quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ciber anonimato e palermice


No blog De Rerum Natura, ocasionalmente relança-se a discussão sobre o anonimato, isto é, os leitores que não assinam com a verdadeira identidade nas caixas de comentários. Este não é um problema inteiramente novo. Quando o telefone se massificou em casa das pessoas, choviam os telefonemas anónimos com toda a espécie de gozo e brincadeira. A maioria dos anónimos nas caixas de comentários dos blogs têm essa mesma atitude, ataques pessoais, gozo pelo trabalho dos outros e tentativa de bloquear o trabalho das pessoas. Alguns defensores do anonimato cibernético defendem que não vale de nada assinar já que na internet a identidade é residual. Isso não é bem assim. Depende do compromisso que se vai tendo dentro da rede. Por exemplo, a minha identidade do Google facilmente prova que tenho uma identidade uniforme e verdadeira. Pelo menos é fácil perceber que sou tratado na maioria das circunstâncias por Rolando Almeida. Se eu quiser privacidade posso ficar em casa. Por exemplo, a partir da minha identidade do Google qualquer pessoa conectada à rede fica a saber que tenho um blog de filosofia, que sou assistente editorial de uma revista de filosofia, que participo em mais outro blog, que sou professor do ensino secundário, que trabalho na ilha da Madeira. Com um pouco mais de esforço pode até saber há quantos anos trabalho, qual a minha graduação nas listas de professores, etc. E pode ir mais longe: pode saber se sou devedor ao fisco, se tenho antecedentes criminais, etc. Tudo isto porque exponho a minha identidade. Mas a minha opção não se encontra entre expor a identidade e o anonimato. Ela encontra-se entre expor ou não expor a identidade. E esta é a confusão elementar proposta pelos defensores do anonimato.

Quem não quer expor a sua identidade, ou quer preservá-la o mais possível, só tem de proceder de um modo muito simples: não aparece.

Claro que os defensores do anonimato apresentam as razões em sua defesa. Só não me parecem ser razões plausíveis ou fortes.

Mas o indício mais forte das intenções da generalidade do anonimato tem um apoio forte da experiência para as compreender. É que a esmagadora maioria dos anónimos que escrevem nas caixas dos comentários o fazem para poderem, sem receios, fazer ataques pessoais, insultos, etc.

Ainda há uma outra questão que creio ser de interesse considerar. Por suposto, creio que verdadeiro, a maioria dos frequentadores de blogs como o Rerum Natura são pessoas com alguma formação e interesse. Não estou a ver que a maioria dos trabalhadores das minas ou da construção civil visitem o blog, ainda que tal fosse desejável. E é notável verificar como as supostas elites de conhecimento se comportam nas caixas de comentários como as do Rerum Natura. Esse comportamento não seria de esperar de pessoas com mais interesses de conhecimento criado. Talvez isto signifique uma certa desorientação de muitas pessoas que estudam, que tiram habilitações, etc. Não me estou a referir ao insulto em si, já que esse nem sequer me inquieta por aí além. O mais admirável é o insulto gratuito, sem direcção, irracional. Insulta-se porque não se concorda com o que é afirmado. O insulto anónimo surge no lugar onde deviam estar os argumentos. E, por essa razão também, os defensores do anonimato deixam cair por terra a sua defesa.

E depois a mais velha questão que consiste em perceber por que razão as pessoas que defendem o anonimato na internet quando a usam para expor as suas ideias, não fazem na vida extra internet? Está ainda por explicar porque é que a realidade fora da internet é mais real que a realidade da internet. E por que razão na vida fora da net as pessoas se identificam com o nome verdadeiro e não o fazem na internet? É também possível, cá fora, alguém estar à janela ou escondido a insultar um grupo de pessoas (com o inconveniente de que se for apanhado habilita-se a levar duas rabanadas na testa). Talvez seja isto que os anónimos temem. O anonimato na internet faz sentido em algumas ocasiões. Noutras, como a participação em blogs de discussão, é pura palermice.

4 comentários:

Leonardo C. disse...

Por que a vida virtual não pode ser igual a real? Eu acho que exigir que as pessoas se identifiquem sempre e em todos os lugares na internet, as expõe a situações diferentes do que ocorre na vida real. Se um indivíduo possui conhecimento suficiente, pode encontrar dados sobre sua vida inteira, até mesmo quem sabe dados confidenciais. E um comentário que postamos em algum lugar não é como palavra dita na vida real, ele fica gravado e estático ali por anos, talvez décadas. É como exigir que as pessoas andem por aí com uma descrição completa de toda sua vida prontamente exposta para qualquer um que vier a notar sua existência na multidão, nem sequer sendo necessário interagir com ela e lhe fazer perguntas ou ser seu empregador(como geralmente na vida real). E ainda por cima a interação entre você e quem te nota não sofre de limitações espaço-temporais como na vida real.

Eu acho que falta abordar uma gama enorme de aspectos no seu texto pra que sua proposta seja convincente. Falta demonstrar que as vantagens de estabelecer uma identidade única e "inescondível" supera suas desvantagens. Falta ser um pouco menos idealista.
O estado da arte na computação ainda é bastante primitivo no que se refere a segurança. E há indícios de que um mundo virtual 100% seguro nunca existirá, da mesma forma que não existe um mundo real 100% seguro.
Por isso chego a achar cruel e segregador exigir que, para que possam se expressar, seja exigido dos indivíduos se expor dessa forma.
No mais, o anonimato da internet não me incomoda muito.. já incomodou, mas ao longo dos anos aprendi a conviver com ele e até apreciá-lo. Mesmo porque muitas lutas por direitos dentro e fora da internet não teriam acontecido se assim não o fosse.
Acho que os "trolls" da internet (o tipo de gente rasteira que você descreveu, caso você não saiba é o termo corrente pra nomeá-los) se tornaram uma adversidade muitos internautas aprenderam a ignorar/neutralizar.. eu sou um destes.

