sábado, 13 de março de 2010

Manuais lá de fora

Neste site podemos encontrar informação sobre manuais de filosofia para o secundário no reino unido. Trata-se das edições da Routledge. Uma diferença clara dos portugueses, é que neles não existem nem temas ambíguos, nem imagens idiotas que nada tem que ver com o que se deve pretender num bom ensino da filosofia.

9 comentários:

Edward Soja disse...

Amigo Rolando, não sei se o texto é teu, mas não é tratam-se que se diz, mas sim trata-se.

Sempre na terceira pessoa singular. Como o verbo haver (no sentido de existir).

Depois podes apagar este comentário. Se quiseres.

Abraço.

Rolando Almeida disse...

É verdade Eduardo. è impessoal. É um erro frequente, tão frequente que nem me apercebi que o cometi.
Obrigado pela correcção.

Edward Soja disse...

Exacto, impessoal. Estava a faltar-me a palavra.

Abraço.

Carlos JC Silva disse...

Caro Rolando,

Aproveito para levantar uma questão relacionada com o tema da "Necessidade da fundamentação da moral", nomeadamente o fundamento utilitarista dos actos. Em termos gerais, o utilitarismo faz residir nas consequências dos actos o seu valor e fundamento, defendendo que é boa a acção que maximize a felicidade.
Ora, o manual do 10.º ano, "A Arte de Pensar" de Desidério Murcho, Aires de Almeida e outros faz alusão, na página 166, à seguinte situação imaginária: "A Sara é uma cirurgiã especializada na realização de transplantes. No hospital em que trabalha enfrenta uma terrível escassez de órgãos - cinco dos seus pacientes estão prestes a morrer devido a essa escassez. Onde poderá ela encontrar os órgãos necessários para salvá-los? O Jorge está no hospital a recuperar de uma operação. A Sara sabe que o Jorge é uma pessoa solitária - ninguém vai sentir a sua falta. Tem então a ideia de matar o Jorge e usar os seus órgãos para realizar os transplantes, sem os quais os seus pacientes morrerão."
Mais adiante, o referido manual sustenta que um utilitarista "tem de pensar que nada há de errado em matar o Jorge" e que " a opção de matá-lo permitirá salvar cinco pessoas que de outro modo morrerão" para concluir que "se o utilitarismo fosse verdadeiro seria permissível (e até obrigatório) a Sara matar o Jorge (...) mas fazer tal coisa não é permissível. Logo, o utilitarismo é falso."
Pergunto: será que o utilitarismo defende mesmo tal posição (que a Sara deve matar o Jorge para salvar 5 pacientes)? Se o fundamento dos actos para um utilitarista reside nas suas consequências (maior felicidade global), podemos encontrar uma falha no argumento da Sara (ver CAVE, Peter, Duas Vidas Valem Mais que Uma?, páginas 26 e 27): os indivíduos saudáveis sentir-se-iam extremamente inseguros se existisse um procedimento de os raptar e matar para lhes tirar os órgãos. Dado que os que beneficiam do tratamento também podem tornar-se vítimas e, devido a esta insegurança, a felicidade total pode muito bem diminuir numa sociedade que abarque tais cirurgiões, desde que as pessoas saibam desse procedimento. Assim, conclui-se que matar o Jorge pode não maximizar a felicidade, antes pelo contrário, logo, um utilitarista opor-se-ia à morte do referido Jorge. Este contra-argumento estará certo?!

Abraço,
Carlos JC Silva

Rolando Almeida disse...

Eu acho que o teu argumento não funciona. Imagina que em vez da Sara pensar nas consequências, pensa no princípio de não matar. Nesse caso deixa morrer os outros 5 doentes. Em todo o caso o que nos faz confusão é saber qual a moralidade de se tirar a vida a um ser humano para salvar outros, ainda por cima sendo que é uma decisão que não é tomada por aquele que morre?
Agora, também temos de perceber o exemplo: do facto da Sara matar um doente para salvar 5 não se segue que vai passar a matar indiscriminadamente pessoas para salvar outras. Vê, pode ter sido útil naquela circunstância salvar 5 doentes em vez de 1, mas não seria concerteza útil à maioria viver na insegurança de poder ser raptado para salvar outras pessoas com a vida.
O utilitarismo nas suas linhas gordas pode soar efectivamente a teoria mais amoral do que moral, mas olha que a coisa não é assim tão estranha. Imagina que tinhas a possibilidade de matar os terroristas que se meteram nos aviões no 11 de Setembro antes deles terem entrado nos aviões. Imagina ainda que eras um Kantiano, que te apercebias do que ia acontecer, mas que jamais matarias um ser humano. O que era mais cruel neste caso? Matá-los ou deixá-los matar? Bem sei que o coitado do Jorge, no exemplo da Sara não ia matar ninguém e perdeu a vida, mas podemos brincar às teorias com muitos exemplos. Olha outro: estás em plena 2ª grande guerra. Pertences aos aliados. Numa busca estás em silêncio a guardar, para salvar, um grupo de judeus, mas entretanto apercebes-te que o Mathias, que é um alemão adolescente com deficiência mental e que fala sempre a verdade, anda próximo das tropas nazis. Tens uma arma silenciosa na mão e podes colocar na mira o Mathias. Nota , ele é um deficiente e diz sempre a verdade. Sabes que as tropas nazis o vão interrogar e há 90% de hipóteses de ele revelar que ali mesmo a metros está uma casa com um grupo de judeus escondidos. Que fazes? Poupas a vida ao Mathias ou poupas a vida ao grupo de judeus? Esta era mais ou menos a opção da Sara: poupo a vida ao Jorge, ou poupo a vida a 5 outros doentes?

Carlos JC Silva disse...

Sem pretender alimentar mais esta questão, parece-me, no entanto, que a analogia não obedece aos requisitos exigidos. Com efeito, ter a possibilidade de matar os (poucos) terroristas do 11 se Setembro para evitar a morte de centenas ou mesmo milhares de inocentes é diferente de matar um desgraçado como o Jorge que supostamente não fez nem provavelmente virá a fazer nada de mal, (só) para salvar 5 pacientes que carecem de órgãos e sem os quais não sobreviverão. Assim como é diferente matar o Mathias, um inimputável mas que poderá muito certamente causar sérios danos ao denunciar os Judeus aos Nazis. O Jorge, esse não vai denunciar ninguém. O seu único problema é não se ter integrado muito bem na sociedade e viver solitariamente e, como tal, numa perspectiva pragmática, não faz grande falta.
Além disso, parece que o utilitarismo peca no sentido em que só sabemos se os actos e as suas consequências são efectivamente boas na prática, a posteriori. Além disso, o que é bom para a maioria, pode não o ser para a minoria e o Jorge que o diga.
Por fim, a fórmula Kantiana "age apenas como se a a máxima que determina a tua acção possa ser universalizável" não exclui absolutamente, a meu ver, a hipótese de se matar o Mathias ou os terroristas, apenas nos fornece a forma de como devemos agir.

Carlos JC Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carlos JC Silva disse...
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Rolando Almeida disse...

Não sei se ajuda mas se pensares em salvar pessoas em vez de matar pessoas, talvez a morte do infeliz do Jorge se justifique. Mas colocas bem um problema: então e que é feito das minorias na maximização da felicidade? Mas atenção que nenhuma teoria moral nos diz que devemos matar o Jorge, nem a kantiana, nem o utilitarismo. A base do utilitarismo é que devemos pensar a acção em termos das consequências implicadas. Mas mesmo o utilitarismo tem sofrido muitos refinamentos, a maioria dos quais nem sequer os conheço. Nenhuma teoria nos dá uma resposta conclusiva para casos concretos ou hipotéticos. E também é verdade que há que avaliar os casos, por muito paradoxal que isto nos possa parecer. Do meu ponto de vista não temos de ser sempre deontologistas ou sempre utilitaristas. O que temos em mãos é que os problemas existem e com eles existem teorias, por vezes rivais, que nos apresentam possibilidades de resposta que conduzam a uma acção. Há muitos casos práticos que implicam uma reconfiguração do modo como analisamos o panorama moral. Imagina um incêndio: de um lado tens uma criança indefesa e do outro tens um idoso acamado que por acaso é teu familiar querido (desculpa o exemplo). Qual salvarias, no caso em que pudesses salvar somente um deles? Mesmo que penses a acção em termos de consequências, há que avaliar também se não te valeria mais salvar o teu familiar, até porque ele te poderia dar uma boa recompensa. Isto supondo que não conheces a criança de lado algum.
Estou convencido que as teorias morais não dão respostas a este tipo de desafio. Só usamos os exemplos para compreender até que ponto uma teoria estica racionalmente. E o interessante das teorias é quando elas colocam as nossas intuições à prova. Foi algo desse género que o Peter Singer fez quando argumentou que somos especistas se não considerarmos os interesses morais dos animais não humanos. Isto ainda hoje é altamente contra intuitivo para a maioria das pessoas, seja por razões culturais, religiosas, sociais, etc. Agora aplica lá o teu caso a cães. Se em vez do Jorge tivesses o Boby e todos os outros doentes eram cães. Será que continuavas a colocar o teu problema?
São este tipo de questões, como as que colocaste, que nos fazem estudar mais um pouco, mas não podemos esperar do nosso estudo respostas para todas as nossas acções. Agora um aparte: como já tenho 36 anos e vão aparecendo uns pequenos toques da primeira velhice, um destes dias dei comigo com uma situação que me pareceu cómica e paradoxal. Fui à livraria, comprei um livro de um médico para manutenção da saúde, cheguei a casa e sentei-me na varanda a fumar um cigarro e ler como cuidar da saúde. Isso também já me aconteceu com o meu filho que tem 2 anos e meio. Liguei-lhe a tv com bonecada e pus-me a ler uns livros sobre como educá-lo. Somos seres limitados e avançamos com pequenos passos.