quarta-feira, 10 de abril de 2013

Filosofia Política para principiantes


Para os meus alunos reproduzo aqui uma muito breve exposição dos problemas de filosofia política que estudamos nas aulas, um texto assinado pelo meu amigo Domingos Faria que trabalha comigo no manual on-line da Sebenta Editora. O texto está alojado AQUI.


(I)
Os dois principais problemas de filosofia política estudados no ensino secundário são os seguintes:
Problema da justificação do Estado

Será que a autoridade do Estado é legítima? Ou seja, num Estado os cidadão são obrigados a obedecer às leis, às sentenças dos juízes, às ordens da polícia, etc. Caso desrespeitem isso, são forçados a pagar coimas ou a ir para a prisão. Mas por que razão cidadãos autónomos devem ser tratados desta forma?

A este problema os anarquistas respondem negativamente: a autoridade do Estado é uma mera violação ilegítima da liberdade das pessoas.
                                                                                         
Porém, existem respostas positivas ao problema de dois tipos:

Por um lado, naturalistas, como Aristóteles, defendem que o ser humano não se desenvolve isoladamente, mas em comunidade; sobretudo na comunidade mais completa e perfeita que é a “polis” (cidade-estado), a qual visa assegurar a vida boa. Assim, a vida na “polis” corresponde a uma necessidade natural dos seres humanos, pelo que o Estado tem uma justificação natural.

Por outro lado, contratualistas, como Locke, defendem que o Estado tem origem num contrato celebrado entre pessoas livres de forma a proteger as suas vidas e propriedades. A ideia é que no estado de natureza (numa situação sem Estado politicamente organizado) existem problemas, como a questão da administração da justiça. Para que a propriedade não fique ameaçada, as pessoas celebram tacitamente um contrato social e aceitam livremente a origem do governo.
Problema da justiça social

Será justa uma sociedade na qual a distribuição de rendimentos e riqueza é desigual? Ou apenas será justa se tal distribuição for igual? Imaginemos uma sociedade em que grande parte das pessoas vive em grande pobreza, apesar de existir uma pequena elite de pessoas multimilionária. Será esta sociedade justa? Imaginemos outra sociedade em que as pessoas têm exatamente a mesma riqueza e em que tudo é distribuído igualitariamente. Será justa uma tal sociedade onde todos têm o mesmo, independentemente do que trabalhem, do que se esforcem ou dos dons que tenham? Afinal, o que é efetivamente uma sociedade justa?

A este problema Rawls responde, numa perspetiva tendencialmente mais igualitarista, que numa sociedade justa deve-se assegurar iguais liberdades e oportunidades para todos e que a redistribuição do rendimento e da riqueza deve ser feito à luz deste objetivo. Por isso, não aceita distribuições muito desiguais, uma vez que limitam consideravelmente as liberdades e as oportunidades dos mais pobres. Aliás, as desigualdades na distribuição só são aceitáveis se trouxerem benefícios para todos, de modo especial para os mais desfavorecidos. Se não for esse o caso, então o Estado deve intervir, por exemplo, com impostos e outras tributações, de modo a manter este padrão de justiça que assegure iguais oportunidades e liberdades para todos.

Já Nozick considera que esta interferência do Estado é eticamente inaceitável, pois viola direitos de propriedade e desrespeita a liberdade individual de cada um gerir o seu rendimento e riqueza como bem entender. Por isso, Nozick avança com uma conceção alternativa de justiça que é libertista.

(II)
Além destes problemas, existem outros interessantes que se podem tratar com os alunos, como é o caso do “problema da desobediência civil” (existirão casos em que violar a lei é moralmente aceitável?) ou do “problema da descriminação positiva” (serão justas as leis que favorecem umas pessoas em relação a outras, como o caso da lei da paridade?).

Perante estes problemas e teorias os professores devem estimular o pensamento crítico dos alunos de modo a que eles assumam uma decisão e posição fundamentada. Em relação a muitos problemas filosóficos, não decidir pode ser uma posição respeitável. Porém, em política, a indiferença é uma posição autorrefutante, pois não decidir ou não ter posição é deixar que outros decidam por nós (seja o que for que decidam). Como alerta o filósofo Jonathan Wolff, na introdução do livro An Introduction to Political Philosophy (tradução portuguesa na Gradiva),
(…) pode não interessar se uma sociedade não tem uma política oficial sobre a solução para o problema do livre-arbítrio, mas em todas as sociedades há alguém que detém o poder político e a riqueza encontra-se distribuída de uma forma ou de outra. (…) Aqueles que preferem não participar verão as decisões políticas serem tomadas por si, quer gostem delas quer não. Nada dizer ou fazer é, na prática, dar aval à situação atual, por insatisfatória que seja.

Domingos Faria

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