O problema
do livre-arbítrio versus determinismo surge devido a uma aparente
contradição entre duas ideias plausíveis. A primeira é a ideia de que os seres
humanos têm liberdade para fazer ou não fazer o que queiram (obviamente, dentro
de certos limites — ninguém acredita que possamos voar apenas por querermos
fazê-lo). Esta é a ideia de que os seres humanos têm vontade livre — ou
livre-arbítrio. A segunda é a ideia (...) de que tudo o que acontece neste
universo é causado, ou determinado, por acontecimentos ou circunstâncias
anteriores. Diz-se daqueles que aceitam esta ideia que acreditam no princípio
do determinismo e chama-se-lhes deterministas. (Daqueles que negam esta segunda
ideia diz-se que são indeterministas.)
Pensa-se frequentemente que estas duas ideias entram em conflito porque parece
que não podemos ter livre-arbítrio — as nossas escolhas não podem ser livres —
se são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias anteriores.
2. Os deterministas radicais resolvem o problema negando que tenhamos livre-arbítrio, concluindo que, de facto, não somos moralmente responsáveis pelas nossas acções ou escolhas. Eles tendem a defender o seu ponto de vista a partir da teoria determinista segundo a qual tudo é causado. Assim, chamam a atenção para experiências e crenças comuns que parecem implicar que as coisas se comportam de uma forma regular (o açúcar não faz as coisas saberem doces num dia e amargas no dia seguinte), para o comportamento humano diário (nem mesmo pilotos de carros de corrida podem escolher conduzir bem estando bêbados), e também para o enorme sucesso da ciência moderna na descoberta de relações causais (não podemos escolher bater os braços e voar para a Lua).
Embora muitas pessoas argumentem contra o determinismo radical defendendo que o determinismo em geral está errado, as provas a favor do determinismo são muito fortes, razão pela qual se quisermos rejeitar o determinismo radical teremos de o fazer com base na ideia de que a liberdade de acção e de escolha não contradiz o determinismo, pelo que temos efectivamente justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis mesmo que as suas acções e escolhas sejam causadas ou determinadas.
3. Os libertários ou libertaristas defendem que o livre-arbítrio é possível apenas se o determinismo for falso e que, pelo menos nas situações morais típicas, temos de facto livre-arbítrio. Por este motivo, temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelo que escolhem e fazem.
Os libertários defendem o seu ponto de vista com base em que, primeiro, apenas o seu ponto de vista permite considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções (eles não têm nenhuma vontade em acreditar que não tem sentido fazê-lo), e, em segundo lugar, sentimo-nos livres quando fazemos escolhas morais.
Os adversários tendem a opor-se ao libertarismo por três razões. Primeiro, acreditam que o determinismo é verdadeiro e não temos vontades sem causas ou auto-causadas. Em segundo lugar, eles defendem que não nos sentimos livres de forças causais (porque as causas não são o tipo de coisas que possamos sentir), mas antes de compulsão ou coerção. E, em terceiro lugar, defendem que se tivéssemos efectivamente vontades não causadas, não faria qualquer sentido considerarmo-nos responsáveis pelas nossas acções, porque não resultariam do nosso carácter e, assim, não seriam uma indicação de quem realmente somos.
4. Os deterministas moderados defendem que os deterministas radicais e os libertaristas estão errados, em parte porque usam uma concepção errada de liberdade da vontade. A concepção pertinente é que somos livres quando escolhemos e fazemos o que queremos fazer e não somos forçados ou compelidos contra a nossa vontade. Eles distinguem frequentemente entre dois tipos de compulsão ― interna e externa ― consoante a força compulsória é interior ou exterior aos nossos corpos.
Os deterministas moderados defendem a sua posição apelando a todas as provas que favorecem o determinismo em geral e salientando que o seu ponto de vista se conforma com a prática diária. Quando temos de decidir na vida diária se as pessoas devem ser consideradas responsáveis pelo que fazem, não perguntamos se as nossas acções são causadas mas antes se são ou não compelidas ou forçadas. Quando as pessoas fazem o que querem fazer, sentimos (com algumas excepções devido a razões precisas) que são moralmente responsáveis pelo que fazem.
Algumas pessoas rejeitam o determinismo moderado porque rejeitam o determinismo em geral. Outras rejeitam-no devido a acreditarem que até agora os deterministas moderados não foram capazes de lidar com certos tipos de casos e porque não explicaram adequadamente o seu critério de compulsão. Além disso, após terem ouvido a teoria dos deterministas moderados, especialmente os libertarianos ainda consideram totalmente implausível considerar as pessoas responsáveis pelas suas acções se essas acções são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias passados. Se o determinismo é verdadeiro, afirmam eles, então os seres humanos são exactamente como robots ou computadores complexos e ninguém se sente justificado em repreender ou punir um computador quando ele avaria.
