quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Bom ano 2010


Para terminar o ano, deixo uma sugestão de mais um livro da nova vaga de fundamentalismo ateu. A ideia é divertida e o livro promete. E a todos, um bom ano 2010.











quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Ensino da Filosofia - as urgências

Na Crítica está publicado um texto de Aires Almeida que aborda problemas importantes no ensino da filosofia e do interesse geral de todos os professores de filosofia interessados na sua disciplina. Pode ser lido AQUI.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Melhores de 2009 e entrevista

Acabei de publicar no blog da Crítica as melhores publicações de filosofia em Portugal durante 2009. Pode ser visto AQUI. Publiquei também uma pequena entrevista que dei sobre o ensino da filosofia: AQUI.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Comentários anónimos e ensino da filosofia

Por diversas vezes sou obrigado a escrever duas ou três linhas sobre este espaço, o FES. Surgem nessas vezes comentários – sempre anónimos – reactivos em relação a coisas que escrevo. O último deles refere-se ao post “Atirar matéria como quem atira sacos de cimento”. Um leitor, entusiasmado pelo anonimato nas caixas de comentário, não hesitou em acusar-me que cuspo no próprio prato em que como. Vamos lá esclarecer dois ou três pontos, daqueles que procura não a paz do consenso, mas a reposição clara de alguns aspectos interessantes:
1 – Qualquer pessoa é livre de escrever o que quiser no blog que quiser, assinando ou não. Tal como os autores dos blogues são livres de apagar comentários, inventar outros, insultar os comentadores de forma anónima para proteger a autoria do blog, etc. No meu blog há uma situação de justiça que merece ser reposta e estou cansado de abordar este assunto, o que me faz querer que muitos dos comentadores não acompanham o blog e atiram uns tiros sem ainda conhecer o alvo. Quando eu faço posts ou comentários, revelo a minha identidade. Um anónimo quando comenta está a usar o espaço de interacção e comunicação (estar com) do blog. É suposto que qualquer comentador provoque uma contra resposta. Acontece que quem se me dirige sabe a identidade de quem está a conversar. Basta uma pesquisa no Google e passa logo a saber quem sou, onde trabalho, quantos anos tenho, etc. Mas eu não conheço nada do comentador. É esta situação justa? Não me parece. Posso estar a falar com alguém que se faz passar por meu amigo e está simplesmente a enganar-me. De modo que a regra que se impõe é não responder a comentários anónimos, principalmente quando esses não passam de ataques pessoais e não movidos por motivos de argumentação racional dado tratar-se de um blogue de divulgação de filosofia.
2 – O meu leitor acusa-me de cuspir no prato que como porque critico alguns aspectos do trabalho de um professor que não conheço, ou só conheço indirectamente através de uma explicação que dei a um aluno e apercebi-me de alguns erros. E apercebi-me também de uma má prática de ensino que produz poucos ou nenhuns resultados numa disciplina como filosofia, que consiste em dar a matéria como quem atira sacos de cimento. Para o meu leitor isto parece constituir uma ofensa. Eu devia era estar caladinho e não me meter com a profissão dos outros que é uma coisa séria, é o seu ganha-pão. Mas não seria esta uma boa razão para melhorarmos na nossa profissão, ainda por cima quando já não temos desculpas para determinados erros?
Vamos então analisar a situação fazendo uma simulação:
Tanto o professor X como o professor Y têm a mesma formação, tirada na mesma universidade e mais ou menos a mesma experiência. Ambos dominam a língua materna e mais nenhuma. Ambos ensinam dentro da mesma realidade social e cultural. Ou seja, nenhum deles tem mais ferramentas que outro para poder ser melhor professor. Gozam de boa saúde e têm um horário semelhante.


O professor X


O professor X estuda somente pelo manual adoptado na sua escola e, em regra, perde duas horas semanais a preparar as aulas. Basicamente o que varia nas suas aulas são as estratégias. Umas vezes os alunos trabalham em grupo, outras individualmente. Fazem dois testes por período com 5 perguntas de desenvolvimento cada teste. O professor X acha-se cientificamente competente para avaliar manuais, mas só os analisou na reunião com os colegas para adopção de manual. Votou no manual que recorria a mais esquemas, que tinha mais trabalhos para casa e que oferecia um dvd e uma pasta mais uma esferográfica. Quando o professor X pede um trabalho escrito aos seus alunos, somente lhes dá os temas, a estrutura do trabalho e o número de páginas do mesmo.


O professor Y


Este professor tem o hábito de comprar livros de filosofia. Já não compra a última edição do Ser e Tempo, nem da Crítica da Razão Pura, mas compra as introduções à filosofia que vão aparecendo no mercado. Passa muito do seu tempo abraçado à disciplina que ensina e é nesses livros que aprofunda conhecimentos para as suas aulas. Sempre que necessário, o professor Y compra livros de outras áreas para compreender a relação da sua disciplina com outras áreas do saber. O professor Y tem uma preocupação especial com o manual com que vai trabalhar. Quer um manual actualizado, sem erros científicos, escrito de forma clara para os alunos. Mas não dá grande valor aos extras já que se o manual for competente tal é quanto basta para que os seus alunos tenham uma boa ferramenta para aprender. Uma vez que o professor Y é preocupado com os manuais, normalmente, na altura da adopção, tem um cuidado muito grande em pelo menos ler um ou dois capítulos, daqueles onde é costume aparecer erros, dos manuais que vai recebendo e a partir daí construir uma ideia segura da melhor adopção. Quando o professor Y pede um trabalho aos alunos tem a preocupação de lhes fornecer bibliografia (que conhece porque leu os livros) e ensinar como se escreve um trabalho em filosofia, o ensaio. Os testes do professor Y não exigem ao aluno que seja grande escritor, mas que pense por si mesmo e com correcção.
Ambos os professores auferem das mesmas condições profissionais. A minha questão é: quem é que cospe no prato que come? E, já agora, como avaliar estes professores?
Há ainda uma outra questão que me cabe fazer: parece-me que seria eticamente incorrecto da minha parte avaliar globalmente o trabalho do professor X e do Y. É justo perceber que ambos os professores reúnem qualidades e que tanto um como outro dão boas e más aulas aos seus alunos. Não se trata disso. Independentemente das capacidades de cada um dos professores, a motivação pode, por infinitas razões, variar. Um pode estar mais motivado que outro. E temos sempre o ponto de fuga que consiste em culpabilizar o sistema que não é motivador para todos os professores.
Mas há um aspecto que gostaria de lançar à discussão: o Ministério da Educação português tem dado uma grande liberdade aos professores de filosofia para desenvolverem a disciplina. Quem faz os programas da disciplina são profissionais da filosofia. Quem faz os manuais também são professores de filosofia. Quem tem então a obrigação de melhorar a disciplina, tornando-a não só mais atractiva como pertinente para os dias que correm? Gostaria também que ficasse claro que a disciplina de filosofia como disciplina integrante dos cursos gerais tem melhorado muito nos últimos anos. Hoje há mais rigor, professores mais preparados que há 10 anos atrás. Uma das razões que aponto para este sucesso é que os profissionais da disciplina estão menos isolados em termos de formação, em grande parte graças às tecnologias de comunicação. Todos os dias centenas de professores de filosofia aprendem uns com os outros nos fóruns específicos da disciplina, nos blogs, etc. O exemplo do FES é curioso. O blog existe há pelo menos 5 anos. Recordo na altura da existência de meia dúzia de espaços on line dedicados ao ensino da filosofia. Hoje imensos professores publicam blogs, recolhem materiais e fazem um esforço notável para melhorar o trabalho com a disciplina. Um dos aspectos que mais me tem surpreendido é a explosão da blogosfera no ensino da filosofia.  E muitos desses blogs tem um interesse assinalável. Tudo isto, sem quaisquer estudo de prova, faz-me pensar que as coisas vão mudando com melhorias assinaláveis. É por essa razão que não hesito em denunciar más práticas, erros, não para humilhar a disciplina, não para cuspir no prato em que como, mas precisamente para produzir o efeito contrário, para melhorar a disciplina e comer num prato lavado sem ter de cuspir lá para dentro.
É por isso também que me parece que o meu leitor tirou uma conclusão precipitada. O trabalho modesto que vou fazendo no FES não é para denegrir os colegas, para me elevar no meio dos meus colegas. A ideia não é a da brejeirice. Caso contrário como justificar as centenas de posts que ao longo destes anos tenho escrito para salientar as boas práticas no ensino da disciplina?
Mas o ponto de partida talvez explique a diferença de atitudes: como eu, muitos colegas reconhecem que a formação superior não foi a melhor, que teve momentos realmente maus e que temos um esforço suplementar para superar defeitos de fabrico. Reconheço que nem sempre é psicologicamente confortável reconhecer este ponto de partida.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Discutir a crença religiosa


