quarta-feira, 17 de março de 2010

Coisas muito muito estranhas


Sou um daqueles professores (como há muitos) que gostam de ensinar. Cada obstáculo para mim resulta numa experiência de aprendizagem. Não tenho medo em publicar que o que me agrada mais ensinar é a filosofia. Nela sinto-me como um peixe na água. E gosto mais de a ensinar que outras disciplinas porque penso que o seu interesse para os estudantes é de longe maior que o de disciplinas como sociologia, psicologia, área de integração ou cidadania. Já conheci colegas professores muito bons, outros mais ou menos e um ou outro a fazer um mau trabalho. Converso com as pessoas e noto que esta circunstância é igual tanto no ensino como fora dele, nas empresas, privadas ou públicas. Sobretudo conheço professores que são bons numas coisas e não tão bons em outras. Whatever? Infelizmente nos últimos anos tem passado a ideia para a opinião pública que os professores são piores que os outros profissionais. No coment!
É verdade que já conheci professores a sofrer de stress. Têm filhos, complicações na vida, familiares doentes e 5 ou 6 turmas de crianças que não são propriamente uns doces. Sem tecer juízos sobre o assunto, a verdade é que, daquilo que dizem ser o stress na profissão eu não tenho padecido. Vou sempre bem disposto para a escola, mesmo nas fases menos boas da minha vida. Nas escolas, dou-me bem com funcionários, colegas, direcções executivas, alunos, pais, etc. Em 14 anos de ensino - felizmente e com alguma sorte à mistura - nunca mandei um aluno para a rua (para fora da sala de aula), nem nunca corri atrás dos directores de turma para me resolverem conflitos pontuais. Nunca tive um recurso de nota, contam-se pelos dedos de uma mão as faltas que tenho por doença, quando o meu filho nasceu só tirei 5 dias úteis dos quase 20 dias que tinha direito (acho que era isto, não?), tenho em minha casa um autêntico escritório montado com impressora, papel, canetas, computadores, internet, etc. que uso a 90% de proveito escolar, enfim, entre mais outras coisitas. Com esta lista não quero dizer que sou o melhor professor do mundo. Gosto de errar que é para poder aprender. Estou na fila da frente quando se trata de assumir as imperfeições da formação. Esta lista mostra outra coisa: mostra que gosto das escolas, gosto de lá andar, gosto de ensinar e gosto das salas de aula. Ora, toda a minha vida ouvi a versão que gostar daquilo que se faz é o segredo do sucesso. Se esta tese for verdade, então eu tenho um bom desempenho como professor.
Apesar de tudo isto que acima relatei há um ponto estranho, mesmo muito estranho na minha relação com a profissão. É que nunca me identifiquei minimamente com o Ministério da Educação nem com as suas políticas educativas. E o mais bizarro é que os professores mais empenhados que tenho encontrado nas escolas também não se identificam com o Ministério. Todos os dias vejo colegas que se queixam dos pais, dos alunos, da sociedade. Convenço-me que o fazem com fortes razões. No meu caso especial – de certeza de acordo com o que pensam milhares de professores – tenho identificado como principal obstáculo ao desenvolvimento do meu trabalho, o Ministério da Educação. Penso se não devia ser ao contrário, se não podia identificar-me mais com o ME e o próprio ME é que me ajudava e incentivava a melhorar o desempenho das escolas, dos alunos, da relação com os pais, etc? Este ano lecciono difíceis turmas de CEF. Já passei por muitas experiências de ensino. Ainda assim nunca me senti pressionado pelos alunos, pelos pais ou pelas escolas, muito menos pelos colegas. Não são esses os agentes que constituem obstáculo ao desenvolvimento do meu trabalho, mas sim o ME. São as leis, as reformas, as burocracias, o mal tratar da classe, os cortes sucessivos do vencimento (sim, eu não como ar, ainda tenho de fazer compras para comer e viver), a lei que surge em Dezembro para entrar em vigor ontem, a que sai em Janeiro a dizer que a de Dezembro não está em vigor, para entrar outra vez em vigor em Março a dizer que afinal a de Dezembro é que estava bem. Ninguém se entende mais nas escolas. E o bizarro é que a culpa não é dos alunos cada vez mais difíceis (talvez porque percebam a balda), não é dos pais (cada vez mais a aproveitar a fragilidade do sistema), nem dos colegas (cada vez mais fartos, pois), mas sim do Ministério da Educação.
É por isso que já há muito tempo que concluí que não preciso do Ministério da Educação para nada para ser bom professor e se o privado me der mais liberdade de trabalho, então que venha o privado que eu estou-me nas tintas para a educação pública. É simples: se o poder político é incapaz de governar, então que entregue essa tarefa às pessoas e que as deixem em paz. Eu gosto muito de ensinar, mas estou verdadeiramente cansado do principal obstáculo a que eu seja ainda melhor profissional, o ME. E se alguém se queixar do meu trabalho, já não terei papas na língua em responder: “mande o ME abaixo à martelada que aquilo não serve para nada”

5 comentários:

quink644 disse...

Viva, gostei do que escreveste e da conclusão que tiraste, não por qualquer interesse particular mas por pensar e sentir exactamente o mesmo. Contudo, penso que fazes mal em pagar do teu bolso aquilo que devia ser o Estado a pagar, é à custa dessa benevolência que a Escola em Portugal se tem mantido... Ainda hoje de manhã, depois daquelas notícias todas, jurei a mim próprio: vou ser o pior professor que conseguir ser... Se pensar que devo fazer A farei B, etc., etc. Depois, começou a aula e eu esqueci-me disso... O que posso fazer, depois das coisas começarem não me lembro... Devo ser, pois, inimputável...

Rolando Almeida disse...

Claro,
Os professores andam mais cansados do ME do que das escolas e do ensino em particular. Isso é cada vez mais evidente e cada vez mais me convenço que a coisa nunca andou famosa, mas a Milu deu mesmo cabo disto tudo. No que respeita ao que sentimos como professores e seres humanos quando entramos na sala de aula, isso é o maior ânimo que convém conservar.
abraço

Edward Soja disse...

Amigo Rolando...

"Sou um daqueles professores (como há muitos) que gosta de ensinar."

Onde é que está o meu jantar, onde?

Estou a brincar. É-me difícil ir aí neste momento. Convida alguém pela minha vez.

Abraço.
:)

Rolando Almeida disse...

gostam, gostam...
e logo este post que foi lido por muitos colegas. Será que ninguém mais notou?
Xiça
O Jantar tá de pé quando vieres à Madeira.

Edward Soja disse...

Ok, amigo.

Lamento não ter ninguém notado... Isto vai mal...

Abraço.