terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

1ªs impressões sobre o exame intermédio de filosofia – 2011


Esta manhã realizou-se o primeiro exame intermédio de filosofia. Como é público, o GAVE emitiu uma informação prévia na qual  se adiantavam os temas a serem testados. Com efeito, tal como no programa, pouco se disse em relação aos conteúdos, anotando somente, em nota de rodapé, que os autores preferenciais, na ética, seriam Kant e Stuart Mill. Isto é, ainda assim, esse documento não tornou vinculativos esses autores. Mesmo que fosse certo que praticamente todos os professores fossem lá parar, aqueles que planificaram outros autores e que trabalham com manuais que não referem estes autores ficaram com algumas questões para resolver, nomeadamente:

a)       Reformular o programa já o ano avançava;
b)      Abandonar o manual adoptado se é que esse não refere Kant e Stuart Mill ou somente um deles.

O manual, Um outro olhar sobre o mundo, da Asa, por exemplo, refere Epicuro e Kant e não Stuart Mill. (estou a ciar de memória dado que não disponho comigo do manual, mas quando fiz a análise em 2007 creio que foi isso que verifiquei)
Mas vamos ao que está menos certo: no Grupo I, pergunta 3. Aí coloca-se uma questão sobre as objecções ao determinismo radical. Ora, não é certo, porque não é vinculativo no programa (o que é vinculativo é leccionar o determinismo e liberdade na acção humana – Ponto II. 1. 1.2.), que o determinismo radical seja sequer abordado e, no caso de o ser, não é ainda assim certo que as objecções tivessem sido trabalhadas. Aliás, o que vem explicitamente mencionado no programa é aquela coisa do determinismo e das condicionantes físico-biológicas e histórico-culturais). Falta ainda conhecer os critérios de correcção emanados pelo Gave, mas estou curioso para saber quais as objecções correspondentes ao critério de resposta.
No grupo II cita-se David Oderberg, um deontologista e opositor das teses utilitaristas, como as de Singer, por exemplo. As questões feitas são vagas. Primeiro pede-se ao estudante que relacione a “noção de preferência valorativa” com a situação descrita no texto. Trata-se de tentar que a resposta reflicta conhecimento sobre o que são valores e como os mesmos podem entrar em conflito. Mas isto pouco interessa à filosofia e acredito também que muitos professores que fazem um trabalho sério, tenham dado pouca importância a este aspecto. O interessante é que nada aparece sobre um dos mais apetitosos debates filosóficos em torno do problema dos valores, que tem que ver com a objectividade / subjectividade dos valores. E questões sobre este problema podem-se fazer aos estudantes de forma clara, mas estimulante. Aí sim, seria interessante pedir ao estudante que analisasse um qualquer exemplo. Este ano não lecciono 10º ano, mas se leccionasse acredito que os meus alunos pura e simplesmente não soubessem responder a este tipo de questões. Mas a verdade é que é certo que o programa de filosofia do 10º ano, menciona (ponto II. 1.2.): “Reflexão sobre a riqueza da diversidade dos valores, reconhecendo a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração, bem como a importância do  diálogo intercultural.  CONCEITOS ESPECÍFICOS NUCLEARES : valor, preferência valorativa, critério valorativo, cultura". É certo que o conteúdo da filosofia da objectividade e subjectividade dos valores é ignorado pelo próprio programa e, em seu lugar, deve-se ensinar a “reconhecer a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração”(Programa de Filosofia, p. 28). Ele há coisas!!! 