Andamos a precisar da tradução de uma ou duas obras de filosofia da religião. Na minha biblioteca pessoal tenho umas 4 propostas. Duas são de carácter introdutório destinadas a um público fora da filosofia e duas outras são mais densas, mesmo que possam igualmente ser recomendadas ao público em geral. Uma dessas últimas é escrita por 4 autores, Michael Peterson, William Hasker, Bruce Reichenbach e David Basinger. É uma pequena enciclopédia dos problemas base relacionados com a filosofia da religião. Vale a pena clicar AQUI e aceder ao índice e é certamente uma aquisição recomendável, mesmo que implique maior esforço a leitura em língua inglesa.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Atirar matéria como quem atira sacos de cimento


Hoje tive uma experiência ainda não muito incomum, com muita pena minha. Sei que não é politicamente correcto publicar erros de colegas de profissão, mas não vislumbro modo melhor de poder melhorar a forma como se trabalha senão expô-la à crítica pública.
Fui solicitado para uma ajuda a um aluno, filho de amigos pessoais, para estudar filosofia. Desde logo estranhei o pedido, dado tratar-se de um bom aluno e sem dificuldades de maior. A verdade é que encontrei o jovem em apuros com a disciplina. Comecei por questionar alguns pormenores sobre as aulas e em poucos minutos percebi que estava perante mais um caso no qual o professor atira a filosofia como quem atira sacos de cimento, ou do que calhar, para cima dos jovens. Desde logo, o professor seguiu a definição de validade do manual. Acontece que essa definição está errada, mesmo sendo a que consta do manual do 10º ano mais adoptado em mais escolas do país. A definição sugere que um argumento é válido se as premissas forem verdadeiras e a conclusão também. Trata-se, obviamente, de uma definição cientificamente errada. Senão como é que o estudante vai entender um argumento como este:


O Rolando é professor de filosofia
Logo, o Benfica é um clube de futebol


Tanto premissa como conclusão são verdadeiras. Com efeito não consta de qualquer lógica possível que se trate de um argumento válido.
Mas o que se segue é ainda mais gravoso. Explicar ao aluno o que é a validade e por que razão em filosofia estudamos a validade dos argumentos não tem aqui grande peso. É que o mais que pode acontecer é o professor fazer uma questão no teste como: “Defina validade de um argumento”. Isto é tão certo como eu ter cinco dedos em cada mão. Caso contrário, se o professor estivesse interessado em compreender o que leu da definição de validade, com segurança se apercebia da enormidade que ali está. Mas este professor tanto pode ensinar filosofia, como outra coisa qualquer. O que ali está a fazer é a atirar sacos de cimento para cima dos alunos. Isto é o resultado imediato de um sistema de ensino que promove a irresponsabilidade e a ignorância. Cada vez mais os professores não sentem qualquer motivação em estudar para melhorar as suas deficiências de formação. Isto não é valorizado profissionalmente, nem sequer é avaliado nem existem mecanismos para avaliar tais coisas. O resultado desta incompetência é que encontrei um jovem de 15 anos que me parece ser um bom aluno, interessado e curioso e, ainda assim, completamente frustrado com a experiência de ter de aprender filosofia. E apesar da sua tenra idade percebe muito bem o que se está a passar com a disciplina de filosofia sem eu ter de lho dizer explicitamente como o faço aqui neste post, reservando qualquer identidade.
Erros todos cometemos. Erros elementares por pura incompetência, cheiram mal.

Dados interessantes

Lê-se no blog de Stephen Law:

David Bourget and David Chalmers have released the results of the largest survey of professional philosophers ever conducted. Some interesting results:

72.8% atheism
14.6% theism
12.5% other

49.8% naturalism
25.8% non-naturalism (but not necessarily supernaturalism)
24.2% other

Of course, quite what any of this shows re the truth of any of these beliefs, if anything, can be debated....

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A ética do Natal


Bem, e já que falei no post anterior no consumo de carne e as suas implicações éticas e ambientais, aproveito para recomendar uma leitura que já recomendo há pelo menos 3 anos seguidos. Estou a falar de the Xmas Files: The Philosophy of Christmas, o divertido livro de Stephen Law que constitui um bom abanão nas nossas crenças natalícias que tanto nos sabem bem. Mas o que é que isto tem a ver com a carne? Ora é precisamente na noite de consoada de natal que gostamos de um peru devidamente morto, ou um bacalhau, para nos deliciar naquilo que nos habituamos acriticamente a definir com a refeição da paz. Se a hipótese de que não é moralmente correcto comer os animais pelo menos na noite da paz, por que razão continuamos a ter um hábito que consideramos moralmente incorrecto? Pelo menos nessa noite será que faz sentido também em começar por oferecer alguma paz aos milhares de perus e bacalhaus? Este livro lança estas, entre muitas outras questões.

As nossas escolhas alimentares têm implicações éticas?


Agora que se realizou a Cimeira de Copenhaga sobre as alterações climatéricas lanço a seguinte reflexão? Por que razão é ético reduzir o consumo de carne que no mundo rico fazemos todos os dias? A resposta mais directa é esta: a produção de carne é o segundo maior emissor de gases com efeito de estufa. Nessa percentagem incluem-se os arrotos das vacas, porque o gás expelido está carregado de metano, cujo efeito de estufa é 25 vezes maior do que o do dióxido de carbono. De todos os recursos alimentares, a produção de carne produz o maior impacto ambiental. O leitor sabia disto? E se sabe, acha que a maioria das pessoas que compra e consome carne sabe disto?
Uma fonte excelente para andarmos um pouco mais informados é o livro de Peter Singer e Jim Mason, Como comemos, D. Quixote, 2008. Com este livro aprendemos que por cada garfada dada existe um gesto ético.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Inquietações

Consequência de dois textos meus datados já de 2007, com relativa frequência recebo e-mails de estudantes perdidos no estudo da filosofia logo no 10º ano. Nesses textos questionei a opção de inclusão de um guião de análise do filme A formiga Z num manual do 10º ano. Os mails que recebo são de estudantes que querem compreender o que é que o filme tem a ver com a disciplina. Em regra, como me parece correcto fazer, aconselho os jovens a colocarem esses problemas aos seus professores explicando que a posição que leram nos meus textos são as minhas e que são discutíveis e podem estar erradas. Mas lembrei-me, por ocasião de um mail recente, de abrir espaço aos colegas que queiram e possam publicamente explicar de forma clara o conteúdo filosófico do filme. O manual em causa conta já com 3 anos de adopção e eu não tenho experiência de trabalhar com ele directamente.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Qual o valor da vida humana?


Isto de pegar na literatura para pensar argumentos da filosofia não é tarefa que me agrade muito. É que se pegamos na literatura ou no cinema, em filosofia, também podemos pegar em tudo. É como pensar que podemos aprender melhor física a atirar pedras ao ar. Em todo o caso, as pessoas são livres para estabelecer as relações que quiserem. Simplesmente me parece mais acertada a escolha de estudar filosofia pelos livros de filosofia. Em todo o caso não resisto a mais uma passagem do Caim de Saramago, que me fez lembrar um livro - que ainda não comprei nem li - que foi divulgado em tempos bo blog da Crítica e que me despertou alguma curiosidade pela ousadia das teses defendidas.Ver AQUI o texto no blog da Crítica.
E, então, a citação do Saramago:


Mas bem triste há-de ser a gente sem outra finalidade na vida que a de fazer filhos sem saber porquê nem para quê. Para continuar a espécie, dizem aqueles que crêem num objectivo final, numa razão última, embora não tenham nenhuma ideia sobre quais sejam e que nunca se perguntaram em nome de quê terá a espécie de continuar como se fosse ela a única e derradeira esperança do universo.

