quarta-feira, 10 de maio de 2023

Fazer pontes com raciocínios

Numa das minhas aulas recentes tinha como objetivo explicar aos alunos a diferença que Mill falou entre prazeres superiores e inferiores. Entre os superiores temos prazeres como os intelectuais, estéticos, morais ou espirituais. Ao passo que entre os inferiores temos os prazeres físicos ou sensoriais mais básicos, como comer ou dormir. Certo que muitos dos prazeres mais básicos se relacionam bem com prazeres de ordem superior. 


(Imagem do manual adotado)

Mas o objetivo aqui é o de mostrar a alunos de 15 anos que Mill não estava a inventar e que talvez tivesse feito uma divisão que merece a pena explorar quando relacionamos prazer com felicidade. Assim, comecei por exibir um pequeno vídeo da Sagrada Família de Gaudi, em Barcelona, a que se seguiu uma pequena conversa em que questionei se gostavam de ver a SF. Quando os alunos respondiam que sim, perguntei a razão. E as respostas andavam pelo esperado: porque é bonita. Estamos, pois, a falar de prazeres estéticos. 



Depois coloquei uma experiência de pensamento aos alunos: imaginem duas hipóteses: ou vocês são de tal maneira bonitos e bonitas que todos os rapazes ou raparigas da escola rastejam aos vocês pés. Mas tem um senão: são muito limitados em termos intelectuais, “burrinhos”. Ou então, segunda hipótese, são normais, vão ter alegrias e sofrimentos amorosos, a vida amorosa nem sempre vos será fácil, mas são inteligentes. E a pergunta é: quem prefere a primeira hipótese. Ninguém levantou a mão. “Estão a ver!!!, a vossa vida intelectual é algo que estimam mais que os vossos prazeres sensoriais mais imediatos. Depois mostrei o vídeo que está abaixo, do filme de Charles Chaplin, “O Homem dos tempos modernos”. A maioria dos alunos do 10º ano ou não fazem ideia quem foi Chaplin ou, os que já ouviram falar, associam a um comediante. Não faziam ideia que se podia ser bastante crítico a fazer comédia. A pergunta, no final, foi a de tentar saber se Chaplin, no retrato daquele filme, seria um homem feliz, ao que os alunos responderam que não pois tem tarefas apenas repetitivas e que tal não o faz feliz. Bem, aproveitei para dar o contexto. “Vão lá à Wikipédia pesquisar de onde é Chaplin e quando viveu”. Pois, inícios do sec xx. Ainda a a Inglaterra, país de Chaplin, vivia nas suas cinzentas cidades com o clima da revolução industrial. Foi assim que fomos até ao aborrecimento da vida e à necessidade de criar espaços criativos que nos façam felizes. Pois então!! Isto é ser humano. E foi assim que lhes dei o exemplo da múisca da cinzenta Manchester dos anos 80 e lhes falei e mostrei Joy Division, uma espécie de grito no meio da cinzenta Manchester de outrora. E foi assim também que compreendemos como a Inglaterra de hoje já não é apenas a da cinzenta industrialização que durou até à era da globalização e da transferência da indústria para países emergentes. Uma aula em que construímos pontes com o raciocínio analítico. E crescemos culturalmente. Tudo para compreender apenas um conceito explorado por um filósofo, o da felicidade em Mill. Já agora, esta aula não teria sido possível sem um computador, uma conexão à banda larga e um quadro eletrónico que me permitiu, a mim e aos alunos, em boas condições, visualizar os vídeos. Terminamos a aula com um pequeno quiz para    testar os conhecimentos adquiridos. É importante também salientar que à medida que exploramos os materiais compreendemos o que Mill nos queria dizer nesta passagem:


«É melhor ser um ser humano insatisfeito do que um porco satisfeito; é melhor ser Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. E se o tolo ou o porco têm uma opinião diferente é porque só conhecem o seu próprio lado da questão. A outra parte da comparação conhece ambos os lados.»

John Stuart MillUtilitarismo, Porto Editora, 2005, p. 78.



1 comentário:

Anónimo disse...

Estratégia muito interessante. Parabéns!