Rolando Almeida disse...

Caro Leonardo,
Provavelmente não fui muito claro, mas refiro-me à identidade revelada nas caixas de comentários de determinados blogs, como o caso do Rerum Natura. De resto penso que devemos ter tanto cuidado em revelar a nossa identidade em determinados locais na net como fora dela. Qual a diferença específica? Nas caixas de comentários, um comentador identificado pode limpar os comentários, pelo que não têm de estar disponíveis por tempo indeterminado. A partir do momento em que as pessoas sabem o que o Leonardo faz e quem é, claro que podem inventar o que quiserem com a sua identidade. Se observar bem, os problemas maiores com a identidade das pessoas surgem fora da internet, sendo que o melhor exemplo que temos é a exposição mediática dos tablóides dos famosos. O caso princesa Diana alertou para essa circunstância. Na internet tem obviamente de ter determinados cuidados. Olhe outro exemplo prático: a minha esposa tem um trabalho stressante e que exige determinado sigilo. Ao fim do dia é hábito ela desabafar comigo, mas obviamente não lhe passa pela cabeça nem ir para a net desabafar, nem para a mesa de café. Num e noutro lugar estaria a expor demasiado a sua situação e a incorrer em perigos. A diferença é que na internet chega a mais pessoas e é natural que corra alguns riscos a mais, dependendo de onde e como está a escrever. Eu já fui vitima de situações de abuso de exposição dentro e fora da internet. Por exemplo, uma vez um fulano resolveu expor os nossos mails privados deturpando deliberadamente o que eu lhe tinha dito. Isto é crime e eu podia ter processado o fulano em causa. Mas uma outra vez recebi ameaças que iriam publicar falsas declarações sobre a minha pessoa em lugar público. Isto pode acontecer, só não vejo porque é que na internet é mais perigoso. Claro que uma pessoa pode optar por ser mais reservada e isso é um direito que lhe assiste. Não aparece, não comenta, não revela a identidade. Mas querer participar acusando outros onde a identidade dos que se acusam é revelada é no mínimo moralmente duvidoso. A realidade é esta doa a quem doer: a maioria das pessoas que comentam em blogs como o RErum Natura ocultam a identidade para poderem insultar sem serem identificados. Não vejo em quê que a minha defesa é idealista.
Mas não posso estar mais de acordo com a sua conclusão, até porque isso é o que me diz a experiência em blogs: quando ignoramos as pessoas deixam de aparecer e devemos dar mais atenção aos que realmente querem discutir. E também é verdade que aparecem muitos anónimos que estão à altura das discussões e revelam que o seu interesse é esse.
Obrigado pelo seu comentário

Luís Palma de Jesus disse...

Interessante o post e os comentários.

Lembro-me de casos mais extremos: o blasfémias (http://blasfemias.net/) onde a tontice da caixa de comentários é assumida, irónica e, em inúmeras ocasiões, serve de refutação inteligente.

Aprendi com os bloggers do "blasfémias" e, antes, com o desidério murcho no "Crítica" ou o João Miranda no "Liberdade de Expressão" a aguentar e respeitar a contestação bruta e mal educada - cito estes casos porque fizeram história.

Quanto à questão central do post: destaco uma tese a meio caminho das vossas e que exponho usando o meu próprio exemplo: Prefiro, sempre, identificar-me na net (o mais possível parecido ao real) mas é uma opção que não entendo como um dever de todos os internautas; admito e respeito o anonimato de outros. É uma opção individual: porque assim mantenho, mantemos, a exigência mais elevada - pensar e escrever melhor, evitar ser leviano etc. é um compromisso comigo próprio, conosco. E nem sempre é assim; por vezes a pressa leva-me a um breve comentário anónimo - mas foi a falta de tempo e era um bom elogio... se repararem há muitos elogios nas caixas de comentários sob anonimato...

Ainda mais isto. Tenho um blog dedicado a alunos com comntários abertos: por vezes surgem contestações duras - aceito-as e respondo-lhes respeitoasamente, argumentando o mais completo possível. Apenas removo o insulto ou trash amalucado (sobretudo no youtube). Quem nos lê há-de entender o valor do trabalho feito, independendemente dos comentadores anónimos. Acredito ser esta a posição mais sensata a ter e que, caso prospere, tornará a net num sítio muito mais recomendável.

Parece-me, até, mais constrangedor entrar num site de elevada qualidade salteado com os escritos amargos do seu autor e que, simultaneamente, discorre longamente sobre um comentário infeliz, anonimo e meio escondido (por norma centram-se na incompreensão a que o mundo os sujeita e a malvadez dos anónimos e do facebook...). É que quem lê não quer perder tempo com mero ruído

Um abraço e parabéns pelo excelente blog

Luís palma de Jesus

Rolando Almeida disse...

Caro Luís,
Obrigado pelas palavras. O teu testemunho é sem dúvida um meio termo e compreendo que nestas coisas há que ter alguma serenidade. Nem sempre a tenho e respondo muitas das vezes à letra. O que eu já percebi há muito é que ao responder alimenta-se o lobo que não se deseja por companhia. A net acaba por ser viciante.
Um abraço e mais uma vez obrigado