O problema do mal na existência de deus


Como tu foste livre para deixar que eu matasse a Abel quando estava na tua mão evitá-lo, bastaria que por um momento abandonasses a soberba da infalibilidade que partilhas com todos os outros deuses, bastaria que por um momento fosses realmente misericordioso.

quarta-feira, 25 de novembro de 2009

Pensar criticamente não é coisa prática?

O Artur está em casa a arranjar a instalação eléctrica. Há uma lâmpada que não se acende. O Artur pensa de imediato que o quadro da luz está desligado e mete as mãos nos fios. Apanha um choque eléctrico.
Para não apanhar um choque eléctrico bastava ao Artur raciocinar com eficácia.
O raciocínio do Artur foi:

Se a corrente eléctrica estiver desligada a lâmpada não se acende
a lâmpada não acende
Logo, a corrente eléctrica está desligada

O argumento do Artur não é válido já que comente a falácia da afirmação da consequente:

Se A então B
B
Logo, A

Se o Artur tivesse raciocinado correctamente poupava-se a um choque eléctrico que poderia ter consequências desagradáveis. Bastar-lhe-ia pensar: Se A então B, A, Logo B. Este raciocínio é o que os filósofos chamam de Modus Ponens. O Artur levou um choque porque cometeu um erro de raciocínio.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vale a pena definir filosofia?


Ouço frequentemente dizer que filosofia é pensar. Mesmo uma máexperiência de ensino da filosofia transmite esta definição de filosofia. Acontece que se trata de uma definição insuficiente. Se pensar é uma condição necessária para a filosofia, ela não é, com efeito, suficiente já que não é exclusiva da filosofia. Por exemplo, se estou a fazer palavras cruzadas estou a pensar e não estou a fazer filosofia. Se observar atentamente a maioria das pessoas, na maior parte do tempo em que estão acordadas, estão a pensar e não estão a fazer filosofia. Se a definição é insuficiente para uma pessoa com alguma formação, para jovens ela tem efeitos muito nefastos já que se trata de uma definição incompleta e induz o jovem em confusões elementares.
talvez uma das boas formas de transmitir uma boa definição de filosofia, principalmente a jovens, é dar a ideia de que para se fazer filosofia é necessária informação. A informação necessária é o estudo dos textos principais dos filósofos. Para além disso fazer filosofia implica uma intenção deliberada e um método próprio. A forma mais eficaz que temos para mostrar a definição da filosofia e o que se faz e como se faz filosofia a jovens, é por comparação. Assim, num minuto apenas, mostramos que fazer filosofia não é o mesmo que fazer ciência, já que a natureza dos problemas da filosofia não é empírica e não possui o recurso à experiência para prova de hipóteses teóricas. Pelo contrário, são problemas filosóficos aqueles que se pensam sem recurso à experiência. Por exemplo, se queremos saber da moralidade do aborto, de que nos vale pedir a 10 mulheres grávidas que abortem para saber se o aborto é ou não moral? Ainda que elas o fizessem, não chegaríamos a conclusão alguma, não adiantávamos nada ao conhecimento que temos da moralidade do aborto. A Filosofia faz-se na discussão activa dos problemas. Se não temos recurso à experiência, temos ferramentas lógicas que nos permitem avaliar argumentos e objectá-los, se for caso disso. Ainda que não seja perfeita, esta é uma forma eficaz de principiar um estudo em filosofia.
Mas é verdade que quando estudamos filosofia temos um resultado prático. Nas nossas sociedades somos detentores da maior parte das decisões sobre a nossa vida e somos impelidos a um esforço muito grande para pensar nas nossas decisões. A prática do exercício filosófico tem um resultado nessas decisões já que aprendemos o método para pensar com maior rigor e de forma consequente. Claro que podemos fazer isso mesmo sem estudar filosofia, mas parece pacífica a ideia de que sem estudos e informação tal tarefa é muito mais inacessível.
A definição de que a filosofia é pensar é assim insuficiente, gerando confusões iniciais desnecessárias. Quem se inicia ao estudo da filosofia espera um pouco mais da definição. O manual do 10º ano, A Arte de Pensar, apresenta uma comparação muito intuitiva que aqui resumo: se queremos saber se há vida em Marte não nos vale de muito ficar a pensar no assunto. A partir de uma sonda é possível apurar dados empíricos que nos dê a informação desejada. Os problemas filosóficos não possuem esta estratégia de recurso que se chama “experiência”. Mas os problemas filosóficos não são menos problemas porque não podemos fazer experiências e apurar resultados. Os problemas da filosofia são problemas que se tentam resolver sem recurso à experiência, mas com recurso á capacidade racional de discussão argumentativa. Se não podemos provar pela experiência, temos a saída de resolver pela discussão racional. É certo que fazemos isso para a maior parte dos problemas, mesmo os mais triviais. Se queremos saber, por exemplo, se determinada acção política é boa ou má, justa ou injusto, é uma enorme vantagem saber pensar criticamente, já que conseguimos avaliar melhor cada argumento em causa.
Talvez a melhor proposta para dar início a um curso de filosofia seja não perder muito tempo com a definição da filosofia e partir logo para a sua prática, isto é, a discussão activa dos problemas.

domingo, 22 de novembro de 2009

Ensino, o que falta fazer?

Não gosto mesmo nada de fazer referências apanhadas nos outros blogs de filosofia. Mas não me inibo de o fazer quando as palavras são pertinentes e urgentes. Este apanhei num link deixado pelo Desidério Murcho no blog da Crítica. As palavras são de Nuno Crato:


Um marciano que descesse à Terra concluiria que Portugal tem um sistema de ensino excelente, que consegue formar talentos matemáticos ainda na adolescência e preparar cientistas jovens. No entanto, se o mesmo marciano resolvesse olhar para as comparações internacionais, nomeadamente para os resultados dos inquéritos TIMSS e PISA, veria que em matemática e nas ciências o nosso sistema de ensino tem problemas muito graves, que se estendem ao ensino da língua e a outras áreas.
O contraste entre os resultados da investigação científica e os do ensino deve ser, em alguma medida, explicável pelas diferentes políticas seguidas nestas duas áreas. Em ciência, optou-se pelo investimento a longo prazo, deu-se prioridade ao saber e fomentou-se a ida dos jovens para países e universidades que lhes ensinaram seriamente a área científica que preferiam. Na educação, insistiu-se que os jovens deveriam "aprender a aprender" e "desenvolver competências". O saber ficou para segundo lugar.
Em ciência, em vez de baixar os níveis de exigência com pretexto na "escola inclusiva", ou nas dificuldades dos mais desfavorecidos, abriram-se oportunidades: quem tivesse talento e força de vontade poderia agarrá-las. Em vez de fazer provas onde o sucesso fosse garantido, privilegiaram-se métodos de avaliação aferidos pela bitola dos melhores do mundo.
Em ciência, privilegiou-se a internacionalização e não se pretendeu desculpar o nosso fraco posicionamento relativo por atrasos estruturais do país ou por condições socioeconómicas desfavorecidas. Apontou-se para cima e disse-se, desde o princípio, que o importante era alcançar resultados reconhecidos nas melhores revistas internacionais. A paróquia ficou para trás.
Em ciência, nenhum ministério pretendeu retirar liberdade aos cientistas para investigarem o que quisessem e pelos métodos que escolhessem. Mas fizeram-se avaliações impiedosas dos resultados, com avaliadores internacionais exigentes. Em educação, pelo contrário, desprezaram-se os programas e as metas, fizeram-se e fazem-se exames que nada avaliam e desculpam-se os insucessos. Ao mesmo tempo, pretende-se controlar ao pormenor os métodos pedagógicos seguidos pelos professores. Em ciência, avaliam-se os resultados e dá-se liberdade nos processos. Em educação, controlam-se os processos e não se avaliam os resultados. Assim, é difícil avançar.




Ler o resto do artigo do Expresso, AQUI.  

sábado, 21 de novembro de 2009

O argumento do sonho


Considere-se as afirmações:
a) estou vivo;
b) o racismo é imoral;

Qual das duas é mais verdadeira e que razões temos para pensar que uma é mais verdadeira que a outra?

