quarta-feira, 15 de maio de 2013

Filosofia 10, Uma boa opção


Hoje dediquei algum tempo ao manual de Luís Rodrigues, Filosofia 10 (Plátano, 2013). A primeira impressão que tive quando recebi o livro é que estava perante um manual que me fazia lembrar “Onde está o Wally?”, já que me pareceu carregado de informação, o que conduziria a alguma dispersão. Após ter lido um pouco de alguns capítulos do manual esta ideia desapareceu. De facto, o manual tem páginas demasiado carregadas de texto. Já vi isto em alguns manuais americanos. Esta minha primeira impressão parece lateral, mas não o é assim tanto se pensarmos que estamos perante um livro para ser lido por jovens adolescentes, de apenas 15 anos e chegados a uma disciplina nova. Com efeito, o livro que tenho em mão é o do professor que tem barras laterais carregadas de informações para melhorar e apoiar a leccionação. Se retirar estas barras (como irá ser a edição do aluno) o manual fica bem mais leve.

A leitura que fiz deu-me, no entanto, uma outra ideia deste projecto. Gostei especialmente da forma correcta como se apresenta ao estudante a filosofia e as suas ferramentas. A linguagem é directa e a exposição consegue alcançar um bom nível de rigor. O que gostei especialmente é que praticamente todos os temas / problemas mereceram uma cuidada introdução com casos práticos onde os problemas são levantados. Este esforço é comum em muitos manuais, mas poucos conseguem fazer com que os textos remetam para as teorias a discutir. Muitas vezes fica-se com uma ideia muito vaga nestas introduções. Este projecto consegue com que tal desvio quase nunca aconteça. Faço aqui um convite ao professor que leia uma destas introduções e observe por si mesmo a consistência directa com a exposição teórica que logo se lhes segue.

Vejo a exposição das objecções às teorias principais como uma parte importante do trabalho filosófico. As objecções são importantes pois são o modelo que o aluno segue para compreender ao longo de todo o 10º ano como se faz filosofia, como se constrói a filosofia e principalmente, percebe a relevância da discussão em filosofia. Ora, este projecto nem sempre dá o devido destaque às objecções. É certo que o programa da disciplina e as indicações para o exame limitam um pouco os autores. E também é certo que o professor pode usar uma teoria como objecção a outra teoria rival (como acontece com Kant e Mill). Mas, mesmo que o programa aponte para a “comparação” de teorias, o trabalho verdadeiramente filosófico não é de comparação (ainda que necessário), mas de discussão. A discussão envolve, pois, a refutação. Neste aspecto gostei da proposta do manual de Paulo Ruas, Diálogos (Texto, 2013), já que aplica em permanência o método proposto nas páginas iniciais. Não é um trabalho fácil de fazer, mas a verdade é que um número precioso de manuais ensinam os alunos, entre outras operações, a negar proposições, mas depois não se lhes pede uma única negação ao longo de todo o livro. Não posso garantir que tal não aconteça no manual de Luís Rodrigues, mas não é, pelo menos, comum que tal aconteça. Aliás, pouquíssimos manuais o fazem, pois os autores em regra estão concentrados na exposição das teorias e não tanto na aplicação do método. Com efeito, estou convencido que a aplicação do método traz imensas vantagens didácticas.

Uma das tarefas que peço aos meus alunos ao longo do ano lectivo é a formalização dos argumentos dos filósofos. Além disso vou mais longe: peço a formalização das suas próprias posições e teorias. É isto que vulgarmente se chama em filosofia como “fundamentar a sua posição”. Fundamenta-se expondo com clareza as razões (premissas) do que o aluno defende (da sua conclusão). Peço igualmente inúmeras vezes para algum aluno na sala refutar a tese do colega. Para refutar a tese é necessário saber negar proposições, por exemplo. Ou aplicar contra exemplos. Ou simplesmente mostrar de outras maneiras que a premissa X é menos plausível que a conclusão que se está a defender. No ensaio argumentativo de final de ano (faço 2 ao longo do ano mais elaborados) peço também algum exercício de formalização. Este aspecto é, quase na totalidade dos manuais, ignorado. É minha opinião que se perde uma vantagem didáctica.

Em conclusão, o manual de Luís Rodrigues é, na minha opinião, dos melhores manuais que apreciei (faltando-me apenas um que acidentalmente ainda não consegui ter em mãos).

O manual é ainda acompanhado de uma autêntica enciclopédia de materiais para o professor que, na esmagadora maioria dos casos, é muito útil, incluindo testes, provas globais, fichas, etc.. para além do autor disponibilizar centenas (sem exagero) de materiais on-line como powerpoints, textos, etc…

Luís Rodrigues, Filosofia 10, Plátano, 2013

Observação: o que tenho publicado sobre os manuais resulta de uma apreciação que merece sempre ainda uma leitura mais cuidada. São apontamentos simples que, espero, possam auxiliar os colegas nas suas apreciações. Não são de modo algum apontamentos conclusivos que merece uma análise mais detalhada. Dado o tempo disponível é o possível para livros que têm entre 200 a 350 pp, para além de todos os extras.

4 comentários:

Anónimo disse...

O manual do Luís Rodrígues é 100 vezes melhor que o 50 lições e podia ser 200 vezes se não tivesse aderido a alguns vícios impostos por manuais como o Arte.
A linguagem é de maior qualidade, sem ser hermética.Reduziu a quantidade de informação em relação ao anterior, que era extremamente repetitivo, embora o texto ainda apareça algo maçudo. Do ponto de vista gráfico também podia ser melhor.
Não estou a tentar diminuir psicologicamente o autor do blogue, e o interesse ou falta de interesse dos comentários devem ser os leitores a decidir

Rolando Almeida disse...

Caro Frederico, sim, concordo, não me está a diminuir. No entanto eu sou o autor do blogue pelo que sou eu ainda a decidir o que publicar e não publicar. No entanto o seu comentário reflecte uma opinião. Já agora uam sugestão: porque não aponta exemplos onde mostre que o manual X é mais claro que o Y. Senão dá a ideia de algum rancor despropositado em relação ao 50 Lições.

F. Pinheiro disse...

Bom dia!

Em relação ao manual em questão, na parte da ética Kantiana, o conceito de Imperativo hipotético parece-me ser ilustrado com exemplos não muito esclarecedores. Não sei se não sou eu que estou a ver mal o problema? Mas, julgo que poder-se-iam arranjar exemplos mais felizes. O meu manual preferido é o "Razões de Ser". Na parte da ética consegue aliar profundidade com clareza. A distinção entre deveres perfeitos e imperfeitos dá-nos uma visão de Kant mais humana e não excessivamente rigorista. Em Mill, a referência aos deveres secundários mostra que o princípio da felicidade não é um princípio absoluto. Assim, os autores deste manual dão uma imagem mais rigorosa do pensamento destes autores.
F. Pinheiro

Rolando Almeida disse...

Caro F Pinheiro,
Muito obrigado pela sua chamada de atenção. Não vi o capítulo sobre Kant, mas é verdade que até deveria ter começado por aí, já que Kant e Mill são centrais no 10º ano. Mas ainda bem que chamou a atenção pois vou ainda dar uma vista de olhos nesses capítulos. Na minha escola ainda não concluímos a adopção. Uma vez mais, o meu muito obrigado.