sábado, 31 de outubro de 2009

Confusões e ridículo no ensino

bureaucracy1

A burocracia que tem assolado o sistema de ensino é no mínimo caricata. De um ano para outro passei a ver os professores preocupados com burocracia e pouco com o miolo das aulas, que é prepararem as lições. Tenho-me deparado com situações caricatas. Vou aqui dar um pequeno exemplo. Para leccionar uma turma (vou pegar no exemplo de uma turma de cidadania, nos cefs) pedem-me 3 tipos de planificação: uma anual, uma trimestral e uma aula a aula. Concentremo-nos agora na planificação anual e trimestral. Em primeiro lugar temos de definir para que serve uma planificação e de modo muito simples ela serve para guia das aulas do professor, isto é, é pela leitura da planificação que o professor pode saber quantas aulas tem para a unidade X, que recursos tem e que estratégias pode aplicar. Logo à partida, para um sistema de ensino que se pretende contextualizado a diferentes realidades, uma planificação aparece como castradora. Mas não vou pegar por aqui. Afinal uma planificação é um conjunto de intenções que deve ser flexível, simples e aplicável. O professor para planificar uma aula tem de ter à sua frente os materiais (que pode ser o manual, por exemplo) e a planificação. Se tem uma planificação anual e uma outra trimestral, com qual planificação deve o professor trabalhar? Supostamente qualquer planificação tem de mencionar pelo menos dois pontos na tabela: os tempos e os conteúdos. Nesse caso tanto a planificação anual como a trimestral, que as escolas parecem cada vez mais apostadas em exigir, dizem exactamente o mesmo. Então para que se quer uma planificação trimestral? Não bastaria a anual? Além do mais sejamos práticos e simples a pensar. Um professor vai preparar uma aula. Senta-se, abre o manual, faz pesquisa na sua biblioteca pessoal e depois enfrenta 3 planificações. Para qual olha? Seja qual for a sua opção uma coisa é certa: das 3 planificações vai ter de ignorar duas. Nesse caso para que servem tantas planificações? Para nada, rigorosamente nada. Serve para fazer arquivo, aumentar dispêndio de recursos e apresentar produtividade zero. Mas há ainda um aspecto curioso a considerar: o próprio Ministério da Educação tutela e produz os programas. Os programas contêm já uma planificação. Ou seja, a conta é simples: o professor tem a planificação que consta no programa, mais 3 planificações que o grupo disciplinar produz. Para quê tanta planificação? Qual é o objectivo de tanta planificação?

Mas vamos ainda mais longe: uma das coisas que a planificação anual pode conter é precisamente a divisão dos conteúdos por períodos. Nos programas oficiais essa divisão já está feita. Ou seja, se esta divisão está já feita nos planos anuais, qual o sentido de impor planificações trimestrais? A realidade é que não existe qualquer diferença substancial entre uma planificação anual e uma trimestral. 3 planificações trimestrais fazem uma anual e esta é uma conta que qualquer criança é perfeitamente capaz de realizar. Não se percebe então o que se passa na cabeça das pessoas que são mais papistas que o papa e pedem planificações anuais e trimestrais. Isto é realmente brincar ao trabalho e não trabalho efectivo e real.

E isto para não pegar no facto de muitas planificações anuais terem mais de 20 páginas. Ou seja, são feitas para inglês ver já que são tudo menos práticas e úteis. E é triste perceber que se perde tanta energia nestas tarefas burocráticas quando depois este material vai direito para o lixo. Pior que isto não conheço. Se algum colega leitor tiver melhor explicação que a minha, agradeço que a deixe na caixa de comentários.

3 comentários:

António Daniel disse...

Caro rolando, não foi Weber que falou na burocracia como forma exercer poder? A burocracia legitima a passividade, amedronta o seu não cumprimento, ocupa tempo precioso, isto é, retira o vitalismo e a originalidade. Neste mundo nada se faz por acaso. Na minha escola houve uma reunião para se aprovar uns documentos decorrente das tarefas de direcção de turma. Muitos pontos e alguns parecidos com este: «os directores de turma devem contabilizar as faltas dos alunos». Como? Pois é, a norma impõe-se de tal forma que infantiliza. Quando passaremos para o mundo dos adultos?
PS: No post da Crítica, gostei da referência que fizeste à utilização do snobismo filosófico para cativar o sexo oposto. Deu resultado?

Rolando Almeida disse...

Viva Daniel,
Olha que dar um ar de merdoso intlectual dava alguns frutos, mas depois comprometias-te a revelar mais o poder do intelecto do que o poder da líbido e passar de uma fase a outra era arriscado já que podias perder admiradoras.

Jaime Quintas disse...

Rolando,

Tirei uma vez um curso de formação de formadores e a formadora dizia que os três aspectos mais importantes para uma boa acção de formação eram, e cito, "planear, planear, planear".

Talvez alguém no ministério tenha levado isto demasiado à letra :-)...