Para falar outra vez neste manual tenho de fazer algumas considerações preliminares que possam justificar a minha posição. Hesitei muito em escrever sobre o Arte de Pensar do 11º ano e isto porquê? Porque já tenho falado muito nele (mesmo que na última fase tenha divulgado mais outros manuais – como por exemplo os excertos que divulguei do manual da Plátano de Luís Rodrigues) e, claro, é preciso evitar os exageros emotivos. Ao princípio pensei que os leitores deste blog já conhecem o que penso em relação ao Arte de Pensar, pelo que até pouparia algum tempo que poderia dispensar para outros manuais. Cheguei até a pensar que seria uma boa opção falar do Arte de Pensar depois do período das adopções, mostrando dessa forma que não possuo qualquer interesse comercial com o manual.
Com efeito, chegou-me hoje o manual às mãos e, assim que o comecei a folhear e ler algumas passagens, imediatamente percebi que, ainda assim, teria algumas coisas a dizer sobre esta nova edição. Mas o problema permanece: não encontro erros substânciais no manual. Como então fazer uma crítica que não seja exageradamente elogiosa sendo que não encontro erros no manual? Muito honestamente, não sei como o fazer. Daqui a 10 anos este manual estará, com certeza, desadequado ao panorama, como muitos outros manuais estão hoje em dia, uma vez que são feitos da mesma forma que o eram há 10 anos, mudando somente as qualidades gráficas. Se daqui a 10 anos o Arte de Pensar continuar igual – se existir – nessa altura descansarei os meus leitores. Por agora, estou realmente num dilema. Será que devo calar um manual para o qual praticamente só tenho elogios? Porquê? A solução que adoptei é esta que a seguir apresento: vou indicar meia dúzia de vantagens de estudar e ensinar com o Arte como guia para os colegas ao mesmo tempo que faço um convite aos leitores que possam enviar, ou para os comentários, ou para o meu e-mail, os erros do Arte de Pensar que, entretanto eu não sei ver. Por outro lado um manual até pode ter meia dúzia de erros (o que se deve evitar), mas ter potencial didáctico. Nesse sentido peço também aos leitores que enviem as suas críticas de falta de potencial didáctico do Arte de Pensar. Se os leitores quiserem escrever um texto para publicar no blog, ainda melhor. Creio que esta prática e partilha é importante e, a par disso, ajuda-me a ver aquilo que sozinho não consigo ver. Uma vez revelada a minha opção que corresponde exactamente ao que sinto (aproveitando a informalidade de um blog) resta-me apontar a tal meia dúzia de coisas boas do manual com a intenção de ajudar os colegas na árdua tarefa de optar por um manual.
Ficha: Qualidade do manual: Muito boa Cumpre com a finalidade? – Cumpre. Eficácia: Muito Boa |
Vamos por pontos:
1º Na lógica proposicional o manual oferece como opção as derivações. Uma parte significativa dos professores gostam de ensinar as derivações consoante o grupo de alunos que apanham pela frente e este manual oferece essa opção normalmente inexistente na maioria dos manuais . Ora bem a lição da argumentação só é completa com as derivações, senão fica a meio. Fazer derivações é aprender a retirar consequências, a raciocinar com consequência, pelo que é uma boa opção dar a liberdade ao professor de poder leccioná-las. Mas o manual não se limita a atirar exercícios de derivações sem explicar rigorosamente o que são e para que servem, o que me parece uma opção feliz.
2º Na lógica silogística as regras do silogismo são simplificadas em 5 regras. Na verdade o professor se estiver atento não precisa das 7 ou 8 regras que os manuais normalmente referem uma vez que se repetem e só confundem. Simplificar o processo com 5 regras é o que qualquer professor acaba por fazer. Esta é uma boa opção, mesmo que não seja das mais relevantes para fazer de um manual um bom manual.
3º É a primeira vez que observo a inclusão da Lógica Estóica, ainda que em opção do professor, num pequeno capítulo num manual de 11º ano. Porque é que isto me parece uma boa razão que melhor qualifica este manual? Por uma razão bastante simples: é que a lógica silogística só se aplica a proposições que usem 4 formas lógicas, o que a torna uma lógica muito limitada. A lógica estóica amplia mais algumas formas lógicas. E isto é significativo porque ensinamos a lógica aos nossos alunos para que eles aprendam a argumentar, mas depois a lógica silogística não lhes serve para quase nada. Se desejamos uma dimensão mais prática do ensino da filosofia, o melhor é ensinar as ferramentas básicas para saberem pensar e da forma mais ampla. Pelo menos isto é muito mais útil e prático para os alunos do que lhes ensinar a história da carochinha a partir do filme Z ou Y.
