terça-feira, 23 de abril de 2013

Logicismos



Com alguma frequência observa-se que quando se ouve falar em “premissas” e “conclusão”, há uma reacção imediata:  “Isso é logicismo, é reduzir a filosofia à lógica”; “ A filosofia não se pode reduzir à lógica”. O mesmo se passa quando se fala em “validade”, “argumento”, etc.. ou qualquer palavra que cheire a lógica se relacionada com a filosofia.

Acontece que esta ideia é falsa e, creio, tem origem nas universidades, pelo menos a avaliar pela experiência que eu próprio tive na universidade.

Curiosamente quem defende tais ideias falsas, não defende, por exemplo, que Aristóteles reduziu toda a sua investigação (que se estende muito além da filosófica) à lógica, já que ele é o pai do bicho papão que assusta tantas pessoas.

Uma variação da mesma fórmula, mas com maior subtileza é alegar que a filosofia de um filósofo não se pode compreender só em função de argumentos válidos e inválidos.

Pela experiência que recolho, o problema maior destas acusações é que elas chegam sozinhas, isto é, sem qualquer suporte (para não dizer “razões” ou “premissas”) que as justifiquem (para não dizer, que apoiem a “tese a defender” ou “conclusão”). Por essa razão também se torna difícil dar resposta a meras afirmações (para não dizer que não posso sequer compreender tratar-se ou não de “argumentos válidos”). Felizmente na filosofia não estamos no reino do “é assim porque me apetece que assim seja”.

De onde nos chegam, afinal, as tais ideias erradas?

Recordo que estudei uma só vez durante todo o curso o Círculo de Viena. Foi assim que ficaram conhecidos os positivistas lógicos. E esses sim pretendiam reduzir toda a filosofia à clarificação lógica da linguagem, e fortemente influenciados pelo Wittgenstein do 1º Tratactus. Curiosamente tanto o Wittgenstein (filósofo amplamente aceite nos círculos universitários portugueses) como os próprios fundadores do círculo de Viena, ainda em vida, recusaram algumas das suas principais teses iniciais, com quais propunham então a redução da filosofia à análise lógica da linguagem.

As ideias iniciais dos positivistas lógicos podem soar-nos, hoje, como ideias completamente descabidas. Tal como as ideias do geocentrismo ptolomaico nos parecem descabidas. Só que o progresso em conhecimento se faz com ideias que são descabidas num momento e a investigação vem a mostrar que são boas ideias mais tarde ou então pode acontecer o contrário, ideias amplamente aceites e cuja investigação acaba por relevar que, afinal, estão erradas. Isso é o que acontece em qualquer saber onde se faça investigação rigorosa e sistemática.

Usar epítetos como “reduzir a filosofia à lógica” não é mais do que recorrer a uma estratégia saloia para atingir o trabalho de alguém de quem não se tem muita simpatia.

Durante o meu curso de filosofia (no qual se reduziu a filosofia ao teatro decadente do intelectual metafórico, à fenomenologia e Heidegger, aos relativismos mais disparatados) passou-se algumas vezes esta ideia de que o projecto do positivismo lógico não passou de uma caricatura filosófica. E a imensa comunidade do senso comum filosófico encontrou finalmente um inimigo a abater: a lógica.

Felizmente esta ideia errada do uso da lógica não é muito comum para quem investiga seriamente filosofia. E digo felizmente pois é dessa maneira que temos assistido a enormes progressos na filosofia nas últimas décadas.

Um outro esclarecimento interessante é que as ideias anti-metafísicas (porventura muito mais relevantes no circulo de Viena do que o logicismo) nascem no seio da filosofia dita “continental”. Claro que se propagam para os países anglo-saxónicos, mas para compreender porque se afastam do centro da Europa temos de compreender o contexto da segunda grande guerra que afastou os intelectuais europeus para esses países.
Acontece que os positivistas lógicos tiveram muitas ideias tolas, mas não tão tolas quanto nos fazem, por vezes e erradamente, crer. Por essa razão algumas das suas ideias deixaram a sua marca na filosofia contemporânea.

Para saber mais: http://criticanarede.com/docs/etlf_positivismo.pdf

Sem comentários: