Dou aqui mais algumas sugestões que podem constituir um
pequeno e modesto guia para orientar a adopção do manual de filosofia para os
próximos anos.
1º Não existe qualquer relevância filosófica em enunciar
características da filosofia como a historicidade, universalidade, radicalidade
e autonomia. Não caracterizam mais a filosofia que qualquer outro saber ou
ciência. Isto é desnecessário didacticamente se pensarmos que em sua
substituição podemos caracterizar a filosofia como um saber a priori e, dada a natureza dos
problemas que estuda, recorrendo à argumentação. Trata-se de uma explicação
mais limpa, mais próxima do que se pretende com a disciplina e mais fiel ao
espírito da filosofia. É didacticamente mais adequada até porque é com isso que
o aluno se vai confrontar ao longo do seu estudo e não com a historicidade,
autonomia, universalidade e radicalidade.
2º Não há qualquer relevância filosófica quando tratamos
alguns problemas do ponto de vista sociológico. E é errado pressupor que assim
tornamos o ensino da filosofia mais apelativo pois não estamos, sequer, a
ensinar filosofia. Seria o mesmo que explicar aos alunos o que é a grande
muralha da China, para concluir que foram necessários muitos cálculos de
matemática e dizer que isso é ensinar matemática. Não é.
3º Não é mais fácil fugir à lógica com o argumento de que se
facilita o ensino da filosofia. A lógica é, aliás, a única matéria que não
exige qualquer pressuposto de contexto social e familiar. Um aluno de um
contexto pobre precisa - para aprender a pensar com lógica - do mesmo
equipamento que um aluno de um contexto rico: um cérebro saudável. Ao passo que
interpretar textos, pode revelar-se mais fácil para o aluno de um contexto onde
foi habituado desde cedo aos livros.
4º É errado pressupor que alunos de 15 anos compreendem melhor a
filosofia a partir de textos de filósofos como Nietzsche, Heidegger, Deleuze ou Paul
Ricoeur. Não se questiona aqui o contributo que cada um deles deu à filosofia,
mas são em regra autores demasiado especializados para serem abordados num
estudo que é ainda de nível básico e introdutório. Claro que há autores difíceis
que não se pode fugir, tanto pelas exigências das avaliações externas como pela
sua centralidade na discussão de alguns problemas da filosofia.
5º É errado afirmar que num argumento dedutivo se parte de
premissas mais gerais para menos gerais e num não dedutivo se passa o
contrário. E também é completamente descabido afirmar que um argumento dedutivo
tem de ter mais que uma premissa. Premissas são razões e podemos ter tanto uma,
como várias.
6º Não se consegue conduzir o estudo do aluno para o espírito
crítico se não lhe for mostrado no seu único e primeiro livro de filosofia como
a filosofia se faz, isto é, com a discussão activa de argumentos. É por isso
didacticamente mais acertado que o livro do aluno (o manual) tenha as teses que
procuram resolver os problemas propostos, mas também tenham as principais
refutações a essas teses. Sem as refutações bem claras, não se percebe a razão
pela qual se afirma no início que a filosofia é a discussão de problemas.
7º Não se deve confundir duas coisas: frases e proposições.
As proposições não são frases. As frases são convenções formadas por caracteres
inscritas no papel, por exemplo. As proposições são conteúdos de pensamento
expresso nas frases e com valor de verdade. Se as proposições fossem o mesmo
que as frases, até uma frase interrogativa teria de ser uma proposição. Estes
conhecimentos parecem insignificantes, mas não são. É da sua clarificação que
vamos conseguir ensinar filosofia com eficácia ao longo de 2 anos aos alunos.
8º Parece-me uma opção correcta avançar logo para a discussão
de argumentos filosóficos sem explicitar minimamente a caixa de ferramentas da
filosofia. Hoje em dia temos imensos livros que o fazem de forma eficaz. Mas o
programa impõe limitações e os autores optam por explicitar algumas regras do
discurso filosófico logo no início dos manuais. Mas não é correcto explicar o
que são premissas, conclusão, argumentos, validade e verdade e não mais usar
essas ferramentas ao longo do manual. Se perdemos tempo a explicá-las, não é
porque sejam um problema filosófico, mas porque devem ser usadas quando
partimos para a acção de filosofar. Há quem argumente que a filosofia não se
reduz à validade dos argumentos. No entanto nenhum bom manual reduz a filosofia
a estas ferramentas. Mas um bom manual quando as propõe ao aluno, usa-as na
análise dos argumentos. Caso contrário para quê perder tempo a ensiná-las?
Didacticamente não tem qualquer relevância, pois se forem ensinadas sem serem
usadas não têm qualquer aplicabilidade prática.
Mais sugestões AQUI.
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