Com alguma frequência apresenta-se a polaridade dos valores,
assim como a hierarquia como matérias centrais no estudo dos valores no 10º
ano. Ora, nem a polaridade nem a hierarquia traduzem qualquer problema para os
filósofos que seja relevante. Afirmar que os valores tem polaridade, um polo
positivo e um negativo não é mais do que uma trivialidade. E não se pede mais
ao estudante do que saber uma série de antónimos: belo/feio; Justo/injusto;
Certo/errado, etc. Didaticamente e para o ensino da filosofia em especial, a
propalada polaridade dos valores não possui qualquer interesse. Além disso o
que faz o aluno com esse conhecimento? Que competência filosófica relevante
está a exercitar? O espírito crítico não é certamente. Ademais perder tempo com
estas coisas é tornar o ensino da disciplina enfadonho e inútil. Claro parece
que o professor pode fazer referência a este tipo de conteúdo, sem prejuízo
algum. No entanto não o deve colocar no patamar dos conteúdos relevantes e
centrais a saber. Se os manuais o fazem, pior ainda.
O mesmo se passa em relação à hierarquia de valores. Não mais
se faz a não ser constatar trivialidades, como a de que diferentes sociedades
possuem diferentes hierarquias.
Qual é, então, o problema central nesta unidade e
didaticamente relevante para ser abordada nas aulas de filosofia?
Algumas vezes observei que se define objetividade e
subjetividade de um modo errado e absurdo. Cheguei mesmo a ver subjetividade
definida como “ideal” ao passo que objetividade é definida como “objeto”. Claro
que os estudantes não percebem isto. E não percebem porque: 1º nada há a
perceber; 2º é uma confusão das coisas e está errado.
Subjetividade e objetividade respeita às afirmações que
fazemos e à sua relação com a verdade. Fazemos afirmações sobre factos e
afirmações sobre valores, vulgo juízos de facto e juízos de valor. Especialmente
no secundário haveria de corrigir alguns aspetos terminológicos. Isto porque se
ensina na primeira unidade o que é uma proposição, mas quando se fala em
valores fala-se em juízos. Nada me parece errado aqui. Mas seria preferível
referir “proposições sobre factos” e “proposições sobre valores”, já que é
disso que se trata e, desse modo, habituávamos os estudantes a uma
uniformização lexical que me parece de todo vantajosa, pelo menos neste nível
de ensino. Não digo que não se possa distinguir de alguma maneira juízos de
proposições, mas tal não apresenta qualquer vantagem para a compreensão dos
problemas e apresenta a desvantagem de uma vez se falar em proposições e outras
em juízos quando o referente é exatamente o mesmo. Voltando ao assunto, o que
interessa aqui distinguir é que ao passo que proposições sobre factos têm valor
de verdade, isto é, são verdadeiras ou falsas dependendo do estado de coisas no
mundo, o mesmo não sabemos em relação às proposições sobre valores. Pegando num
exemplo, a proposição “O João mede 1m76cm” tem valor de verdade, isto é, é
verdadeira se de facto o João mede 1m76cm e é falsa se o João mede, por
exemplo, 1m82cm. De igual modo a proposição “Deus existe” tem valor de verdade,
mesmo que não saibamos se existe ou não. Dito de outro modo que também aqui é
interessante, o valor de verdade de uma proposição sobre factos depende do
estado de coisas do mundo. E quanto ao valor de verdade de proposições sobre
valores? Aqui é que a questão filosófica surge e não saber se os valores tem 2
polos ou uma hierarquia. Ora, há teorias filosóficas que defendem que o valor
de verdade de proposições sobre valores não depende do estado de coisas no
mundo, tal como as proposições sobre factos, mas das crenças, preferências e
desejos dos sujeitos. Esta teoria chama-se subjetivista. Há até teorias que
defendem que os valores não tem qualquer valor proposicional, isto é, não são
mais do que a expressão dos estados emocionais dos sujeitos (Emotivismo). E
ainda há uma outra forma de subjetivismo que defende que a verdade de
proposições sobre valores depende do que cada sociedade aprova. A esta teoria
chama-se relativismo, também chamada relativismo cultural (já que existem
outras expressões de relativismo, como o epistémico, metafísico, etc) Por que
razão temos aqui problema filosófico? Vamos supor que defendemos o
subjetivismo. Nesse caso defendemos que a verdade de proposições sobre valores
depende diretamente das crenças, desejos e preferências de cada um. Se o Luís
acredita que X é correto, então X é correto (valores morais). Se o Luís
acredita que X é belo, então X é belo (valores estéticos). Se o Luís acredita
que X é justo, então X é justo (valores políticos). Há certamente muitas vantagens
(argumentos) na defesa do subjetivismo que não cabe neste curto texto explorar.
Mas há muitas objeções à teoria: torna a discussão sobre valores impraticável,
leva-nos a aceitar como corretos valores que pensamos serem inaceitáveis, etc…
É por essa razão que há uma tese que nega o subjetivismo. Sabendo um pouco de
lógica e tendo ensinado os alunos na primeira unidade a negar proposições, de
imediato percebemos que a negação da
tese “os valores são subjetivos” não é “os valores não são subjetivos”, mas
antes, “alguns valores não são subjetivos”. Com efeito aqui nem é preciso ter
noções de lógica. Basta pensar um pouco para perceber que há valores obviamente
subjetivos e daí não se segue problema algum. A questão de relevo é tentar saber
se haverá pelo menos alguns valores que não são subjetivos.
Referi apenas alguns breves aspetos do problema. Ensinar
filosofia e passar ao lado destes aspetos é ao mesmo tempo abrir portas para
que a disciplina perca qualquer interesse e utilidade na formação dos
estudantes.
Sem comentários:
Enviar um comentário