquete» natalício pungentemente frugal. É condensada nos filantropos vitorianos que construíram bibliotecas e escolas. Aprendamos as lições aqui ilustradas, dizem os admiradores dos valores vitorianos, e tudo ficará bem.
     O jogo deles é posto a descoberto pelos seus indicadores de «ausência de moral» na sociedade. Um indicador frequentemente escolhido é a taxa crescente daquilo que um deles (a historiadora Gertrude Himmelfarb) ainda designa como «nascimentos ilegítimos». Isto dá provas de uma visão do vício completamente vitoriana e que é, portanto, uma petição de princípio. A própria noção de «ilegitimidade» é tão anacrónica que até nos faz duvidar de que os neovitorianos percebam os problemas que a sociedade moderna enfrenta. Nem a Igreja Anglicana fala já nestes termos. Efectivamente, nada há de remotamente errado no nascimento de crianças fora do casamento, mas tudo há de errado em criar crianças no seio da pobreza. Não foram os casamentos que impediram milhões de crianças vitorianas de se verem tolhidas física e educacionalmente devido às iniquidades e desigualdades existentes na sua sociedade, em que a pobreza era opressiva, as ruas de Londres eram muito mais perigosas do que hoje em dia e as forças do mercado tornavam a prostituição infantil um dos maiores empregadores de trabalho infantil da capital.
     Aos que, de entre nós, detêm uma posição confortável na cadeia alimentar, agrada imenso a ideia de aqueles que se encontram numa posição inferior se comportarem bem, permanecerem calados, serem respeitadores e asseados, levarem vidas ordeiras, sóbrias, auto-suficientes e auto-sustentadas, mantendo os filhos na ordem e acorrentando-se à disciplina férrea das hipotecas imobiliárias, de forma a não poderem deixar de sair diariamente para o trabalho, seja qual for o salário recebido. Agrada-nos porque significa que pagamos menos impostos (porque há menos crimes e subsídios a pagar), permitindo-nos, assim, desfrutar mais amplamente da nossa posição privilegiada. Ou seja, impingimos a moral pessoal aos outros porque isso serve os nossos fins.
     Mas instar os indivíduos a agirem moralmente raramente funciona. A solução neovitoriana para o crime consiste em persuadir as pessoas a serem asseadas e religiosas: imagine-se a resposta desabrida que se obteria ao sugerir tal coisa a um ladrão. A única forma verdadeiramente prática de conseguir uma sociedade boa passa por uma moral partilhada, isto é, uma concepção — alcançada através do debate e da reflexão no nosso melhor espírito de bom senso tolerante — da forma como, enquanto sociedade, podemos dirigir as nossas vidas para a justiça e a decência. A pobreza, a ignorância, a doença, a desvantagem social e o crime não são apenas maus em si; desperdiçam os recursos da comunidade. Combatê-los requer imaginação e determinação, mas requer igualmente investimento em capital. A solução neovitoriana é desejar em vão que os pobres, os ignorantes e os criminosos leiam Samuel Smiles e se tornem melhores por si mesmos. Nesta altura — ao olharmos para as ruas das grandes cidades onde os mendigos estendem as mãos como nos bons velhos tempos vitorianos, dormem às portas das lojas e recorrem ao crime no seu desespero —, já devíamos saber que a exortação moral não constitui, por si, a solução.

A. C. Grayling, O significado das coisas, Gradiva, Trad. Mª Fátima  St. Aubyn

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Irreverência

No passado sábado estive no programa da RTP Madeira, "Irreverência", um programa para jovens. Infelizmente não fui falar de filosofia. Fica aqui o link do programa:

 http://tv1.rtp.pt/programas-rtp/index.php?p_id=23099&e_id=&c_id=4&dif=tv

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Sobre os Milagres


David Hume deixou argumentos interessantes em relação aos milagres. Pela recente atribuição de um milagre ao Papa João Paulo II, lembrei-me desta passagem, que aqui só reproduzo uma pequena parte, de Simon Blackburn.
Hume retira uma conclusão famosa:
 
      A consequência clara é (e é uma máxima geral que merece a nossa atenção) «Que nenhum testemunho é suficiente para estabelecer um milagre, a não ser que o testemunho seja tal que a sua falsidade seja mais milagrosa do que o facto que esse testemunho procura estabelecer; e mesmo nesse caso há uma destruição mútua de argumentos, e o superior só nos dá uma certeza adequada ao grau de força que fica depois de deduzido o grau de força do inferior.» Quando uma pessoa me diz que viu um morto voltar à vida pergunto-me imediatamente se a probabilidade de esta pessoa me estar a enganar ou de estar enganada será superior à probabilidade de ter realmente acontecido o que ela relata. Comparo a probabilidade dos milagres entre si; e de acordo com a superioridade que eu descobrir pronuncio a minha decisão, rejeitando sempre o maior milagre. Se a falsidade do seu testemunho for mais milagrosa do que o acontecimento que ele relata, então, e só então, pode ele pretender guiar a minha convicção ou opinião.
 
     O argumento pode ser analisado de várias maneiras. É útil concebê-lo da seguinte maneira:
     Suponha que alguém me fala de um acontecimento a, altamente surpreendente ou improvável. De facto, seja a um acontecimento tão improvável quanto se consiga imaginar. Assim, a minha justificação para a é que «esta pessoa diz que a aconteceu». Tenho agora uma escolha entre duas hipóteses no que respeita a esta questão:
    
1) Esta pessoa diz que a aconteceu. Mas a não aconteceu.
2) Esta pessoa diz que a aconteceu. E a aconteceu.
 
     Ora, cada uma das alíneas anteriores contém um elemento surpreendente. A hipótese 1 contém uma surpresa: a pessoa disse uma falsidade. A hipótese 2 contém a surpresa de a ocorrer. Assim, tenho de pesar qual das duas é mais surpreendente ou improvável, rejeitando então «o maior milagre».
     O problema, como Hume elegantemente faz notar, é que é muito comum os testemunhos serem falsos. Há casos óbvios de mentiras deliberadas. Há casos de ilusões. Há lapsos notórios de memória. Onde há transmissão de informação há erros: tradução e compreensão erradas, pessoas que tomam metáforas como se fossem verdades literais, e assim por diante. Logo, 1 não envolve o mesmo tipo de improbabilidade do que 2. A hipótese 2 implica um milagre: um acontecimento tão improvável quanto se possa imaginar. A hipótese 1 só implica o tipo de coisa que nós sabemos que acontece em qualquer caso: as pessoas enganam-se. Logo, a barreira «nenhum testemunho é suficiente para estabelecer um milagre, a não ser que o testemunho seja tal que a sua falsidade seja mais milagrosa do que o facto que esse testemunho procura estabelecer» é um obstáculo que qualquer testemunho tem uma enorme dificuldade em ultrapassar. E mesmo assim tudo o que ganhamos é uma espécie de confusão: ficamos sem saber em que devemos acreditar, de modo que a opção sábia é suspender o juízo.
            De facto, Hume defende depois que jamais os indícios usados para estabelecer um sistema religioso estiveram perto de ultrapassar a barreira. Hume chama a atenção para várias coisas: os relatos de milagres têm tendência para ter origem em tempos e lugares remotos e bárbaros; ou para terem origem em pessoas cujas paixões estão inflamadas; ou em pessoas que têm interesse em vender uma história

Simon Blackburn, Pense, Gradiva