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Vampiros especistas



Hoje reparei na notícia sobre a histeria juvenil em torno do filme “Lua Nova”, o sucessor de “Crepúsculo”. Não li os livros, mas tive curiosidade no verão passado em ver o filme “Crepúsculo”. A história do filme pareceu-me pouco intensa, mas julgo ter percebido a sedução junto dos adolescentes, sempre sedentos de histórias de romances cheios de obstáculos, mas verdadeiros e genuínos. Para quem não conhece, a história é a de um rapaz vampiro, muito justo e bondoso, que mantém um romance com uma rapariga, simples mortal. A ideia é que seria algo contraditório um rapaz vampiro bondoso e que mata pessoas para beber o seu sangue, já que os vampiros alimentam-se de sangue. Fiquei mesmo sem palavras quando no filme o vampiro jovem, bonito e bondoso revela que é um vampiro vegetariano. Nesse momento para mim o filme acabou, já que eu gosto de vampiros assustadores, como o Bela Lugosi e não de vampiros betinhos. Mas o que me leva aqui a escrever umas linhas sobre o assunto é que os vegetais não têm sangue. É que o jovem vampiro considera-se (pelo menos no filme) vegetariano porque só bebe sangue de animais como ovelhas e coelhos, matando-os para se alimentar. A encrenca aqui é que este vampiro teen é especista já que desconsidera  moralmente os interesses dos animais, ainda por cima matando-os a sangue frio, provocando-lhes sofrimento. Mas é estranho que um filme destinado a um público maioritariamente jovem revele uma posição destas. Não sei no entanto se nos livros o vegetarianismo do vampiro consiste em matar indiscriminadamente animais para lhes sugar o sangue.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Dia mundial da filosofia

Hoje comemora-se o dia mundial da filosofia. Como é dia de festa, não escrevo nada e deixo o link para um pequeno texto que merece a nossa leitura.
AQUI.

domingo, 15 de novembro de 2009

Filosofia e metodologia

Frequentemente alunos meus que tiveram aulas de filosofia com outros professores, confessam-me que, apesar da matéria ser a mesma, a metodologia de ensino é muito distinta. Por exemplo, algumas vezes, alunos do 10º ano que estão a repetir o ano dizem que não deram as noções de validade, verdade, argumento, premissas e conclusão, mas que deram “o que é a filosofia?” durante praticamente todo o 1º período. Nessas circunstâncias, pergunto a esses alunos se deram as características da filosofia (aquela coisa bizarra da historicidade, radicalidade, etc…), e se estiveram todo o 1º período a ler textos que procuram definir a filosofia. A resposta é sempre afirmativa. Seguidamente pergunto se tinham de escrever muito nos testes e respondem também afirmativamente.
Quando isto acontece não é preciso grande esforço para perceber que estamos perante duas formas de abordar a filosofia e o seu ensino. O próprio programa da disciplina promove esta liberdade de ensino, ainda que a promova mais vincadamente sob a versão descrita pelos alunos. Mas é pena que assim seja. E é pena por dois motivos principais:
1)      Porque o programa deveria sofrer os upgrades necessários à disciplina e dotá-la dos mais modernos métodos. Ensinar filosofia como sugere o programa é pensar que os seus métodos não apresentaram qualquer progresso, o que é falso. A ética, arte, política, metafísica, mente, são áreas que foram repensadas à luz dos mais recentes métodos e das descobertas de investigação feitas na lógica.
2)      Porque raramente se ensina segundo o método descrito sem incorrer em erros. Por exemplo, a história das características da filosofia não tem pés nem cabeça. Na verdade elas são tanto características da filosofia como da biologia ou da ciência em geral, pelo que é falso que historicidade, radicalidade, universalidade e autonomia caracterizem a filosofia em específico.
Finalmente, se temos opções de ensino mais rigorosas, pedagogicamente mais correctas, qual a razão de persistir em modelos que em nada têm dignificado a disciplina? Não existe qualquer razão para deixar cair a disciplina no desinteresse geral, nem é bom que tal aconteça. Devemos ser nós, profissionais da filosofia a mostrar o valor da nossa disciplina e a revelar as suas capacidades formativas, revelando também a sua pertinência como matéria de estudo para jovens adolescentes. Sem isso, tanto vale ter como não ter filosofia.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Finalmente já o temos


Anarquia, Estado e Utopia, uma das obras centrais da filosofia política contemporânea, acaba de ser publicado em Portugal, pelas Edições 70. A tradução é de Vitor Guerreiro.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Instrumentalização ideológica

Fico por isso sempre desconfiado sempre que se instrumentaliza o ensino. Do meu ponto de vista, a razão de ser do ensino é o valor intrínseco do que é ensinado. É importante ensinar filosofia, música, biologia, história, arqueologia, engenharia, e tudo o mais, porque essas coisas são importantes e porque muitos alunos têm talento para essas coisas e não o descobrirão se não contactarem com essas coisas na escola. Que essas coisas têm, depois, por vezes, aplicações sociais importantes é óbvio; queremos ter médicos competentes, e políticos, e engenheiros. Mas estaremos a construir sociedades totalitaristas se só houver competência técnica, mas não houver autonomia intelectual. Se das escolas saírem autómatos que sabem repetir, mas não pensar. Que são incapazes de pôr em causa, por si mesmos, as ideias feitas da sua sociedade, partido, religião, classe social ou etnia. Que só sabem repetir fórmulas matemáticas ou da biologia, teses filosóficas ou históricas, ideias sociológicas ou económicas, sendo totalmente incapazes de as pôr em causa.

Desidério Murcho, in. http://criticanarede.com/html/autonomia.html

quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Lógica em discussão

A Unidade I&D Lif - Linguagem, Interpretação e Filosofia (Universidade 
de Coimbra) vai promover um colóquio internacional subordinado ao tema:
O Lugar da Lógica e da Argumentação nos Programas de Filosofia do 
Ensino Secundário
Este decorrerá a 4 e 5 de Dezembro na Faculdade de Letras da 
Universidade de Coimbra:
Consulte o Programa:
http://www1.ci.uc.pt/lif/UserFiles/Image/prog_c.pdf
A Inscrição é gratuita e está disponível on-line:
http://www1.ci.uc.pt/lif/UserFiles/Image/ficha.pdf

Não aprecio de todo o programa, mas aprecio e muito a iniciativa. Creio até ser algo urgente a discussão do que se deve e como se deve ensinar na e com a lógica nos programas de filosofia do ensino secundário. E, já agora, deixo aqui a minha sugestão:

- Eliminar definitivamente a lógica aristotélica. Não faz qualquer sentido ensinar uma lógica que tem um âmbito de aplicação muito reduzido quando temos já disponível uma lógica com um âmbito de aplicação muito mais alargado e completa. A lógica aristotélica só tem interesse como história da lógica e não faz qualquer sentido ensiná-la no secundário.

- A lógica, enquanto ferramenta do pensamento crítico, deve ser ensinada no início do percurso e não a meio, pelo que me parece correcta a ideia de a introduzir logo no 10º ano e não no 11º ano.

- Os conteúdos principais a ensinar, seriam: distinção entre argumentos dedutivos e não dedutivos, validade, verdade, inspectores de circunstâncias, negação de proposições, argumentos sólidos e cogentes. Creio também ser necessário ensinar já nesta fase os testes de derivadas.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Snobismo

snob Publiquei na Crítica um pequeno artigo onde exponho a minha crítica aos snobes e ao prejuízo que trazem para a filosofia.

domingo, 1 de novembro de 2009

António Sérgio

0d8fb326 Apesar de nada ter a ver com a filosofia e a minha formação em filosofia, não podia deixar em claro o meu pesar sobre o desaparecimento de António Sérgio, um dos homens que, mesmo sem o saber, mais influenciou a minha vida pessoal. António Sérgio foi singular na forma como divulgou as músicas alternativas e o rock mais marginal em Portugal. Ainda hoje guardo gravações que fazia em cassete, quando tinha apenas 15 anos, do mítico Som da Frente, um dos muitos programas que manteve activo na Rádio Comercial de então. Pelas mãos dele conheci discos tão cheios de arte como, só para citar de cor, American Music Club, california, Spaceman 3, Playing with fire, My Bloody Valentine, isn`t anything, entre centenas de outros. No tempo em que a internet e a difusão do conhecimento de massas era uma utopia, foi António Sérgio quem diariamente me trouxe novidades musicais. Cada música divulgada é um pedaço de prazer tão elevado que só tenho mesmo que guardar uma imensa admiração por este homem e pelo trabalho de divulgação que deixou.

sábado, 31 de outubro de 2009

Confusões e ridículo no ensino

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A burocracia que tem assolado o sistema de ensino é no mínimo caricata. De um ano para outro passei a ver os professores preocupados com burocracia e pouco com o miolo das aulas, que é prepararem as lições. Tenho-me deparado com situações caricatas. Vou aqui dar um pequeno exemplo. Para leccionar uma turma (vou pegar no exemplo de uma turma de cidadania, nos cefs) pedem-me 3 tipos de planificação: uma anual, uma trimestral e uma aula a aula. Concentremo-nos agora na planificação anual e trimestral. Em primeiro lugar temos de definir para que serve uma planificação e de modo muito simples ela serve para guia das aulas do professor, isto é, é pela leitura da planificação que o professor pode saber quantas aulas tem para a unidade X, que recursos tem e que estratégias pode aplicar. Logo à partida, para um sistema de ensino que se pretende contextualizado a diferentes realidades, uma planificação aparece como castradora. Mas não vou pegar por aqui. Afinal uma planificação é um conjunto de intenções que deve ser flexível, simples e aplicável. O professor para planificar uma aula tem de ter à sua frente os materiais (que pode ser o manual, por exemplo) e a planificação. Se tem uma planificação anual e uma outra trimestral, com qual planificação deve o professor trabalhar? Supostamente qualquer planificação tem de mencionar pelo menos dois pontos na tabela: os tempos e os conteúdos. Nesse caso tanto a planificação anual como a trimestral, que as escolas parecem cada vez mais apostadas em exigir, dizem exactamente o mesmo. Então para que se quer uma planificação trimestral? Não bastaria a anual? Além do mais sejamos práticos e simples a pensar. Um professor vai preparar uma aula. Senta-se, abre o manual, faz pesquisa na sua biblioteca pessoal e depois enfrenta 3 planificações. Para qual olha? Seja qual for a sua opção uma coisa é certa: das 3 planificações vai ter de ignorar duas. Nesse caso para que servem tantas planificações? Para nada, rigorosamente nada. Serve para fazer arquivo, aumentar dispêndio de recursos e apresentar produtividade zero. Mas há ainda um aspecto curioso a considerar: o próprio Ministério da Educação tutela e produz os programas. Os programas contêm já uma planificação. Ou seja, a conta é simples: o professor tem a planificação que consta no programa, mais 3 planificações que o grupo disciplinar produz. Para quê tanta planificação? Qual é o objectivo de tanta planificação?

Mas vamos ainda mais longe: uma das coisas que a planificação anual pode conter é precisamente a divisão dos conteúdos por períodos. Nos programas oficiais essa divisão já está feita. Ou seja, se esta divisão está já feita nos planos anuais, qual o sentido de impor planificações trimestrais? A realidade é que não existe qualquer diferença substancial entre uma planificação anual e uma trimestral. 3 planificações trimestrais fazem uma anual e esta é uma conta que qualquer criança é perfeitamente capaz de realizar. Não se percebe então o que se passa na cabeça das pessoas que são mais papistas que o papa e pedem planificações anuais e trimestrais. Isto é realmente brincar ao trabalho e não trabalho efectivo e real.

E isto para não pegar no facto de muitas planificações anuais terem mais de 20 páginas. Ou seja, são feitas para inglês ver já que são tudo menos práticas e úteis. E é triste perceber que se perde tanta energia nestas tarefas burocráticas quando depois este material vai direito para o lixo. Pior que isto não conheço. Se algum colega leitor tiver melhor explicação que a minha, agradeço que a deixe na caixa de comentários.

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Freedom of speech

parental-advisory--explicit-lyrics Publiquei um texto sobre a liberdade de expressão aplicada ao caso do último livro de Saramago no blog da Crítica. Ler AQUI.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Ministra da Educação e Filosofia

Não é meu hábito falar de política ou de políticos aqui no blog. Nem é o objectivo deste blog, nem tal me conduziria a uma linguagem mais perfeitinha e racional. Mas desta vez não posso esquecer que a nova Ministra da Educação, indigitada hoje, é licenciada em filosofia. Esperemos que tal facto, traga à filosofia e ao ensino em geral mais rigor, tranquilidade e exigência. E espero também não me arrepender de ter escrito este post.

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quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Emprego para professores de filosofia

Hoje, num jornal diário da Região Autónoma da Madeira podia ler-se o seguinte:

O "fenómeno", como classifica o director regional está a deixar algumas direcções executivas aflitas à procura de professores em áreas onde curiosamente havia excedente. Filosofia, Biologia e História são dois exemplos de disciplinas que antes todos diziam ter de sobra. 

Colegas, estão à espera de quê? Rumem até à ilha da Madeira como eu fiz há uns anos. Notícia inteira AQUI.

sábado, 10 de outubro de 2009

Cultura popular e filosofia


Um destes dias via por acaso um teledisco da famosa cantora Madonna todo arrojado em provocações eróticas. Hoje em dia este conceito é vulgar, mas pensei como esta cantora (que eu nunca apreciei – no caso do vídeo clip excepção feita a frozen da autoria de Chris Cunningham, que tem uma obra soberba na realização de telediscos), foi capaz de influenciar uma geração inteira de adolescentes sedentos de liberdade erótica e como lhes comunicou de forma tão eficaz. O famoso like a virgin é um grito popular de libertação de uma geração inteira (exceptuando tipos como eu a quem a canção nunca disse nada de especial). Quando pensei nisto, coloquei a questão se a filosofia tem esta capacidade comunicadora ao nível popular? Por que razão uma canção simples acompanhada de uma dança provocadora é capaz de mover multidões ao passo que um argumento de um filósofo, por muito claro que seja é incapaz (ou pelo menos aparenta ser)? Talvez cometa aqui um erro elementar: é que pessoas como a Madonna só comunicam às massas, de uma forma elementar, revoluções das ideias operadas por grandes filósofos. Sem a mudança provocada pelas ideias e argumentos, nenhuma Madonna teria alguma coisa a comunicar às massas. Mas será mesmo assim? Será que a Madonna consegue mover mais o mundo que os argumentos dos filósofos? Ou será que a Madonna se limita a transmitir de uma forma muito simples e elementar ideias antes pensadas (muitas vezes pensadas antes 100 ou 150 anos) pelos filósofos como Stuart Mill, Kant, etc.? É que quando leio os livros destes filósofos, acho-os muito mais revolucionários que qualquer canção ou provocação erótica da Madonna. Talvez haja lugar para estas duas formas de comunicação aparentemente distintas. Ou talvez a cultura popular não passe de um lapso gigantesco para fazer as pessoas pensar. Ou ainda é provável que a cultura popular não consiga muito mais do que um efeito de entretenimento, sem qualquer valor reflexivo.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

As melhores universidades

Sem título Basta clicar na imagem para aceder ao ranking das melhores universidades de todo o mundo do ano de 2009. O peso das universidades americanas nos lugares cimeiros é notável, fruto em grande parte dos efeitos da fuga de intelectuais para os EUA durante e após a 2ª grande guerra ou fruto talvez e também de uma liberdade académica que a maior parte das universidades do mundo só vê por um canudo. Mas é notável também o peso de instituições seculares como Cambridge ou Oxford em Inglaterra. Esta notícia merece divulgação pública já que a qualidade dos nossos profissionais em variadas áreas está directamente relacionado com a qualidade das nossas universidades. E estes rankings dão-nos uma noção da nossa posição e dos esforços que há ainda a fazer para mudar o cenário em muitas variantes. Harvard é a melhor universidade do mundo. Clicar na imagem ou AQUI.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Psicologia B

Acabei de lançar um blog de apoio aos meus alunos do 12º ano, da disciplina de Psicologia B. Espero que seja útil para os estudantes. Pode ser visitado AQUI.

Erros habituais na caracterização do senso comum

dsds Carlos Pires, no blog Dúvida Metódica faz uma interessante reflexão acerca dos habituais erros na caracterização do senso comum, parte desses erros, habituais nos manuais de filosofia. O Carlos defende que começa por ser errado caracterizar o senso comum como um saber prático, já que o senso comum envolve crenças que são tudo menos práticas. Por outro lado, o Carlos defende também que o senso comum envolve crenças e superstições que o afastam do conhecimento vulgar. Vale a pena ler AQUI.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Manuais certificados


Saiu hoje o despacho 22025/2009 sobre o procedimento de avaliação dos manuais escolares.. Há uns tempos escrevi sobre isso. Na altura imputei fortemente a responsabilidade aos professores do ensino superior. Reli o texto (que publico como o original), mas mudaria algumas coisas. A principal, é que a responsabilidade da feitura e avaliação de manuais deve ser de quem com eles escolhe trabalhar, os professores. Também tenho de fazer outro reparo: ainda não conheço toda a legislação, pelo que não sei como vão ser constituídas as equipas para certificação de manuais. Se mudo estes aspectos, qual a razão que me faz ainda acreditar no que escrevi? É que o essencial mantém-se. Não faz qualquer sentido a existência de leis para certificar manuais. Só este aspecto merece ainda manter o que defendi no texto que a seguir apresento. Bem, retiraria o tom carregadamente pessoal do texto. Para já fica como foi escrito, até que mais algum tempo disponível me permita aqui regressar.


Manuais certificados por quem?



No início de mais um ano lectivo dou-me conta de legislação incumprida relativamente aos manuais escolares. A lei da certificação dos manuais está pronta, mas os manuais continuam sem certificação. Não posso saber o que se passa na realidade para que os manuais não estejam certificados, mas tenho uma forte suspeita que não estão porque pura e simplesmente o Ministério da Educação não tem os meios necessários para a certificação. O que cabe aqui anotar em apontamento é um esboço de resposta para as questões seguintes:

1) Precisam os manuais de serem certificados como prova de qualidade?

2) Se sim quem deve certificar os manuais?

3) Se não, como podemos auferir da qualidade de um manual?

E a minha resposta a 1) é claramente Não. Os manuais não precisam de certificados como os vinhos para serem bons manuais e, a serem certificados, são os profissionais de cada área quem os deve certificar e não o Ministério da Educação. E esta é também a minha resposta à questão 3): Quem deve aferir da qualidade dos manuais de uma disciplina são os profissionais dessa disciplina e não o Ministério. Ou então o Ministério se pretende exercer o controlo de qualidade deve remeter a análise dos manuais para os profissionais da área, isto, claro, se os profissionais da área quiserem realmente ter um papel importante na decisão do rumo futuro da sua disciplina. Caso contrário a certificação de manuais fica ao critério arbitrário do Ministério. É claro que para uma maioria de pessoas mais vale entregar essa maçada para o Ministério, mesmo que essa maioria se assuma com as competências para avaliar cientificamente manuais escolares e como se avaliar cientificamente manuais escolares se tratasse de uma tarefa para a qual a única competência exigida fosse uma licenciatura acabada há 10 anos.

Mas é ainda conveniente esclarecer mais alguns pequenos pontos. O primeiro de todos é que é uma ilusão pensar que um qualquer sistema elimina de vez os manuais maus. Existem maus manuais como existe “maus” em todas as coisas, maus profissionais, cafés mal tirados, aulas más, etc. A ideia a defender é que exista um ambiente que possa premiar os bons manuais e progressivamente fazer com que os maus manuais se tornem melhores manuais. E isto não se faz nem com decretos de lei, nem com golpes publicitários dos editores. A forma mais justa para este procedimento é a crítica pública num ambiente de liberdade de discussão e verdadeira democracia. A crítica de manuais vai, publicamente, ou pelo menos na comunidade da disciplina em causa, apontar limitações e erros entre pares que mais tarde poderão ser reparados e corrigidos. Um exemplo muito simples: vamos supor que o manual X sai numa primeira edição com os erros y e w. Se for sujeito à crítica dos pares, os autores desse manual podem, numa segunda edição corrigir esses erros melhorando significativamente o seu trabalho. Isto devia ser comum em todas as disciplinas, mas muito mais na filosofia, pelo menos a acreditar que todos levamos muito a sério quando dizemos nas nossas aulas que a filosofia é o exercício crítico da razão. Essa frase indica-nos que o lugar crítico da razão, o laboratório onde experimentamos os nossos argumentos, é a praça pública, tal como o foi para Sócrates e é para todos os filósofos que façam filosofia. Para os profissionais da filosofia, a crítica devia ser algo habitual e desejável. No caso dos manuais não o é. Mas depois vemos sistematicamente uns autores roubarem outros autores sem qualquer diálogo. Quanto a mim este exercício é uma prova da falta de cultura de boa convivência em comunidade. Infelizmente aprendemos logo isto nas universidades. Quando temos pouca ginástica mental o mais imediato que nos surge é arranjar uns inimigos a abater, para mostrar que também somos gente no mundo. A psicologia deve explicar este comportamento como um mecanismo de defesa face ao sintoma do medo.

Um outro aspecto da realidade dos manuais escolares, pelo menos dos de filosofia, nos últimos dois anos, é que os editores anteciparam-se ao próprio Ministério e passaram a ter os seus manuais certificados com algum nome, em regra, o nome de algum professor universitário mais ou menos consagrado. Isto apareceu com a sigla de «Revisor científico». Mas o mais interessante é que nem assim a maioria dos manuais passaram a ser melhores manuais apresentando erros que, em muitos casos, são erros grosseiros, o que indicia que os professores universitários se estão nas tintas para a realidade do secundário e que a estratégia pouco mais foi que um golpe publicitário dos editores. Ainda assim estou certo que para os editores seria melhor que os revisores fizessem o seu trabalho. Mas como é que é possível que um catedrático de filosofia deixe passar em claro uma coisa como esta (só a citar de memória): “a lógica formal existe para as ciências exactas e a lógica informal para a filosofia”. Algo estranho aqui se passou: 1) ou o professor universitário é incompetente, 2) ou se esteve nas tintas para o manual, só emprestou o nome e não tem vergonha na cara para se expor desta forma. Esta realidade não é a de um caso isolado. Isto acontece em mais de metade dos manuais em opção para cada um dos dois anos em que se lecciona filosofia no secundário. Mas isto revela ainda um outro dado interessante: é que muitos dos professores universitários se estão nas tintas para o secundário, mas não deviam, pois o secundário é a porta de entrada dos alunos para o superior. Se não tivermos um ensino de qualidade no secundário é de esperar que os cursos no ensino superior venham a ter cada vez menos alunos. Bom, como são catedráticos também se devem estar nas tintas para esta realidade. E é bem possível que assim seja uma vez que só abandonam o poleiro filosófico quando partirem para debaixo da terra, de modo que não existe qualquer motivação para se ser bom profissional e se trabalhar bem. Associada a estas razões existe ainda outra que me corre e que creio ter relativo peso neste comportamento dos universitários face aos manuais: o estatuto social. Pensa-se que emprestar o nome é já uma garantia para vender bem o livro, mas quanto a trabalhar, isso está fora de questão. Um universitário não vai sujar as mãos no secundário, nesse nível baixo de se fazer filosofia. O contra exemplo desta realidade são nomes como os de Nigel Warburton, Thomas Nagel, Eliott Sober ou Stephen Law que publicam para o público jovem e editam manuais de filosofia contribuindo de forma decisiva para que o interesse na filosofia aumente. Bem isto para não falar em nomes como Richard Dawkins, Roger Penrose, Stephen Hawking e o mestre de todos, Carl Sagan, em outras áreas do conhecimento. O que se passa é que estas pessoas em vez de seguir os bons exemplos, para não se darem ao trabalho, a única coisa que lhes ocorre fazer é dizer mal de quem trabalha. Daí as acusações de que os divulgadores são filósofos levezinhos, sem peso nenhum na história da filosofia, etc. e tal.



Em conclusão: podem-se inventar dezenas de sistemas de avaliação de manuais, o mais justo de todos será sempre aquele que permitir maior liberdade de actuação aos indivíduos. Se os professores reúnem capacidades científicas para avaliar e analisar manuais, façam-no, pois é a eles quem compete a certificações de manuais. Deixar que o Ministério o faça é o mesmo que lançar os manuais que usamos para ensinar nas nossas aulas, aos lobys habituais. Analisar um manual dá trabalho e eu sei-o bem, mas essa é a nossa tarefa, cuidar da nossa disciplina e sermos responsáveis por tudo o que nela se passa. Se, sem qualquer crítica, deixamos passar maus manuais para os nossos alunos estamos a passar atestados de irresponsabilidade a nós mesmos. Deixar que o Ministério decida com leis o que devemos e não ensinar é colocar o nosso saber nas mãos dos que não sabem e contribuir para um ambiente educativo cada vez menos livre.


