Uma das coisas que menos gosto de fazer é divulgar aqui no blog textos, principalmente os da revista Crítica, já que assumo que o meu blog vive na sombra do trabalho imenso da Crítica. A diferença é que a Crítica é uma revista profissional de filosofia, ao passo que o meu blog não passa de apontamentos breves e pessoais, enriquecido com variadas referências bibliográficas e afins. Como participo no blog da Crítica e faço assistência editorial à Crítica já pensei mesmo em extinguir este blog. Mas por coincidência na altura em que pensei tal coisa notei que o blog estava de viva saúde em termos de afluência diária. Cerca de 300 visitas diárias é muita fruta para um blog de filosofia. Entretanto perdi a conta mas creio que neste momento o blog está com menos visitas, mas em Agosto a maioria dos leitores estão deitados na areia de uma das muitas praias da costa portuguesa. Serve isto para justificar, espero que bem, que algumas vezes não resisto a citar um ou outro texto publicado na Crítica. O último deles, A traição aos gregos, de Gonçalo Armijos Palácios é um toque directo e claro na ferida. Recordo que durante o meu curso de licenciatura imensos estudantes viviam oprimidos com a ideia de terem de – como eles afirmavam – pensar em alemão ou grego. Para tal organizavam-se seminários de leitura do texto filosófico em grego e alemão na faculdade. E não era raro os professores ostentarem as suas edições no original. Nada disto seria problema, até porque também me parece uma vantagem ler as obras no original, não fosse a ideia maluca de que pensar a sério teria de ser em grego ou alemão. Quem não dominasse alemão ou grego era coxo para a filosofia, mesmo que não soubesse o raio de um modus ponens. Ah, e o francês era obrigatório e lá iam os estudantes à Marquês de Tomar comprar as edições em francês que depois ostentavam debaixo do braço. Edições portuguesas eram para os pobres de espírito. Carl Sagan não sendo filósofo, não passava de um mero divulgador de ciência. Russell era um filósofo menor do circulo de Viena (observe-se o erro). Esta atitude universitária motivava 3 ou 4 alunos por turma a estudar grego e alemão e a ler as investigações lógicas de Husserll. Ou então motivava 2 ou 3 alunos a ler a passagem da crítica da razão pura para a prática e passarem a vida com 30 páginas de texto com análises que não lembra a ninguém. Para dar um ar de intelectual engraçado, alguns relacionavam a Mafaldinha com Descartes, elaborando teses em volta de um conceito que atribuíam a Descartes, mas que mais ninguém via esse conceito a não ser o iluminado. Nem o próprio Descartes topou tal coisa! A maioria dos estudantes eram atirados directamente para o desinteresse pelo curso e acumulavam toneladas de apontamentos das aulas que reproduziam as palermices dos professores e completavam o seu estudo com a história da filosofia de Nicola Abagnano, um autor italiano e uma das histórias da filosofia que mais facilmente e mais baratas se encontrava nas livrarias. Grande parte destes estudantes eram absolutas máquinas reprodutoras e passaram a interessar-se somente na conclusão do curso com a melhor média possível. Foi assim que muitos destes estudantes enganaram os mestres e acabaram as suas licenciaturas com médias mais elevadas. Ainda hoje não é raro encontrar nas escolas públicas espécimes dos que classifiquei atrás, os tais que liam – ou diziam ler – em alemão ou grego. Cheguei a observar a situação caricata de um professor que tinha um livro de filosofia em edição brasileira, mas encapou-o e colocou na capa, à mão, o título da obra em alemão. Ah, e o grosso dos estudantes, os tais que liam o Abagnano, jamais podiam levar esses livros para a faculdade debaixo do braço. Tal era sinal de repulsa pelos mais iluminados pela mão divina de Heidegger.
Mas a língua sempre me pareceu uma questão, apesar de importante, secundária (no sentido em que há outras técnicas que tem de ser aprendidas e que não se aprendem) para se poder pensar filosoficamente. Mas, afinal, não se pensou já com muito rigor, em grego, latim, francês, alemão ou inglês? E o que leva um filósofo como Descartes a escrever em latim? Será porque o que escreveu em latim é mais relevante do que o que escreveu em francês? Ou teriam sido outras razões que levaram Descartes a escrever em latim? Acaso as obras em latim de Descartes são mais importantes do que as escritas em francês? Afinal qual é a vantagem de nos nossos dias um estudante ler inglês? Mais acesso à bibliografia central. Nada mais. De resto o mesmo estudante se tiver que pensar filosoficamente tanto o faz bem em português, como em inglês ou alemão.
O texto publicado na Crítica toca nestes aspectos de forma muito clara. O autor defende que não existe qualquer boa razão para pensar a superioridade filosófica de uma língua em relação a outra, a não ser razões imaturas de reverência pelos que se consideram ser autoridade.
Vale a penaler o texto. Publicado AQUI.
Nota: a foto lá em cima é da minha autoria e o candeeiro encontra-se nos Prazeres, ilha da Madeira
Sem comentários:
Enviar um comentário