domingo, 28 de abril de 2013

Manuais 2013 – como escolher um bom manual 2


Dou aqui mais algumas sugestões que podem constituir um pequeno e modesto guia para orientar a adopção do manual de filosofia para os próximos anos.

1º Não existe qualquer relevância filosófica em enunciar características da filosofia como a historicidade, universalidade, radicalidade e autonomia. Não caracterizam mais a filosofia que qualquer outro saber ou ciência. Isto é desnecessário didacticamente se pensarmos que em sua substituição podemos caracterizar a filosofia como um saber a priori e, dada a natureza dos problemas que estuda, recorrendo à argumentação. Trata-se de uma explicação mais limpa, mais próxima do que se pretende com a disciplina e mais fiel ao espírito da filosofia. É didacticamente mais adequada até porque é com isso que o aluno se vai confrontar ao longo do seu estudo e não com a historicidade, autonomia, universalidade e radicalidade.

2º Não há qualquer relevância filosófica quando tratamos alguns problemas do ponto de vista sociológico. E é errado pressupor que assim tornamos o ensino da filosofia mais apelativo pois não estamos, sequer, a ensinar filosofia. Seria o mesmo que explicar aos alunos o que é a grande muralha da China, para concluir que foram necessários muitos cálculos de matemática e dizer que isso é ensinar matemática. Não é.

3º Não é mais fácil fugir à lógica com o argumento de que se facilita o ensino da filosofia. A lógica é, aliás, a única matéria que não exige qualquer pressuposto de contexto social e familiar. Um aluno de um contexto pobre precisa - para aprender a pensar com lógica - do mesmo equipamento que um aluno de um contexto rico: um cérebro saudável. Ao passo que interpretar textos, pode revelar-se mais fácil para o aluno de um contexto onde foi habituado desde cedo aos livros.

4º É errado pressupor que alunos de 15 anos compreendem melhor a filosofia a partir de textos de filósofos como Nietzsche, Heidegger, Deleuze ou Paul Ricoeur. Não se questiona aqui o contributo que cada um deles deu à filosofia, mas são em regra autores demasiado especializados para serem abordados num estudo que é ainda de nível básico e introdutório. Claro que há autores difíceis que não se pode fugir, tanto pelas exigências das avaliações externas como pela sua centralidade na discussão de alguns problemas da filosofia. 

5º É errado afirmar que num argumento dedutivo se parte de premissas mais gerais para menos gerais e num não dedutivo se passa o contrário. E também é completamente descabido afirmar que um argumento dedutivo tem de ter mais que uma premissa. Premissas são razões e podemos ter tanto uma, como várias.

6º Não se consegue conduzir o estudo do aluno para o espírito crítico se não lhe for mostrado no seu único e primeiro livro de filosofia como a filosofia se faz, isto é, com a discussão activa de argumentos. É por isso didacticamente mais acertado que o livro do aluno (o manual) tenha as teses que procuram resolver os problemas propostos, mas também tenham as principais refutações a essas teses. Sem as refutações bem claras, não se percebe a razão pela qual se afirma no início que a filosofia é a discussão de problemas.

7º Não se deve confundir duas coisas: frases e proposições. As proposições não são frases. As frases são convenções formadas por caracteres inscritas no papel, por exemplo. As proposições são conteúdos de pensamento expresso nas frases e com valor de verdade. Se as proposições fossem o mesmo que as frases, até uma frase interrogativa teria de ser uma proposição. Estes conhecimentos parecem insignificantes, mas não são. É da sua clarificação que vamos conseguir ensinar filosofia com eficácia ao longo de 2 anos aos alunos.

8º Parece-me uma opção correcta avançar logo para a discussão de argumentos filosóficos sem explicitar minimamente a caixa de ferramentas da filosofia. Hoje em dia temos imensos livros que o fazem de forma eficaz. Mas o programa impõe limitações e os autores optam por explicitar algumas regras do discurso filosófico logo no início dos manuais. Mas não é correcto explicar o que são premissas, conclusão, argumentos, validade e verdade e não mais usar essas ferramentas ao longo do manual. Se perdemos tempo a explicá-las, não é porque sejam um problema filosófico, mas porque devem ser usadas quando partimos para a acção de filosofar. Há quem argumente que a filosofia não se reduz à validade dos argumentos. No entanto nenhum bom manual reduz a filosofia a estas ferramentas. Mas um bom manual quando as propõe ao aluno, usa-as na análise dos argumentos. Caso contrário para quê perder tempo a ensiná-las? Didacticamente não tem qualquer relevância, pois se forem ensinadas sem serem usadas não têm qualquer aplicabilidade prática. 

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