Filosofia nas eleições

voto Os problemas de filosofia política costumam ser mais abrangentes que este que aqui vou colocar. Penso que este é até um problema que toca subtilmente alguns elementos de filosofia moral e outros da filosofia política. É corrente em Portugal políticos acusados de processos judiciais concorrerem a eleições. Será justo deixar que pessoas como estas concorram a eleições? Sabemos também que na maioria dos casos, estes políticos até acabam a ganhar as eleições. E também é sabido que na maioria dos casos, os crimes de que são acusados não estão ainda provados. Ainda assim, gostaria de saber o que pensam os leitores: é moralmente justo que uma pessoa acusada de crimes em tribunal possa concorrer para representar democraticamente um grupo de pessoas? O que pensa o leitor?

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O espectáculo da vida

O mais recente livro de Richard Dawkins chega às livrarias portuguesas durante este mês, em simultâneo com a edição americana. A edição é da Casa das Letras.

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A vida é curta

Inúmeras vezes me servi deste anúncio comercial nas minhas aulas de filosofia. Recentemente Stephen Law referiu-o no seu blog. O anúncio dá sobretudo para questionar o sentido da vida. Afinal qual o sentido da existência perante a nossa finitude infalível? Fica aí o video do anúncio.

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Livraria Capítulos Soltos

Na cidade nortenha de Braga abriu recentemente uma livraria que merece o meu destaque já que os proprietários simpaticamente me enviaram uma fotografia ostentando orgulhosamente o escaparate dedicado à filosofia. Nele, espreitando pela foto, podemos ver boas obras de filosofia. Mas o destaque aqui no FES é merecido dado a vaidade com que os livreiros me mostraram o seu trabalho com a filosofia. Da minha parte as maiores felicidades para este projecto. O blog da livraria pode ser visto clicando aqui.

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Novidade Guerra & Paz

Um dos livros centrais do século xx, da filosofia da ciência é editado tardiamente em língua portuguesa pela Guerra & Paz. É nesta obra que se faz a defesa dos argumentos mais poderosos sobre o relativismo na ciência.

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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Saber vender livros

O colega Daniel deixou um comentário sobre os escaparates de filosofia. Recordo aqui um texto meu já publicado. Hoje mudaria alguns tópicos, mas manteria o essencial.

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É dado seguro que o mercado livreiro em Portugal é limitado. Há várias razões que podem explicar esta realidade, entre as quais, julgo ser uma das principais, o espaço geográfico e cultural no qual se fala a língua portuguesa. Uma das outras razões, que pode ser considerada principal, é o facto dos consumidores comprarem poucos livros. Mas essa é a realidade que acontece com muitos outros produtos. Para que os produtos se vendem é necessário passar pelas regras elementares do marketing e da comunicação no sentido de fazer chegar o produto aos consumidores.


A maior parte dos consumidores não possuem autonomia suficiente para procurar o livro x ou y, a menos que se trate da sua área específica de formação. E o chamado público geral como é que chega ao conhecimento dos livros que lhe são destinados? Só mesmo preparando uma boa montra para os livros. Neste sentido defendo que é possível vender mais livros se alguns erros elementares de venda forem evitados. Os dados que aqui vou comentar referem-se somente à minha experiência dentro das livrarias e do modo de actuação dos livreiros em Portugal, não possuindo qualquer estudo que me permita tecer comentários mais sustentados. Com efeito estou consciente que não são necessárias leis nem estudos científicos para perceber determinados aspectos da realidade e que nos podemos orientar somente pela prática e experiência. Um desses erros perante o qual sou muito crítico prende-se com o modo como os livreiros expõem os livros ao chamado público geral. Por público geral entendo aquela massa de pessoas que sentem necessidade de ler e conhecer livros acessíveis e bem escritos sobre uma determinada área mas que, não sendo a sua área de conhecimentos, se sentem perdidos em como encontrar as leituras adequadas ao seu nível de compreensão. Entre esse público geral também podemos classificar aqueles grupos de pessoas que habitualmente não compram livros, mas que essa necessidade pode ser criada com uma divulgação ampla e adequada de livros. Claro que a divulgação de livros se merecesse por parte dos media ampla divulgação, teríamos em grande parte o problema resolvido, mas após umas décadas de TV não podemos ter esperança que esse seja o meio para fazer chegar os livros às pessoas e, no caso português, a imprensa escrita também não constitui grande ajuda. Não existe, por exemplo, uma revista dedicada aos livros que possua ampla projecção. Os jornais que existem e divulgam livros, fazem-nos para os umbigos dos críticos e das chamadas elites intelectuais. Aqueles que poucos hábitos de leitura têm ficam a ver navios. E os programas governamentais de apoio à leitura também não produzem grandes resultados no aumento de vendas de livros. No caso dos livros as novas tecnologias ainda não são concorrência, uma vez que a pirataria não consegue reproduzir a preços competitivos o valor do objecto e a sua manuseabilidade. Desta forma, cabe aos editores e livreiros criar as condições para que os livros se vendam.


