sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Atirar matéria como quem atira sacos de cimento


Hoje tive uma experiência ainda não muito incomum, com muita pena minha. Sei que não é politicamente correcto publicar erros de colegas de profissão, mas não vislumbro modo melhor de poder melhorar a forma como se trabalha senão expô-la à crítica pública.
Fui solicitado para uma ajuda a um aluno, filho de amigos pessoais, para estudar filosofia. Desde logo estranhei o pedido, dado tratar-se de um bom aluno e sem dificuldades de maior. A verdade é que encontrei o jovem em apuros com a disciplina. Comecei por questionar alguns pormenores sobre as aulas e em poucos minutos percebi que estava perante mais um caso no qual o professor atira a filosofia como quem atira sacos de cimento, ou do que calhar, para cima dos jovens. Desde logo, o professor seguiu a definição de validade do manual. Acontece que essa definição está errada, mesmo sendo a que consta do manual do 10º ano mais adoptado em mais escolas do país. A definição sugere que um argumento é válido se as premissas forem verdadeiras e a conclusão também. Trata-se, obviamente, de uma definição cientificamente errada. Senão como é que o estudante vai entender um argumento como este:


O Rolando é professor de filosofia
Logo, o Benfica é um clube de futebol


Tanto premissa como conclusão são verdadeiras. Com efeito não consta de qualquer lógica possível que se trate de um argumento válido.
Mas o que se segue é ainda mais gravoso. Explicar ao aluno o que é a validade e por que razão em filosofia estudamos a validade dos argumentos não tem aqui grande peso. É que o mais que pode acontecer é o professor fazer uma questão no teste como: “Defina validade de um argumento”. Isto é tão certo como eu ter cinco dedos em cada mão. Caso contrário, se o professor estivesse interessado em compreender o que leu da definição de validade, com segurança se apercebia da enormidade que ali está. Mas este professor tanto pode ensinar filosofia, como outra coisa qualquer. O que ali está a fazer é a atirar sacos de cimento para cima dos alunos. Isto é o resultado imediato de um sistema de ensino que promove a irresponsabilidade e a ignorância. Cada vez mais os professores não sentem qualquer motivação em estudar para melhorar as suas deficiências de formação. Isto não é valorizado profissionalmente, nem sequer é avaliado nem existem mecanismos para avaliar tais coisas. O resultado desta incompetência é que encontrei um jovem de 15 anos que me parece ser um bom aluno, interessado e curioso e, ainda assim, completamente frustrado com a experiência de ter de aprender filosofia. E apesar da sua tenra idade percebe muito bem o que se está a passar com a disciplina de filosofia sem eu ter de lho dizer explicitamente como o faço aqui neste post, reservando qualquer identidade.
Erros todos cometemos. Erros elementares por pura incompetência, cheiram mal.

5 comentários:

António Daniel disse...

Olá Rolando. Como está aí o ambiente depois dos bem negociados 79 milhões? Estou no gozo, obviamente. Duas perguntas: Só por curiosidade, Qual o manual mais adoptado no 10º ano? Um argumento é válido se partirmos do seguinte pressuposto: se as premissa forem verdadeiras, a conclusão também será verdadeira. Creio que é esta a definição correcta, certo? De facto parece-me haver uma má interpretação semântica da noção de validade que, de acordo com o que disseste, o manual também enferma.
Abraço e coragem que isto de ter um blog é estar sujeito a tudo...

Rolando Almeida disse...

Olá Daniel,
O manual mais adoptado no 10º ano é o Pensar Azul, da Texto Ed.
Um argumento é válido se for impossível ou pouco provável que dada a verdade das premissas, a conclusão também é verdadeira. Vamos ver aqui alguns aspectos. Porque digo "pouco provável"? Porque a definição de validade tanto serve para a validade dedutiva como para a não dedutiva e é esta a definição que deve ser dada no 10º ano. No 11º especificamos a validade dedutiva e a não dedutiva e aí podes usar o provável para a não dedutiva e o impossível para a dedutiva. Faço-me entender?
A tua definição está certa se partirmos do pressuposto que é a verdade das premissas que conduz à verdade da conclusão. Só que acontece que um argumento pode ter premissas falsas e conclusão falsa e ainda assim ser na mesma válido, pelo que a verdade não garante a validade do argumento. A única coisa que podemos saber - e essa é a definição - é que para o argumento ser válido não pode acontecer nenhuma circunstância em que as premissas sejam V e a conclusão ser F. De resto, tudo pode acontecer no argumento. Como é que se sabe isto? Aplicando um inspector de circunstâncias no qual, para cada proposição, atribuimos valores de verdade. Por exemplo, se trabalhos com duas proposições apenas no argumento, temos P e Q. Temos que fazer variar na tabela as circunstâncias possíveis em que se dá verdade para as duas proposições. E são 4: ou ambas são V ou ambas F, ou P é V e Q F ou o contrário. Não há mais nenhuma. Se numa destas tivermos premissa do argumento V e conclusão F, sabemos logo que o argumento é inválido, dedutivamente. Claro que no início usamos exemplos tão simples, que mesmo sem aplicar o inspector sabemos logo se é válido ou não. É também por essa razão que se chama inspector de circunstâncias, já que o que com ele fazemos é inspeccionar as circunstâncias logicamente possíveis em que há V ou F para P e Q. A definição do manual não cobre estas possibilidades.
Pá, nem sei se esse dinheiro todo para a island ´´e uma boa ou má notícia. Mas há uma questão que pode ser colocada: se a Madeira o segundo PIB mais alto do país, por que razão governos atrás de governos autorizam ainda mais endividamento? E até governos de cor diferente autorizam. Não sei se é isto que explica, mas não encontro outra razão. A Madeira tem um ofshore que é a galinha de ovos de ouro de muitos empresários portugueses e que garante uma boa fatia ao orçamento do governo central. Talvez isto explique tanta benovelocência para a ilha.
abraço

Anónimo disse...

Meus caros, vamos lá a ter bom senso.

Uma pequena nota. O manual em causa (705 Azul) não diz bem isso, diga-se em abono da verdade. O que diz é qualquer coisa como: "num raciocínio/argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras, a conclusão é necessariamente verdadeira", ou, o que é o mesmo, a verdade será preservada na conclusão de um argumento dedutivo válido.
Sei disso pois já tive a oportunidade de trabalhar com esse manual.


Carlos JC Silva

Anónimo disse...

... a verdade será preservada na conclusão de um argumento dedutivo válido com premissas verdadeiras.

Lapso meu

Carlos JC SIlva

Rolando Almeida disse...

Carlos,
O manual em causa é o Pensar Azul, do 10º ano. Não posso precisar neste momento, mas creio ter lido bem a definição dada no manual do 10º ano. Além do mais define-se validade com a definição apenas da validade dedutiva. Acontece que a validade também pode ser não dedutiva já que existem argumentos não dedutivos que são válidos e aí a definição dada não se aplica.
É isto que está em causa em nome da verdade :-)
Mas obrigado pelo alerta. terei o cuidado de rever a definição dada no manual em causa.