A questão de opção 2.4. pouco ou nada tem a ver com a filosofia. Nela pede-se aos estudantes para indicarem a opção correcta, para determinar o que é que o diálogo entre culturas implica. Ora esta questão está claramente fora do âmbito do que se estuda em filosofia e não é necessário saber uma pitada de filosofia para lhe responder, pelo que não testa qualquer conhecimento de matérias filosóficas. Qualquer estudante que saiba ler e interpretar com correcção português, responde a questões deste nível sem sequer algum dia ter aberto um livro de filosofia ou ter assistido a uma aula de filosofia. É grave? Se fosse num teste de um professor talvez não fosse assim tão grave, mas vindo do GAVE e num teste nacional não devia acontecer. Mas também é inteiramente certo que o programa de filosofia refere (ponto 2. 2.2.): “Valores e cultura - a  diversidade  e  o diálogo de culturas” não mencionando qualquer conteúdo filosófico específico.
Na questão 1.1, do grupo iii, não é seguro que tenha sido a opção de muitos professores fazer a distinção entre imperativo categórico e hipotético em Kant, já que tal conhecimento não é vinculativo. Seria uma questão adequada caso o programa ou as orientações de teste intermédio tivessem mencionado esse conteúdo. Se o que interessa é que o estudante reflicta em torno de duas perspectivas éticas, é perfeitamente aceitável que seja opção do professor excluir os conceitos mais técnicos e ainda assim ensine os pressupostos da ética kantiana. Na minha opinião, esta questão não devia ter aparecido no exame.
Finalmente no último grupo, a questão 2, parece-me demasiado vaga. Quase que pede ao estudante para discorrer sobre tudo o que decorou sobre Kant e Mill. Teria sido muito mais interessante colocar um caso prático e pedir ao estudante que o ajuizasse objectando até as teses expostas, apoiando-se no estudo feito de Kant e Mill.
De um modo geral o teste é muito fraquinho só ao de leve testando conhecimentos da disciplina. Mas era expectável que assim fosse, já que é de todo impossível fazer bons testes ou exames quando não temos sequer conteúdos precisos no programa da disciplina. O programa tem de ser revisto para se fazerem bons testes e exames que ao mesmo tempo testem de forma rigorosa os conhecimentos dos estudantes, mas não atraiçoem o trabalho dos professores.
E agora, venha o debate. E que alguma coisa boa se faça com ele.

8 comentários:

Valter Boita disse...

Olá Rolando! Estou plenamente de acordo contigo. De facto, por muito que em filosofia nos tentemos esforçar por fazer um bom trabalho, os senhores do GAVE são incapazes de cumprir com a sua tarefa.
Eu sou a favor do teste intermédio e foi com satisfação que soube da sua realização. Preparei os alunos para as competências exigidas no documento publicado pelo GAVE e também no que toca aos conteudos. Julguei que seria cedo testar em Fevereiro as éticas, concluindo que quem trabalha no GAVE está a leste do que se faz nas escolas e olha para o Programa de forma acrítica. Hoje, embora os criterios ainda não tenham sido publicados, reparei que este teste não está feito para alunos que estão a aprender a filosofar, mas dirige-se a alunos que sabendo ler e interpretar umas afirmações facilmente o resolveriam. Contudo, as certas questões que têm a pontuação de 20 pontos testam conteúdos parcelares e sem grande relevância no tratamento de problemas filosóficos. Será que quem fez este exame alguma vez leccionou ou alguma vez fez algum teste de filosofia? Não me parece, pois cabe na cabeça de algum professor perguntar por um conceito vago e pouco pertinente na abordagem da axiologia, referente à preferência valorativa? claro que quando frequentei a cadeira de Axiologia tive de ler um texto de Louis Lavelle sobre a preferência, é claro que quando definimos juízo de valor e opomos os valores a factos nos remetemos à experiencia valorativa ou preferência valorativa, mas esta noção é assim tão importante? Fiz o meu trabalho de casa e fui consultar alguns manuais e à excepçao de um, nenhum define preferência valorativa ou lhe dá relevo nas questões de avaliação. É grave e lastimável que treinemos os nossos alunos para avaliar argumentos relativos a PROBLEMAS FILOSÓFICOS e nenhuma dessas competências seja exigida. É grave, cientificamente grave, que depois de um modelo adequado de exame nacional (realizado pela última vez em 2006)que influenciou as práticas lectivas de muitos professores e o tipo de questões que passaram a fazer seja posto de parte para regressarmos a uma forma de fazer filosofia oca, barroca e tautológica.
Abraço

Rolando Almeida disse...