4º Há uma melhoria substancial no capítulo das possibilidades do conhecimento em relação à edição anterior, que é a inclusão de David Hume de uma forma mais explorada. David Hume ainda é o autor mais consensual como exemplo para o empirismo. Não resisto a observar que já notei que alguns autores de manuais resolvem incluir autores diferentes para dar um ar de inovação. Ora bem, não há que inovar muito nos manuais. Eles precisam de obedecer a um modelo de como a filosofia se faz hoje em dia, ainda que existam muitos filosofares. O que se pode é um pouco de rigor e bom senso.
5º O capítulo 4, «temas e problemas da cultura científico tecnológico» é todo ele explorado com problemas e textos da filosofia. Que há de novo nisto em relação a muitos outros manuais, a maior parte? É muito comum nesta unidade encontrar os problemas tratados com textos da sociologia, com o filme Z e Y, com actividades práticas como pintar muros com mensagens de paz e fraternidade, etc… Ora bem, que pensaríamos nós se olhássemos para um manual de física e víssemos que em vez das teorias da física são contemplados conteúdos de sociologia, literatura, poesia, etc… usados para explicar teorias da física? Estranho não? É isto que acontece na maior parte dos manuais de filosofia, não em todos é verdade, e que no Arte não acontece. E eu acho isso um ponto a favor do Arte de Pensar, da filosofia e do seu ensino. Não faz qualquer sentido evitar a filosofia num manual de filosofia.
6º O manual é sustentado por bibliografia primária e não secundária. O que isto quer dizer? Que se ensina a filosofia directamente pelos filósofos e não pelos filtros que são a bibliografia secundária. Claro que não há problema maior no uso da bibliografia secundária, desde que ela seja adequada. Acontece que há aqui um ponto interessante: a bibliografia secundária – livros de divulgação – é escrita para fazer precisamente o que um manual deve fazer – divulgar a filosofia (ainda que o manual tenha também a preocupação de a ensinar). Usar bibliografia secundária é exactamente o mesmo que eu agora fizesse um manual de filosofia e apresentasse no meu manual textos do Arte de Pensar. Isto não faz muito sentido pois não? Pois é isso mesmo. Além disso a bibliografia primária é fresca e coloca em diálogo autores clássicos com contemporâneos. Pelo menos não dá aquela ideia que os adolescentes acham idiota (e é mesmo) que a filosofia morreu no século xvii.
E… para além da meia dúzia de pontos a favor do Arte…….. ponto…..
7º Didacticamente os pontos fortes é que o manual é muito motivador para o aluno se confrontar directamente com os problemas e se questionar usando a sua cabeça. Em relação a este ponto tenho ouvido muitas vezes que os nossos alunos não estão preparados para isso, que são muito fracos… Bem, isso não me parece verdade e já vou explicar porquê, mas antes disso convém explicar uma outra coisa: imaginemos que somos professores de física ou de biologia. Será que neste momento acharíamos que os alunos estão muito preparados para aprender física e biologia? Por certo que aqueles que acham que os alunos são todos muito fracos não concordariam que os alunos só são fracos a filosofia. Os resultados são contra exemplo disso. No entanto se abrirmos um manual de física ou biologia, o que lá vemos não é o filme da Carochinha nem poesia sobre a física, nem poemas ou pinturas sobre o corpo humano e a origem da vida. O que lá observamos são teorias da física e teorias da biologia. Com efeito, temos muitos manuais de filosofia que passam capítulos inteiros sem problemas da filosofia. Faz isto sentido? Em relação ao primeiro aspecto, que os alunos que temos são muito fracos, o que é que não concordo? O que defendo é que o nosso sistema de ensino estimula pouco os alunos para a aprendizagem e eles chegam ao ensino secundário com conhecimentos muito elementares e reduzidos para o que seria de esperar. Mas se entendermos que por essa razão a filosofia não lhes é ensinável, mais vale assinarmos uma petição para o Ministério nos mandar para o desemprego de vez e acabar de vez com a nossa disciplina, uma vez que os nossos alunos não são capazes de a compreender. Mas existe aqui um aspecto muito mais subtil: é que temos a tendência para pensar que ensinar com um modelo da treta torna as coisas muito mais apetecíveis para os alunos. Ora, o que é um modelo da treta? É exibir a formiguinha z, pintar um muro com a pomba da paz, fazer um teatrinho, mandar os alunos escrever poesia e ouvir Mozart em vez de ensinar filosofia da arte, manuais com muitas fotografias bonitas e de ícones da cultura popular, etc… mas é falso que isto seja mais motivante para os adolescentes. A experiência – questionável, é certo – diz-me que isto só cria laxismo, desinteresse e pontual indisciplina. A primeira coisa a ocupar nos alunos é a sua inteligência e não os seus olhos e ouvidos de filmes cor de rosa. Disso estão eles fartos e não precisam da escola para lhes mostrar essas coisas. A experiência mostra-me que os alunos, mesmo os mais fracos, se entusiasmam muito mais quando são confrontados com os problemas e são envolvidos na sua discussão. Isto é fácil fazer? Claro que não. Mas imaginem lá - professores de filosofia - que conseguíamos começar a produzir este efeito nos nossos alunos, com esforço, dedicação e apoiados – alunos e professores – por um bom manual? Como é que a sociedade em geral começava a olhar para a filosofia? O que é que estaríamos a produzir de bom? È para isso que nos pagam. Nem todos os países se podem dar ao luxo de pagar a gente para ensinar filosofia.
