sábado, 30 de janeiro de 2010

Uma ideia bizarra


Nos últimos 2 ou 3 anos a palavra crise entrou no nosso quotidiano numa força impensável pelo menos durante toda a década de 90. A crise é económica e arrasta com ela toda uma série de outras crises. Uma das medidas mais populares entre dos governos dos países em crise é a dos cortes nas despesas do Estado. Vamos pensar que vivemos num dilema prático: ou o Estado acaba de vez com o sistema público de saúde, ou o país corre o sério risco de ir à falência. Neste sentido o governo vende o sistema de saúde às seguradoras. Estas enriquecem e pagam tributos significativos ao Estado que assim se salva de uma eminente falência e até começa a dar sérios sinais positivos de crescimento económico. As pessoas passam a ter de contratar seguros de saúde privados. Claro que os mais ricos vão ter uma boa assistência à saúde, mas os mais pobres não podendo pagar grandes seguros vão ter uma saúde mais fragilizada. Pode-se pensar que algo semelhante já existe. Por exemplo, uma pessoa rica no sistema actual faz uma operação da especialidade no imediato, recorrendo a serviços privados ou até indo ao estrangeiro, ao passo que uma pessoa pobre pode ter de esperar anos até ser operada, correndo o risco de agravar seriamente a sua saúde. Mas no sistema actual os serviços mínimos estão assegurados a todos.
O problema é este: imaginando a situação descrita, a da falência do país, deve ainda assim o Estado vender o sistema público de saúde e com isso salvar o país? 

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Fundamentação da metafísica dos costumes

As Edições 70 reeditam sistematicamente o seu valioso fundo de catálogo. É pena que na esmagadora maioria dos casos as traduções não mereçam qualquer revisão. A recente reedição da Fundamentação da metafísica dos costumes, de Kant com tradução de Paulo Quintela, merece pelo menos uma nova introdução de Pedro Galvão. Só por isto vale a pena substituir a minha velha edição de capa cor de laranja por esta.

Quando um vegetariano come carne

Este post levanta uma questão interessante. Será que um vegetariano pode, ainda assim, comer carne? Algumas vezes encontramos pessoas que dizem ser vegetarianas, mas que de vez em quando comem carne. A questão levantada no post é engraçada: mas será que ser vegetariano é algo como ser solteiro ou algo como ser honesto? Na verdade se somos solteiros, somos necessariamente não casados, mas se somos honestos, ainda assim de vez em quando somos desonestos, mas consideramo-nos globalmente como honestos. Que pensa o leitor?

Questões indiscretas e nada filosóficas

Os enfermeiros estão de greve. Entre as principais reivindicações noticiadas pretendem um vencimento no inicio de carreira nos 1.500€, mais um complemento de cerca de 400€. Pela via das dúvidas, eu trabalho há 14 anos, licenciado e profissionalizado (que incluiu um estágio + um ano de pré preparação num total de 6 anos de formação) e o meu vencimento anda ainda bem abaixo dos 1500€. É um pouco injusto meter-me nas lutas alheias, mas ou eu ando equivocado ou uso o blog para fazer um qualquer esclarecimento que repõe uma dose pequena de justiça. E em caso de eu andar a ouvir mal as coisas, façam o favor de me corrigir. 

domingo, 24 de janeiro de 2010

FORMAÇÃO EM FILOSOFIA PRÁTICA E PENSAMENTO CRÍTICO

Local: Faculdade de Letras da Universidade do Porto

Créditos: 1,1 U.C. (a presente acção releva para efeito de progressão na carreira de Professores do Grupo 410); 2,5 ECTS - Sistema Europeu de Acumulação e Transferência de Créditos


Formação aos Sábados: 13 Fevereiro a 10 Abril 2010
Horário: Sábados das 10h às 13h

Formação à semana: 17 Fevereiro a 5 Março 2010
Horário: 4ª a 6ª feira das 18h30 às 21h30


Carga horária: 27 horas



Formador: Tomás Magalhães Carneiro - tiomas@yahoo.com


Número de Vagas: 20

Inscrições (até 5 de Fevereiro) - mcraveiro@letras.up.pt



 
 
Página de Tomás Magalhães Carneiro
http://filosofiacritica.wordpress.com/

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Temos ou não o dever moral de ajudar os pobres?