Finalmente, foi sugerido que talvez seja este o ponto principal. Tratamos os seres humanos, de forma diferente dos robots ou computadores porque nós de alguma forma sentimos de forma diferente a seu respeito.
2. Os deterministas radicais resolvem o problema negando que tenhamos livre-arbítrio, concluindo que, de facto, não somos moralmente responsáveis pelas nossas acções ou escolhas. Eles tendem a defender o seu ponto de vista a partir da teoria determinista segundo a qual tudo é causado. Assim, chamam a atenção para experiências e crenças comuns que parecem implicar que as coisas se comportam de uma forma regular (o açúcar não faz as coisas saberem doces num dia e amargas no dia seguinte), para o comportamento humano diário (nem mesmo pilotos de carros de corrida podem escolher conduzir bem estando bêbados), e também para o enorme sucesso da ciência moderna na descoberta de relações causais (não podemos escolher bater os braços e voar para a Lua).
Embora muitas pessoas argumentem contra o determinismo radical defendendo que o determinismo em geral está errado, as provas a favor do determinismo são muito fortes, razão pela qual se quisermos rejeitar o determinismo radical teremos de o fazer com base na ideia de que a liberdade de acção e de escolha não contradiz o determinismo, pelo que temos efectivamente justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis mesmo que as suas acções e escolhas sejam causadas ou determinadas.
3. Os libertários ou libertaristas defendem que o livre-arbítrio é possível apenas se o determinismo for falso e que, pelo menos nas situações morais típicas, temos de facto livre-arbítrio. Por este motivo, temos justificação para considerar as pessoas moralmente responsáveis pelo que escolhem e fazem.
Os libertários defendem o seu ponto de vista com base em que, primeiro, apenas o seu ponto de vista permite considerar as pessoas moralmente responsáveis pelas suas acções (eles não têm nenhuma vontade em acreditar que não tem sentido fazê-lo), e, em segundo lugar, sentimo-nos livres quando fazemos escolhas morais.
Os adversários tendem a opor-se ao libertarismo por três razões. Primeiro, acreditam que o determinismo é verdadeiro e não temos vontades sem causas ou auto-causadas. Em segundo lugar, eles defendem que não nos sentimos livres de forças causais (porque as causas não são o tipo de coisas que possamos sentir), mas antes de compulsão ou coerção. E, em terceiro lugar, defendem que se tivéssemos efectivamente vontades não causadas, não faria qualquer sentido considerarmo-nos responsáveis pelas nossas acções, porque não resultariam do nosso carácter e, assim, não seriam uma indicação de quem realmente somos.
4. Os deterministas moderados defendem que os deterministas radicais e os libertaristas estão errados, em parte porque usam uma concepção errada de liberdade da vontade. A concepção pertinente é que somos livres quando escolhemos e fazemos o que queremos fazer e não somos forçados ou compelidos contra a nossa vontade. Eles distinguem frequentemente entre dois tipos de compulsão ― interna e externa ― consoante a força compulsória é interior ou exterior aos nossos corpos.
Os deterministas moderados defendem a sua posição apelando a todas as provas que favorecem o determinismo em geral e salientando que o seu ponto de vista se conforma com a prática diária. Quando temos de decidir na vida diária se as pessoas devem ser consideradas responsáveis pelo que fazem, não perguntamos se as nossas acções são causadas mas antes se são ou não compelidas ou forçadas. Quando as pessoas fazem o que querem fazer, sentimos (com algumas excepções devido a razões precisas) que são moralmente responsáveis pelo que fazem.
Algumas pessoas rejeitam o determinismo moderado porque rejeitam o determinismo em geral. Outras rejeitam-no devido a acreditarem que até agora os deterministas moderados não foram capazes de lidar com certos tipos de casos e porque não explicaram adequadamente o seu critério de compulsão. Além disso, após terem ouvido a teoria dos deterministas moderados, especialmente os libertarianos ainda consideram totalmente implausível considerar as pessoas responsáveis pelas suas acções se essas acções são determinadas por acontecimentos ou circunstâncias passados. Se o determinismo é verdadeiro, afirmam eles, então os seres humanos são exactamente como robots ou computadores complexos e ninguém se sente justificado em repreender ou punir um computador quando ele avaria.
Finalmente, foi sugerido que talvez seja este o ponto principal. Tratamos os seres humanos, de forma diferente dos robots ou computadores porque nós de alguma forma sentimos de forma diferente a seu respeito.
Howard Kahane, Thinking About Basic Beliefs,
Wadsworth, Belmont, 1983, pp. 43-64.
Tradução de Álvaro Nunes (versão síntese neste blogue)
Tradução de Álvaro Nunes (versão síntese neste blogue)
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