segunda-feira, 24 de agosto de 2009

O desejo de ser engenheiro

DSCF0369 Aproveitei o mês de férias em Agosto para renovar os meus cartões de identificação e tirar o cartão do cidadão. Quem me atendeu foi um jovem adolescente de 15 anos. Achei curioso o jovem estar ali a trabalhar e perguntei como é que estava ali a realizar tal trabalho. Respondeu-me que pediu a um familiar para poder estar ali a aprender durante as férias já que era melhor para ele do que estar em casa a ver TV. Devo registar que todo o trabalho dele estava a ser acompanhado por um adulto. Mas é verdade que o jovem fez o trabalho todo direitinho e fiquei contente com o atendimento (provavelmente por estar tão habituado a comunicar com jovens desta idade). Claro que não resisti a colocar as habituais questões sobre a sua vida escolar e as suas expectativas futuras. Quando lhe disse que era professor de filosofia, o jovem parou as tarefas e olhou para mim perguntando: “mas o que vou estudar em filosofia?”. Ora esta é uma questão que não me assusta e tenho um enorme prazer em responder. Quando dei a resposta mais curta, mas mais clara que me foi possível, o jovem ficou uns segundos com ar pensativo e respondeu: “acho que vou gostar, pois gosto das disciplinas que me fazem pensar”, ao que eu ripostei: “então deves gostar de ciência, por exemplo. Queres ser cientista?” Mas o jovem respondeu que não quer ser cientista. O que ele quer é ser engenheiro de informática. Mas quando questionei o jovem sobre a razão pela qual ele quer ser engenheiro de informática, notei que ele tem uma imagem distorcida do que pode fazer um engenheiro de informática. Tem uma ideia ainda muito elementar. Até aqui nada de grave já que ainda é muito jovem e não se espera que tenha já uma ideia consistente sobre o que é a engenharia. O que me parece mais grave é a ideia que o ensino lhe vai incutir até à conclusão do ciclo de ensino do secundário, do que é a informática. A grande maioria dos nossos alunos pensam que a informática é dominar o Word, o Windows e fazer um blog. Raramente nessa disciplina usam a inteligência e o raciocínio. Não aprendem, por exemplo, técnicas básicas de programação, não se confrontam com problemas. Ora, o engenheiro é aquele que cria engenhos e para tal é um pensador que aplica o seu raciocínio numa área específica. Mas os alunos que concluem o secundário não fazem pálida ideia que um engenheiro de informática possa ser tal coisa. O nosso ensino é assim. Há a tendência pela nossa parte, profissionais da filosofia, a pensar que é uma realidade que afecta a filosofia, mas tal não é verdade. O mau ensino não é exclusivo da nossa disciplina e atravessa-as a todas, com piores e menos piores efeitos.


Nota: a fotografia lá a cima é mais uma obra de arte minha :-)

4 comentários:

João Silva disse...

Saudações!

Parabéns pelo post.

Tem muita razão quando diz isto "Raramente nessa disciplina usam a inteligência e o raciocínio."

O mesmo se passa, por exemplo, em matemática. A actividade dos matemáticos é basicamente, acho eu, deduzir teoremas. Assim, fazia sentido que um estudante da disciplina de matemática aprendesse a deduzir teoremas a partir de outros já conhecidos. O que se passa nos nossos liceus é que isto nunca acontece. Nem sequer se apresentam definições claras, para que o jovem compreenda o teorema que usa.
O que se aprende é a usar determinadas técnicas e fórmulas, aprendidas acriticamente. Depois, para fingir que se complica, arranjam-se casos óbvios mas trabalhosos de aplicação dessas técnicas mecânicas, para distinção entre estudantes, com base na sua atenção e não na capacidade de pensar criticamente. É como se em filosofia se leccionasse as tabelas de verdade, e depois se perdesse duas ou três semanas a aplicá-las a proposições longuíssimas. Isto não faz sentido, porque quem usa tabelas de verdade para uma proposição curto também usa para uma proposição mais longa: é só uma questão de dar muito mais trabalho.

P.S.:parabéns pela nova casa. Uma recomendação: se puder, aumente o espaçamento entre linhas. O actual espaçamento dificulta a leitura.

Cumprimentos!

Rolando Almeida disse...

João Pedro,
A sua descrição é sintomática do que é um ensino demasiado formal, no qual o decoranço é privilegiado. Esta realidade tem mudado, mas no pior dos sentidos, i.e., o ensino é cada vez mais simplório e desinteressante. Creio que o Nuno Crato desmascarou historicamente esta situação nos livros que vai publicando.
Obrigado pela sugestão. Ainda tenho que melhorar alguns aspectos. O problema maior é que os blogs estão vocacionados para textos curtos e informativos e eu tenho alguma tendência em publicar textos mais longos.
Obrigado uma vez mais e abraço

Anónimo disse...

No meu ensino médio, pretendia ser contador, meu pai foi um homem de sucesso, não financeiramente, pois era servidor publico do MCT, mas em competência, logo depois meu irmão entrou no curso de publicidade, li um livro meio filosófico de publicidade (semi de auto ajuda para iniciantes), mas na hora de prestar o vestibular, adivinha? escolhi Direito, querendo ser Policial Federal, só que ai comecei a gostar de filosofia e me aprofundei um pouco, agora no 4 semestre de Direito, se pudesse, mudava toda a natureza do que realmente é a policia, e só sei que quero ser professor, por isso ainda continuo nessa vida académica.


Hugo Dias Perpetuo

Rolando Almeida disse...

Olá Hugo,
Boa experiência. Felicidades.