Enquanto reflectimos sobre o problema, fiz um depósito para contribuir a minimizar os terríveis efeitos de uma das maiores catástrofes naturais de que temos memória. Fiz na AMI, mas existem outras instituições a receber ajudas.





terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Colonatos conversa da treta

As disciplinas nucleares como filosofia continuam a sofrer duras invasões pelos colonatos criados pelas disciplinas da conversa da treta. Retirei esta informação daqui. E desculpem lá qualquer coisa. Parece que as escolas estão cheias de stores a idolatrar estes colonatos.
Pretende-se fazer ajustamentos no plano de estudos do ensino básico, de forma a reduzir o número de unidades curriculares simultâneas em cada ano de escolaridade” e a “promover uma maior flexibilidade de gestão”, bem como a “efectiva integração curricular de áreas transversais”, como a Educação para a Saúde e a Educação para a Cidadania.
Estas iniciativas serão desenvolvidas “de forma faseada até ao ano lectivo 2012-2013″, de modo a assegurar mecanismos de consulta, acompanhamento e monitorização.
O Governo compromete-se também diversificar a oferta educativa e formativa dirigida aos jovens do ensino secundário, “através da valorização das modalidades de dupla certificação, de uma oferta adequada aos seus interesses e expectativas e da conclusão da reforma do ensino artístico.

sábado, 9 de janeiro de 2010

A aldrabice da avaliação dos professores




Esta semana foi finalmente assinado um acordo entre sindicatos de professores e ME para o ECD e a avaliação dos professores.
Em primeiro lugar é corrente a ideia de que os professores precisam de ser avaliados, mas nunca percebi muito bem como é que esta é uma verdade estabelecida. De tantas vezes repetida, acho que se tornou uma verdade inviolável. Não percebi muito bem por uma razão especial: o antigo ECD prevê a intervenção da escola quando encontram professores menos bons a leccionar. Se não o fazem, qual o sentido de intervir no processo de avaliação? O problema é a falta de aplicação.
Depois porque sinceramente nem me vejo a avaliar colegas nem percebo por que raio tenho de me sujeitar a avaliações de colegas. Além disso vou ser avaliado em situações profissionais que nem sempre escolho, ao passo que outros colegas são avaliados em situações profissionais que escolhem. Por exemplo: este ano sou professor num curso CEF. A prática lectiva e o professor que sou no CEF nada tem que ver com o professor que sou quando lecciono filosofia no secundário. Leccionar CEF não foi uma circunstância profissional que eu tenha escolhido, ao passo que há colegas, pela graduação profissional, que têm prioridade nas suas escolhas para leccionação e leccionam o que mais gostam. Na minha posição profissional, todos os anos tenho turmas novas e cursos diferentes. Ou seja, há anos a fio que, para além de ter níveis de ensino muito diferentes, me vejo a braços com ter de preparar programas aos quais, no ano seguinte, já não dou continuidade. Será esta uma situação profissional, a exemplo, que possa ser avaliada nas mesmas circunstâncias de um professor que escolhe os níveis, tem anos seguidos de experiência de leccionação nos mesmos níveis, etc.? Ou terei de escrever todas estas coisas num relatório final? Sinceramente não me apetece desculpar a minha avaliação, mas, na prática, é isto que acontece com a avaliação que os sindicatos que representam os professores assinaram em acordo.
Mas vamos a outro exemplo: em dois momentos da avaliação, a progressão é travada por quotas. Mas como é que existe equidade na avaliação entre um docente de matemática e um outro de educação física, por exemplo? Não digo que uma seja mais fácil que outra (para ser sincero acho mesmo que as disciplinas tem à partida níveis de exigência na leccionação diferentes, para além de todos os problemas pontuais que ensinar a uma turma levanta), mas não é suposto existirem diferenças? Acontece que um professor de educação física considerado excelente não é o mesmo que um de filosofia considerado excelente. Há requisitos diferentes. Mas ambos concorrem para as mesmas cotas.
Há muito, muito mesmo, a dizer sobre este modelo de avaliação. Os sindicatos foram imprudentes a assinar o acordo. E nem me apetece aqui falar das promessas eleitorais do principal partido da oposição.
Mas a procurar uma frase síntese que em segundos explique a avaliação docente a quem de fora me pergunte o que penso do assunto, ela será: “avaliação? Qual avaliação?”. Não tenho qualquer dúvida que qualquer curandeiro disfarçado de professor de filosofia obterá melhor classificação que muitos professores de filosofia que ensinam com rigor e aplicação. E isto não é avaliação, nem distingue os mais aplicados, nem contribui para um melhor sistema de ensino. E a vida continua. Como sempre.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Divulgação

5º Workshop de Filosofia Prática:
A Arte de Questionar/Consulta Filosófica

        

¿

Prof. Dr. OSCAR BRENIFIER

Presidente do Institut de Pratiques Philosophiques, França (www.brenifier.com)
Consultor Filosófico e Formador de Filosofia Prática e Didáctica da Filosofia
Doutorado em Filosofia pela Sorbonne, Paris


15, 16 e 17 de Janeiro de 2010

§  Programa


v  6ª feira – Práticas filosóficas  (18:00~19:30)
v  Sábado e Domingo – Técnicas de questionamento filosófico; teoria e prática da consulta filosófica (09:30~19:30)

  • Destinatários
v  Aberto a todos os interessados na filosofia prática.
v  Número máximo de participantes: 20

§  Línguas de Trabalho Português e Espanhol (tradução consecutiva, quando necessário)

(Nota: Será emitido um certificado de participação assinado pelo professor Oscar Brenifier)


Local de Realização
Instalações da LanguageCraft
R. Alexandre Herculano, 39, r/c Esq. 1250-009 Lisboa
Tel.: 21 315 33 96/7

Metro: Marquês de Pombal ou Rato

sábado, 2 de janeiro de 2010

Direitos morais dos animais não humanos - novo livro de Alice Santos

Alice Santos, professora de filosofia acaba de lançar mais um livro do qual disponibilizo aqui a introdução e a respectiva capa e contracapa.