Os Livreiros

Se entro numa livraria para comprar um livro de filosofia, movo-me com todo o à vontade para dispensar qualquer ajuda ou montra que mo apresente. Nessa área, que é a minha, sei o que quero. Mas o mesmo não acontece se procuro, por exemplo, saber mais um pouco de física. E se procuro saber mais um pouco de física, que não é a minha área de formação, por certo que não vou comprar um livro específico de física. Tenho de ter acesso, por exemplo, a um livro de introdução à física, sem a linguagem formal e técnica que uma ciência como a física exige em altas sofisticações. O mesmo acontece se pretendo comprar um livro de puericultura para obter uns conselhos práticos para educar o meu filho. Ao entrar na livraria, em princípio, não me dirijo às prateleiras dos livros das áreas que não são as do meu interesse. Mas aqui é que cabe a questão, não serei eu capaz de me interessar por física? Claro que sim, se os livros de introdução a essa ciência me mostrarem o quanto ela é importante na minha vida pessoal. Um livro de física é até muito mais importante na minha vida prática e pessoal do que um livro de magia. Com efeito, as pessoas compram mais livros de magia do que de física. Mas existe uma razão para que isto aconteça: é que os livros de magia entram-me pelos olhos dentro nas livrarias, ao passo que os livros de física que eu poderia ler, estão escondidos nas prateleiras de baixo, nas quais me tenho de curvar para os ver. Claro está que eu não posso procurar aquilo que não sei sequer que existe. Muitos leitores já devem estar a torcer o nariz, mas isto é a realidade que acontece em algumas livrarias, entre as quais, a Fnac. Tomando o exemplo da Fnac que melhor conheço e mais frequento, a da cidade onde vivo, o Funchal, quando me dirijo ao escaparate de divulgação científica, o que é que lá encontro? Livros técnicos de ciência, ao passo que os livros de divulgação científica como é o caso dos da Ciência Aberta da Gradiva estão escondidos. Admirado com esta realidade, quando questionei os responsáveis por tal, explicaram-me que tinham celebrado um protocolo com a universidade da Madeira e por essa razão tinham de expor os livros técnicos de ciência. Ora bem, os alunos universitários têm de comprar os livros técnicos porque os professores os recomendam. Por que razão então têm de os colocar no escaparate principal? Isto não faz sentido algum e só me prova que os livreiros são os primeiros agentes a não saber vender livros. Um consumidor que não saiba nada de ciência, ao olhar para aquele escaparate, jamais se vai interessar pela ciência, não sentindo qualquer proximidade com aqueles títulos. Mas não é isto que se passa com os livros de introdução à ciência que, entretanto, estão escondidos.
Um outro caso recente exemplifica a confusão que os próprios livreiros podem lançar nos consumidores de livros. Numa livraria observei que a filosofia estava classificada ao lado da religião, Filosofia / Religião. De imediato, numa tentativa sempre pedagógica, indaguei o responsável pelo serviço porque razão estava na prateleira a filosofia associada à religião. O responsável respondeu-me que historicamente os filósofos eram também religiosos. Ora o que expliquei ao responsável é que tal ideia é falsa e historicamente errada. Primeiro porque a filosofia surge exactamente com o propósito de questionar a verdade revelada pelos mitos divinos. Segundo porque até é verdade que uma boa parte dos filósofos estiveram ligados à instituição religiosa, principalmente na idade média, mas tal aconteceu porque era a única garantia que tinham para poder estudar. Além do mais, nesses mesmos períodos da história, qualquer estudioso, da química à física ou biologia, medicina, pintura, etc… estavam ligados à instituição religiosa, pelo que a livraria deveria, então, apresentar as classificações seguintes: Religião/Ciência, Religião/Literatura, Religião/Pintura, etc… O leitor desinformado tende a fazer confusões sobre uma área do saber como a filosofia, pressupondo que a filosofia é uma matéria entregue à religião, o que é falso. Felizmente este episódio acabou bem e o livreiro resolveu isolar a filosofia da religião. Outra questão prende-se com a arrumação dos livros. Por exemplo, recentemente a Bizâncio publicou a tradução do livro de Nigel Warburton, o que é a arte?. Em muitas livrarias é certo que vamos encontrar este livro na secção de artes, quando se trata de um livro da filosofia da arte, ainda por cima uma introdução a algumas das teorias contemporâneas da filosofia da arte. O livro organizado por Pedro Galvão, A ética do Aborto é encontrado em sociologia, quando, na verdade, se trata de um livro de filosofia moral ou ética aplicada. Nem sempre é fácil encontrar o livro de Peter Singer, Como havemos de viver (Dinalivro, 2005), arrumado nas secções de filosofia. Imagino que estes casos se passem de modo semelhante nas outras áreas do saber, muito embora eu esteja mais sensível ao caso da filosofia. É lamentável que isto aconteça quando estes livros se destinam a informar o leitor comum, não sendo requisito qualquer conhecimento prévio de filosofia. Mas o disparate ainda é maior quando observo que no escaparate principal das livrarias, em filosofia, encontro publicações altamente especializadas de filosofia que só interessam a quem sabe o que procura. Os escaparates destinam-se ao grande público e não aos públicos específicos. Isto é tanto mais razoável se pensarmos que em Portugal a venda de livros é um negócio exíguo. E ainda mais razoável é pensar que o dinheiro obtido pelas editoras com edições mais comerciais, poderia ser canalizado para sustentar publicações mais específicas que, dada a sua natureza, se vendem em menor número. Não se compreende então por que razão uma livraria tem o livro de Nigel Warburton escondido, mas exibe um qualquer livro de filosofia com um título cheio de pompa e circunstância que ninguém vai comprar. Só há uma explicação possível: os vendedores desconhecem o que estão a vender. Mas para conhecerem bastaria informar-se junto dos editores. Nem sequer exige muito esforço. Mas existe uma hipótese ainda mais subtil para este acontecimento e que desresponsabiliza parcialmente os livreiros, aspecto esse que se prende com o formalismo a que está voltado, desde sempre, o ensino da filosofia em Portugal. Qualquer livro com um título mais comum como “o que é a arte” ou, “como havemos de viver?” é, desde logo, classificado como sendo um livro de sociologia, por exemplo e nunca de filosofia. Um livro de filosofia teria de ter um título com, pelo menos, dois kilómetros e dificilmente decifrável pelo leigo. Como aqui defendo, nada mais disparatado.


Os editores

Esta é a outra face da mesma moeda, a política editorial dos próprios editores. Não faz sentido que os editores continuem a apostar em edições demasiado específicas quando não são acompanhadas por edições que divulguem as diversas áreas do saber. Sem dar os primeiros passos, como é que é possível dar os últimos? As edições especializadas tem de existir, mas que fazer com elas se não tivermos aquelas que transmitem o saber para os que nada sabem do assunto? Outro problema que aqui coloco prende-se com as opções de edição, muitas das vezes, erradas e comercialmente inviáveis. Porque é que traduzimos obras que já não estão no centro das discussões filosóficas, quando as que estão nem sequer se traduzem? O exemplo recente das Edições 70 é paradigmático, reeditando parte do seu fundo de catálogo de filosofia com obras que não traduzem os trabalhos mais interessantes na área. Claro está que não posso esquecer que a tradução dos clássicos é da maior importância. Sem o conhecimento dos clássicos é impossível compreender os contemporâneos. Mas o que se passa é que muitos editores publicam obras que são paralelas. Recentemente a Asa publicou um livro de inytrodução à filosofia de Stéphane Ferrett. Ora bem, este livro é escrito por um francês, para o público francês, para divulgar a filosofia anglo saxónica, uma vez que o autor doutorou-se em filosofia em Oxford e viu as necessidades de upgrades filosóficos na cultura francesa. Daqui não se entende a opção da Asa em traduzir do francês essa pequena obra, quando as temos às centenas directamente da fonte, com autores a escreverem em língua inglesa.

O caso “Mundo de Sofia”

Publicado em Portugal pela primeira vez em 1995, o Mundo de Sofia de Jostein Gaarder vai já, até 2006, na sua 27ª edição. É um caso raro de sucesso de vendas em Portugal e trata-se de um romance que expõe parte significativa da historiada filosofia. O que é que explica tal sucesso? O interesse espontâneo do público geral pela filosofia? Não é esta a explicação mais plausível. O Mundo de Sofia vende-se bem porque é um livro de introdução à filosofia (por sinal, já nem é o melhor disponível em língua portuguesa) que os professores de filosofia divulgam nas suas aulas no ensino secundário. Quererá isto dizer que se os professores de filosofia divulgassem outros livros, poderíamos ter mais sucesso nos livros de filosofia? A resposta é um redondinho sim. E também quer dizer que os professores devem e podem ser agentes importantes na divulgação de livros. Haverá sempre algum leitor que esteja a pensar que assim se transformavam os professores em vendedores de livros. Ora bem, tratando-se de livros de interesse científico e educacional, com uma forte vertente pedagógica, qual o problema? Será que também podemos acusar os professores de vendedores de giz, cadernos e esferográficas ou máquinas de calcular? De certeza que os alunos agradecem aos professores que lhes recomendem livros adequados para a sua idade e nível de compreensão de conhecimentos. Eu faço-o sistematicamente e observo que, indirectamente, vendo muitos livros. Que livros recomendo? Bem, posso satisfazer a curiosidade ao leitor. Divulgo livros como as introduções à filosofia escritas para gente jovem como as de Thomas Nagel e Nigel Warburton, publicados na Gradiva. Mas há outras igualmente interessantes como a de Daniel Kolak e Raymond Martin, sabedoria sem respostas, uma breve introdução à filosofia (Temas & Debates, 2002). Porquê estas e não outras? Porque respeitam dois critérios: não exigem conhecimentos prévios e introduzem os jovens no mundo dos problemas filosóficos de forma correcta e consistente. Mas recomendo livros de ciência, como alguns títulos da Ciência Aberta, mesmo pensando que devem ser os professores de física a recomendar os livros de física, ou de biologia a fazer o mesmo com os livros introdutórios da sua área. Este convívio com livros nas aulas produz muitos mais leitores do que possamos pensar. Mas é preciso lê-los para os saber divulgar. Era interessante a ideia dos livreiros e editores estabelecerem relações de proximidade com as escolas. A Coca Cola procura fazê-lo. As marcas de produtos tecnológicos como as Playstations fazem-no. E o sucesso das suas vendas deve-se a essa actuação. Não vejo razão para que tal não se possa fazer com os livros. As escolas é onde se formam os leitores. E não chega o formalismo com que se ensinam as obras para despertar interesse pelos livros. É preciso muito mais. É precisa uma estratégia de comercialização de livros que produza melhores resultados.

Conclusão

Os livros são objectos que não possuem qualquer privilégio. Como tudo no mundo, também os há bons, mais ou menos e maus e, pior que tudo, os muito maus. Mas é preciso fazer com que cheguem às pessoas. É preciso comercializá-los. A cultura não vive do ar, mas quando vendida em boas doses, é a actividade mais democrática que existe. Torna as pessoas mais exigentes e mais responsáveis, acima de tudo, mais actuantes. E esta razão, sendo simples, é suficiente para explicar o que é necessário fazer pelos livros.