A revista Notícias Magazine, do Diário de Notícias, edição de hoje, traz uma entrevista a João Costa, investigador e professor universitário em linguística. Nunca ouvi falar neste nome, mas é o convidado para falar em educação. Refere o suposto especialista desconhecido:
“Queremos uma escola onde os alunos apenas aprendam conteúdos enciclopédicas ou onde se faz educação e se desenvolvam competências?”
É claro que queremos uma escola onde os alunos aprendam que se estiverem demasiado tempo sentados na sanita de uma casa de banho pública depois de defecarem sem puxar o autoclismo, quem usa a seguir a casa de banho vai sentir-se incomodado com o cheiro. É claro que queremos uma escola onde os alunos aprendam a respeitar os outros. Mas a pergunta que deixo de imediato ao suposto especialista é: E como é que ele desenvolveu as suas competências sem os conteúdos “enciclopédicos”? O discurso do suposto especialista é o que hoje em dia reina na moda que reflecte o desprezo pelos conteúdos, pelo conhecimento. Claro que ninguém assume isto directamente. Mas se não desprezam os conteúdos por que razão estes especialistas cometem logo a falácia do falso dilema? Ou temos uma escola que ensino conteúdos, ou temos uma escola que só ensina competências. Ora bolas, será que estes especialistas não percebem de uma vez por todas que o problema não são os conteúdos mas a forma como os mesmos são expostos e ensinados? Será que estes especialistas não percebem que o que há que reformar é precisamente os programas que estão esvaziados de conteúdos? E será que estes especialistas não percebem que esse esvaziamento de conteúdos é que tem sido responsável pela desmotivação da escola? O próprio mercado de trabalho nem sempre valoriza quem tem habilitações académicas pois não conseguem sequer distinguir entre quem tem o 12º ano e o 9º ano, já que parece que ao nível de conhecimentos a pessoa que tem o 12º ano parece numa grande parte dos casos estar ao mesmo nível da que tem o 9º.
O especialista João Costa muitas vezes ao longo da entrevista dá passos mais brandos, mas neste momento seria importante que um especialista desse mais importância e relevo nas suas declarações públicas ao papel decisivo que um ensino com valor e rigor tem no desenvolvimento de competências. Querer ensinar um aluno a ser carpinteiro sem saber matemática é realmente tão vazio como lhe atirar para cima a matemática sem lhe desenvolver capacidades críticas de raciocínio. Mas este discurso é só o resultado da educação romântica . A qualidade do ensino e o desenvolvimento de competências não se faz à margem dos conteúdos “enciclopédicos”. A ciência e o conhecimento em geral são património de todos e não faz qualquer sentido que a escola parta do princípio que há uma larga franja da sua população que não está habilitada para conhecer o seu património. Essa sim é uma escola que falha. Mas por cá chama-se a essa escola, a Escola das Oportunidades.
12 comentários:
Bom comentário. O Rolando está a ficar um verdadeiro craque na argumentação. É óbvio que se. memória não é possível fazer seja o que for. Quem fala em memória, fala de pressupostos linguísticos, culturais, que fornecerão a base de posteriores compreensões. Eu penso que é assim, tal como pensa quem esteja a tento às novidades da neurociência. O problema que subjaz a estes comentários é o facto de pensarem na educação de um modo transversal, sem discernirem que diferentes níveis de leccionação exigem diferentes percursos e metodologias. É tudo igual, desde a pré-primária ao ensino secundário. Enquanto estes tipos estiverem no alto das suas grandes competências científicas e «botarem» faladora como se fala de futebol, estamos desgraçados. Então, nos últimos anos a educação «futebolizou-se». Todos falam, poucos acertam, mas continuam a opinar. Aprendi muito pouca coisa com a Igreja Católica, mas uma coisa aprendi: o silêncio é a melhor forma de exercer poder. O confessionário é o lugar de poder por excelência. Não seria altura de nós, professores, remetermo-nos ao douto silêncio e deixá-los falarem sozinhos?
Não quero com isto dizer que o Rolando não continue a escrever. Espero que continue, pois escreve bem e eu gosto de ler.
Cumprimentos.
Onde se lê «é óbvio que se. a memória...» deve ler-se «é óbvio que sem a memória...»
Já agora veja como as novas tecnologias são importantes para o ensino. O Japão é um bom exemplo. Temos que apostar mais nisto:
http://www.youtube.com/watch?v=8V_SG43XFkQ&feature=player_embedded
Olá Daniel,
Podemos tratar-nos por “tu”? Eu preferia. Pois, tens razão, nisto da educação é quase como no futebol, toda a gente tem opiniões geniais, mas na prática temos problemas enormes para resolver e ninguém os consegue resolver. Falta-nos formação séria, investigação séria e trabalho rigoroso. Sem isso, obviamente as coisas ficam muito mais difíceis.
abraço
Vi o filme do link que enviaste. Fiquei a pensar: imagina lá que se pedia isto aos nossos estudantes? Imagina a berraria que se levantava no país! Mas é curioso que como pais fazemos isto aos nossos filhos, ensinamos a que limpem o que sujam e todos acreditamos que assim os responsabilizamos mais e melhor. E imagina os efeitos positivos que tal tem na educação das crianças. Mas depois, socialmente, rapidamente aprendem que podem cagar tudo que há sempre alguém que limpa. Bom video, bom exemplo.