8º Materiais de apoio:
Manual do professor – para além de planificações aula a aula, muito útil para as nossas avaliações – é acompanhado por 41 fichas devidamente organizadas. O manual do professor inclui um útil itinerário sinóptico sobre cada ponto a ensinar. Tem ainda as soluções de todos os exercícios do manual. Isto é muito útil, por exemplo, para um professor que se aventure a ensinar lógica proposicional pela primeira vez. Além disso pode sempre tirar dúvidas no fórum do manual, tal como eu próprio faço. O caderno do aluno tem muitas fichas que ora podem ser usadas para TPC, ora para realizar trabalhos e pequenos ensaios filosóficos e poupar o trabalho da pesquisa bibliográfica, não que ela não seja desejável, o problema é que nas bibliotecas das nossas escolas pura e simplesmente não temos livros adequados. Hoje em dia se não guiarmos os alunos em livros que são os obrigatórios de pesquisar, o mais certo é termos centenas de trabalhos que não passam de copy past sacados no Google. Este caderno do aluno poupa-nos esse trabalho: está munido de muitos textos que confrontam posições e podemos pedir aos alunos que estudem os textos, confrontem as teses e defendam as suas posições. Dar liberdade aos nossos alunos é dar-lhes conhecimento, orientá-los. Mandá-los à sorte para o Google não é orientação que se preze. O aluno jovem não tem de andar a pesquisar no planeta inteiro. Sente-se tão perdido que a primeira coisa que pensa e faz para resolver o problema é o famoso copy past. Para além disso o caderno do aluno ensina em duas ou três páginas a fazer pequenos ensaios filosóficos. E é nos ensaios que um aluno aprende a defender posições, o mesmo é dizer, a pensar por si próprio. Em filosofia que liberdade podemos dar mais? Para além destes materiais o manual ainda vem munido de um cd rom, com pouco material é certo, pelo menos a versão demo que é que tenho em mãos e a oferta da assinatura da revista profissional de filosofia, Crítica. Tem ainda um site com dezenas de textos traduzidos e ensaios dos alunos, para além de outros materiais e um fórum de discussão.
9º Uma palavra final para a qualidade gráfica do manual. Não gosto muito desta parte. A qualidade dos manuais de filosofia costuma ser tão baixa que me habituei a usar fotocópias ilegais de outros livros e os meus alunos estão habituados ao preto e branco dos textos e ao colorido das discussões (também tenho aulas más, jamais me candidataria àqueles prémios idiotas do melhor professor que o Ministério promove). Normalmente comparo os nossos manuais com os dos países ricos e os nossos são autênticos almanaques de celebridades. Isso desgosta-me muito, que gosto de ser professor e ensinar filosofia. O Arte de Pensar está muito bem nesse aspecto. Creio até que esta edição está uns pontos acima da edição para o 10º ano. Não é preciso montar um circo para ensinar filosofia. Os esquemas estão muito bem.
PONTOS NEGATIVOS (haha) – não tenho meia dúzia de pontos negativos.
1º O manual é muito pesado. Embora não possua dados concretos para responder a isto, creio que essa opção vem no seguimento do inquérito da editora aos professores. A maior parte os professores são apologistas do volume único. Por acaso eu não, precisamente porque já ando tão carregado que um manual da dimensão do Arte é de arrepiar. O argumento dos professores é plausível que é: podem precisar das matérias que estão lá mais para trás e os alunos depois não tem o volume 1 nas mãos. Mas a verdade é que um manual pesado é dissuasor – até para mim – para carregá-lo.
2º O manual não devia ser tão bom para não provocar muita onda.
Aires Almeida, Célia Teixeira, Desidério Murcho, Paula Mateus, Pedro Galvão, A Arte de Pensar, Didáctica, 2008