Com alguma frequência observa-se que quando se ouve falar em “premissas”
e “conclusão”, há uma reacção imediata: “Isso é logicismo, é reduzir a filosofia à
lógica”; “ A filosofia não se pode
reduzir à lógica”. O mesmo se passa quando se fala em “validade”, “argumento”,
etc.. ou qualquer palavra que cheire a lógica se relacionada com a filosofia.
Acontece que esta ideia é falsa e, creio, tem origem nas
universidades, pelo menos a avaliar pela experiência que eu próprio tive na
universidade.
Curiosamente quem defende tais ideias falsas, não defende,
por exemplo, que Aristóteles reduziu toda a sua investigação (que se estende
muito além da filosófica) à lógica, já que ele é o pai do bicho papão que assusta
tantas pessoas.
Uma variação da mesma fórmula, mas com maior subtileza é
alegar que a filosofia de um filósofo não se pode compreender só em função de
argumentos válidos e inválidos.
Pela experiência que recolho, o problema maior destas
acusações é que elas chegam sozinhas, isto é, sem qualquer suporte (para não
dizer “razões” ou “premissas”) que as justifiquem (para não dizer, que apoiem a
“tese a defender” ou “conclusão”). Por essa razão também se torna difícil dar
resposta a meras afirmações (para não dizer que não posso sequer compreender
tratar-se ou não de “argumentos válidos”). Felizmente na filosofia não estamos
no reino do “é assim porque me apetece
que assim seja”.
De onde nos chegam, afinal, as tais ideias erradas?
Recordo que estudei uma só vez durante todo o curso o Círculo de Viena. Foi assim que ficaram
conhecidos os positivistas lógicos. E esses sim pretendiam reduzir toda a
filosofia à clarificação lógica da linguagem, e fortemente influenciados pelo
Wittgenstein do 1º Tratactus.
Curiosamente tanto o Wittgenstein (filósofo amplamente aceite nos círculos universitários
portugueses) como os próprios fundadores do círculo de Viena, ainda em vida,
recusaram algumas das suas principais teses iniciais, com quais propunham então
a redução da filosofia à análise lógica da linguagem.
As ideias iniciais dos positivistas lógicos podem soar-nos,
hoje, como ideias completamente descabidas. Tal como as ideias do geocentrismo
ptolomaico nos parecem descabidas. Só que o progresso em conhecimento se faz
com ideias que são descabidas num momento e a investigação vem a mostrar que
são boas ideias mais tarde ou então pode acontecer o contrário, ideias
amplamente aceites e cuja investigação acaba por relevar que, afinal, estão
erradas. Isso é o que acontece em qualquer saber onde se faça investigação
rigorosa e sistemática.
Usar epítetos como “reduzir
a filosofia à lógica” não é mais do que recorrer a uma estratégia saloia
para atingir o trabalho de alguém de quem não se tem muita simpatia.
Durante o meu curso de filosofia (no qual se reduziu a
filosofia ao teatro decadente do intelectual metafórico, à fenomenologia e
Heidegger, aos relativismos mais disparatados) passou-se algumas vezes esta
ideia de que o projecto do positivismo lógico não passou de uma caricatura
filosófica. E a imensa comunidade do senso comum filosófico encontrou
finalmente um inimigo a abater: a lógica.
Felizmente esta ideia errada do uso da lógica não é muito
comum para quem investiga seriamente filosofia. E digo felizmente pois é dessa
maneira que temos assistido a enormes progressos na filosofia nas últimas
décadas.
Um outro esclarecimento interessante é que as ideias anti-metafísicas
(porventura muito mais relevantes no circulo de Viena do que o logicismo)
nascem no seio da filosofia dita “continental”. Claro que se propagam para os
países anglo-saxónicos, mas para compreender porque se afastam do centro da
Europa temos de compreender o contexto da segunda grande guerra que afastou os
intelectuais europeus para esses países.
Acontece que os positivistas lógicos tiveram muitas ideias
tolas, mas não tão tolas quanto nos fazem, por vezes e erradamente, crer. Por
essa razão algumas das suas ideias deixaram a sua marca na filosofia contemporânea.
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