Fiz formação com o Prof. João Costa e acho que o post desvirtua completamente o que ele diz na entrevista e o que tem sido o que ele tem ensinado. O que é dito é que os conteúdos têm de ser colocados ao serviço de competências. Isto não significa, como é evidente, que haja um desprezo dos conteúdos. Eles são essenciais para o desenvolvimento das competências. É isso que eu leio na entrevista, quando ele apela a um maior treino da língua e da gramática.
Na formação que fiz com ele, aprendi por exemplo a criar materiais para ensinar gramática que põem os alunos a saber gramática, mas que têm a grande vantagem de reinvestir esse conhecimento para melhorar o desempenho na escrita. Todos estes materiais tinham conteúdos nada fáceis.
Mas claro que é mais fácil alimentar polémicazinhas e fazer dicotomias onde elas não estão e falar de retretes.
Cara Ana,
Quando a preocupação de ensinar está centrada nos conteúdos, se estes forem ensinados de modo informal, mas rigoroso e claro não há qualquer razão para sequer alimentar a dicotomia conteúdos / competências. O que o seu professor diz na entrevista é mais do mesmo, consequência do discurso do ideal romântico aplicado à educação. É claro que o seu professor diz algo mais do que o que eu citei. Na verdade ele diz que os conteúdos são igualmente relevantes. Mas diga-me lá uma coisa: acaso conhece algum pedagogo que desvalorize por completo os conteúdos? Nenhum pedagogo assume a desvalorização dos conteúdos, ainda que uns sejam mais radicais que outros.
Mas é curioso o exemplo que dá da formação que fez com o professor. É que parece que o investimento foi só de conteúdos e não de competências, o que contradiz a defesa do seu professor. As competências são resultados, não pontos de partida. Claro que ao estudar gramática, os estudantes aprendem a escrever e a raciocinar sobre o que escrevem. E se assim é, qual é então a necessidade de focalizar o ensino nas competências? O erro do seu professor é fazer a habitual confusão entre conteúdos e formalismo no ensino. Por essa razão é que põe a tónica “enciclopedismo” quando se refere a um ensino centrado nos conteúdos. Nada mais errado. Um ensino centrado nos conteúdos não tem de ser enciclopédico. Mas para não o ser não ter de se centrar em competências. Ou acha que um ensino enciclopédico não visa também determinadas competências? Um ensino formal “despeja” conteúdos. Mas o que está a funcionar mal é que num ensino formal o que se esquece é precisamente os conteúdos que envolvem naturalmente competências, como, entre outras, o saber raciocinar, pensar pela própria cabeça.
Isto não se trata de alimentar polémicazinhas, como diz. Trata-se de ler e usar a cabeça para perceber o que se está a dizer e os lugares comuns que se pisa, erradamente. Mas reconheço que talvez devesse ter extendido mais o meu post e comentado mais afirmações dadas na entrevista. O tempo não dá para tudo.
Caro Rolando,
Obrigado pela sua resposta. Vai-me desculpar, mas os lugares comuns repisados estão, então, do seu lado. Assim que se houve falar em competências, vem o ideal romântico e tudo o mais. O que está aqui em causa é se o final do ensino é dotar os nossos alunos de competências ou fazê-los decorar umas listas imensas de conteúdos que uma semana depois dos testes já não sabem.
É apenas isso e eu em muitos anos de escola estou farta de ver sobretudo este último caso.
Obrigado pelo seu comentário.
Cara Ana
De acordo que o nosso ensino é ainda demasiado formal. E isso já o tenho dito em várias ocasiões. O lugar comum não pode estar do meu lado já que não defendo a habitual dicotomia conteúdos-competências. O que defendo é uma reformulação dos programas de ensino ao nível dos conteúdos. Ana, o que os programas mais têm, desde a matemática à filosofia, é esvaziamento de conteúdos e competências a mais. Se é professora deve conhecer bem a realidade de ensino em que se insiste a toda a hora em competências. Grande parte do tempo dos professores é a discutir competências, não conteúdos. Grande parte da formação de professores incide sobre competências e não sobre conteúdos. O que o seu professor defendeu é um lugar comum e a Ana vai ter ainda de provar do que estou aqui a defender é ou não um lugar comum. De resto, deixe-me dizer uma coisa que talvez não tenha ficado claro: um lugar comum não tem de ser um lugar errado por ser comum. Acontece que este é errado e não acrescenta nada de novo. Aliás, nem percebi por que razão se fez uma entrevista a este suposto especialista.
Suposto? Houvesse mais como ele e não estávamos como estamos nas nossas escolas...
Bem haja!
Cara Ana,
Compreendo que possa gostar muito do seu ex professor, mas aqui não é o lugar mais indicado para idolatrias. Não sei por que razão estranha que eu tivesse afirmado "suposto especialista". Repare, recordo muito bem que no meu tempo de faculdade era habitual os professores dizerem-se especialistas disto e daquilo, mas sem sequer terem algum dia publicado algo que possa, ao menos provar a sua especialidade. Desconheço por completo qualquer trabalho que qualifique o seu professor com especialista em ciências da educação e a avaliação que fiz foi a partir da leitura da entrevista que revela uma versão muito pobre e infeliz do que são competências e conteúdos. Procurei expôr isso com razões. Claro que a Ana é livre de discordar. Por essa razão é que tenho estas janelinhas para comentários no blog, para que as pessoas de forma livre e responsável se possam exprimir.
Agradeço os seus comentários.
Ah, é claro que é importante dizer que lhe dou o benefício da dúvida, já que só conheço a entrevista do seu professor. Mas se quiser é livre de explicar aqui por que razão ou razões estou errado. Se mandar um ou outro palpite, fico sem razões para crer no que diz:-)
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