Obrigado pela tua opinião Valter. venham mais.

Sérgio Morais disse...

Olá Rolando. Lecciono 10º ano há muitos anos e não podia estar mais de acordo com as suas opiniões/ críticas. Já tenho os critérios de correcção e, bom... se o teste é o que é, os critérios, na minha opinião não são próprios para um teste de Filosofia. São critérios muito semelhantes, na forma, com os critérios da Biologia, FQ, etc.
Só mesmo o GAve...
Abraço!

Rolando Almeida disse...

Olá Sérgio, tudo bem?
Pois, também já vi os critérios e aquilo é intencionalmente vago. Sinceramente ficamos, os professores, num impasse, já que o caminho mais certo é o ME pura e simplesmente regredir na sua posição e não fazer a reposição do exame nacional, o que é uma pena. E isto acontece porque se pensam as coisas completamente à margem das pessoas que sabem. O CEF fez excelentes propostas entre 2003 e 2005 sem que o ME desse "ouvidos" até ao fim às propostas. E creio que foi o último organismo a fazer propostas sérias e concretas para reformar o programa de filosofia, para muito melhor. Um destes dias retiram-nos definitivamente a disciplina e como agora somos todos contratados mandam-nos para a rua de vez. E depois é o ai Jesus!
Grande abraço e bom trabalho

Anónimo disse...

Boa noite, Rolando!

As opiniões que emite são bastante precisas e merecedoras de uma ampla reflexão.
Na realidade, o trabalho desenvolvido por um professor com os seus alunos pode ficar algo comprometido com a realização deste teste intermédio.
Fiquei com a impessão de que estamos na presença de um teste híbrido que pretende agradar a gregos e troianos, com tudo o que de negativo tem esta pretensão. Assim, por exemplo, o manual arte de pensar, que considero ser o melhor manual que a disciplina tem à sua disposição aborda alguns aspectos que não se enquadaram no dito teste... A accção humana é explicada em função de conceitos como o desejo, a crença, o interesse pessoal, não fazendo uso de conceitos como os de finalidade, projecto, ....
Parece-me urgente redefinir o programa, centrando-o em problemas, argumentos e teorias. Se assim não for, estaremos a trabalhar no vazio, produzindo resultados que são uma farsa.

Carlos Alves

Rolando Almeida disse...

Olá Carlos,
É verdade o que diz. É praticamente impossível fazer um exame consensual sem o mínimo norte em termos de conteúdos a trabalhar.Eu não lecciono este ano 10º ano, mas na minha escola, os colegas do 10º andavam desesperado a fazer reuniões para tentar chegar ao mínimo acordo. mas isto é fantasioso pois na base o programa não permite qualquer acordo.
Abraço e bom trabalho

Pedro Galvão disse...

olá!
parece-me que o problema não primariamente está no gave. à dgidc é que compete fazer programas e orientações; o gave tem as mãos atadas a esse respeito. e enquanto da dgdic não saírem orientações que definam melhor os conteúdos a avaliar, no gave não podem fazer milagres: não podem pressupor grande coisa quanto ao que os alunos devem saber, e assim é impossível fazer testes e exames satisfatórios. no livrinho de apoio ao teste, que preparei com constrangimentos menos fortes que os dos autores do próprio teste, pude perceber como eles estão numa posição difícil.

ainda assim, julgo que podiam ter feito um pouco melhor. podiam ter posto um texto de 20 ou 30 linhas, um texto em que coubesse um argumento, uma problematização mínima, pois isso permitiria questões mais interessantes. só textos de 3 ou 5 linhas porquê?

cumps,
pedro galvão

Rolando Almeida disse...

Fica o reparo Pedro. Claro que compreender o polvo ME não é tarefa fácil. Aquilo é departamentos e subdepartamentos e mais departamentos....
abraço