Introdução


“A questão não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas sim se podem sofrer”

Bentham



No Verão em que visitei, pela primeira vez, o canil novo da Associação Brigantina de Protecção dos Animais, saí de lá com a certeza de que este livro iria ser escrito. Espantou-me, por um lado, o facto de todos os cães abandonados, mais de uma centena, terem um nome atribuído carinhosamente pelos tratadores; por outro, o trabalho árduo, voluntário e diário de todas as pessoas envolvidas naquele projecto.
A diversidade dos residentes do canil vai desde os bebés fofos e brincalhões, para os quais existe ainda a esperança de encontrar um lar, até aos velhotes que na devida altura ninguém quis e que foram integrados na grande casa que é o canil. Fiquei com a convicção de que foi a compreensão profunda do significado do amor de cão que permitiu que a Associação resistisse, contra ventos e intempéries, até aos dias de hoje. Por isso desejei dar voz humana à comunicação não discursiva, mas falante, de alguns dos animais que passaram pelo coração destas pessoas.
A escrita deste livro fez-me despertar para a realidade concreta do abandono e maus tratos que o chamado “melhor amigo do homem” sofre no nosso país. Poderão invocar o facto de haver muita miséria humana e que, por isso, a dos cães é um mal menor. O que pretendo mostrar é que a forma como lidamos com os animais, com a biodiversidade, com os mares e os rios, e com o planeta em geral é o espelho da verdadeira miséria humana. Quem abandona um companheiro indefeso tem o caminho lavrado para a indiferença em relação à fome ou sofrimento do vizinho humano, à criança esquecida ou humilhada, ou mesmo em relação ao esgotamento dos recursos naturais. Tais atitudes estão relacionadas com questões de sensibilidade. As escolas prestariam um enorme serviço à humanidade se deixassem de se preocupar apenas com o cognitivo e desenvolvessem conscientemente uma educação para uma sensibilidade integral.
A Declaração Universal dos Direitos do Animal tem cerca de trinta anos e os princípios nela consignados são ainda uma espécie de campo de batalha de gente considerada esquisita, alternativa ou pura e simplesmente que não tem mais nada que fazer. Os princípios aí defendidos são suficientemente revolucionários para que uma aplicação rigorosa exigisse a alteração profunda de hábitos e concepções da Natureza. Por outro lado, enquanto princípios têm apenas uma função reguladora e não constitutiva. Para que esta última se dê é necessária a transformação dos princípios em lei. Louva-se, por isso, a lei recente relativamente à utilização dos animais nos circos que, no horizonte limitado de velhos costumes e hábitos, está a ser objecto de contestação. Do mesmo modo enquanto os crimes contra a Natureza em geral e os animais não passar pelo período pedagógico da coercitividade da lei continuaremos longe da ideia de que o desrespeito pelos animais está relacionado com o desrespeito pelos seres humanos entre si.
Apenas o encerramento num antropocentrismo serôdio impede a extensão do princípio da igualdade na consideração de interesses (princípio amplamente defendido por Peter Singer) às espécies animais não humanas:

“Como pode alguém gastar o seu tempo com a igualdade dos animais quando a verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos?
Esta atitude reflecte um preconceito popular contra a ideia de levar os interesses dos animais a sério – um preconceito tão infundado como aquele que levou os esclavagistas brancos a não considerar com a devida seriedade os interesses dos seus escravos africanos.
(...) A dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente da raça, sexo ou espécie do ser que os sofrem.”[1]
Para a aplicação do princípio da igualdade na consideração de interesses a qualquer animal humano e não humano torna-se necessário centrarmo-nos na capacidade que cada ser possui de sofrer e de gozar as coisas. O que nos poderá, então, fazer crer que um animal não humano não tenha interesse em não ser molestado e em usufruir de bem estar? Se um tal interesse dependesse apenas da capacidade de pensar, então deveríamos excluir do mesmo modo os bebés humanos e os deficientes mentais profundos.
Se desde a infância explicitamente fizesse parte da educação observar, compreender, respeitar e amar os animais, o princípio da igualdade na consideração de interesses seria vivido com naturalidade. Pelo contrário, encontramos frequentemente pessoas que tratam os animais com muito menos cuidado do que aquele que colocam em relação às coisas que possuem.
Todas as histórias deste livro tiveram como ponto de partida histórias reais de abandono ou de maus tratos. Seria desejável que elas nos fizessem pensar no modo como nos estamos a relacionar com o tesouro que é a vida.
O abraço final do Pulga é o símbolo dessa riqueza.

Alice Santos



[1] Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, 2ªed. pp 76 e 81