sábado, 2 de janeiro de 2010

Direitos morais dos animais não humanos - novo livro de Alice Santos

Alice Santos, professora de filosofia acaba de lançar mais um livro do qual disponibilizo aqui a introdução e a respectiva capa e contracapa.






Introdução


“A questão não está em saber se eles podem pensar ou falar, mas sim se podem sofrer”

Bentham



No Verão em que visitei, pela primeira vez, o canil novo da Associação Brigantina de Protecção dos Animais, saí de lá com a certeza de que este livro iria ser escrito. Espantou-me, por um lado, o facto de todos os cães abandonados, mais de uma centena, terem um nome atribuído carinhosamente pelos tratadores; por outro, o trabalho árduo, voluntário e diário de todas as pessoas envolvidas naquele projecto.
A diversidade dos residentes do canil vai desde os bebés fofos e brincalhões, para os quais existe ainda a esperança de encontrar um lar, até aos velhotes que na devida altura ninguém quis e que foram integrados na grande casa que é o canil. Fiquei com a convicção de que foi a compreensão profunda do significado do amor de cão que permitiu que a Associação resistisse, contra ventos e intempéries, até aos dias de hoje. Por isso desejei dar voz humana à comunicação não discursiva, mas falante, de alguns dos animais que passaram pelo coração destas pessoas.
A escrita deste livro fez-me despertar para a realidade concreta do abandono e maus tratos que o chamado “melhor amigo do homem” sofre no nosso país. Poderão invocar o facto de haver muita miséria humana e que, por isso, a dos cães é um mal menor. O que pretendo mostrar é que a forma como lidamos com os animais, com a biodiversidade, com os mares e os rios, e com o planeta em geral é o espelho da verdadeira miséria humana. Quem abandona um companheiro indefeso tem o caminho lavrado para a indiferença em relação à fome ou sofrimento do vizinho humano, à criança esquecida ou humilhada, ou mesmo em relação ao esgotamento dos recursos naturais. Tais atitudes estão relacionadas com questões de sensibilidade. As escolas prestariam um enorme serviço à humanidade se deixassem de se preocupar apenas com o cognitivo e desenvolvessem conscientemente uma educação para uma sensibilidade integral.
A Declaração Universal dos Direitos do Animal tem cerca de trinta anos e os princípios nela consignados são ainda uma espécie de campo de batalha de gente considerada esquisita, alternativa ou pura e simplesmente que não tem mais nada que fazer. Os princípios aí defendidos são suficientemente revolucionários para que uma aplicação rigorosa exigisse a alteração profunda de hábitos e concepções da Natureza. Por outro lado, enquanto princípios têm apenas uma função reguladora e não constitutiva. Para que esta última se dê é necessária a transformação dos princípios em lei. Louva-se, por isso, a lei recente relativamente à utilização dos animais nos circos que, no horizonte limitado de velhos costumes e hábitos, está a ser objecto de contestação. Do mesmo modo enquanto os crimes contra a Natureza em geral e os animais não passar pelo período pedagógico da coercitividade da lei continuaremos longe da ideia de que o desrespeito pelos animais está relacionado com o desrespeito pelos seres humanos entre si.
Apenas o encerramento num antropocentrismo serôdio impede a extensão do princípio da igualdade na consideração de interesses (princípio amplamente defendido por Peter Singer) às espécies animais não humanas:

“Como pode alguém gastar o seu tempo com a igualdade dos animais quando a verdadeira igualdade é negada a tantos seres humanos?
Esta atitude reflecte um preconceito popular contra a ideia de levar os interesses dos animais a sério – um preconceito tão infundado como aquele que levou os esclavagistas brancos a não considerar com a devida seriedade os interesses dos seus escravos africanos.
(...) A dor e o sofrimento são maus e devem ser evitados ou minimizados, independentemente da raça, sexo ou espécie do ser que os sofrem.”[1]
Para a aplicação do princípio da igualdade na consideração de interesses a qualquer animal humano e não humano torna-se necessário centrarmo-nos na capacidade que cada ser possui de sofrer e de gozar as coisas. O que nos poderá, então, fazer crer que um animal não humano não tenha interesse em não ser molestado e em usufruir de bem estar? Se um tal interesse dependesse apenas da capacidade de pensar, então deveríamos excluir do mesmo modo os bebés humanos e os deficientes mentais profundos.
Se desde a infância explicitamente fizesse parte da educação observar, compreender, respeitar e amar os animais, o princípio da igualdade na consideração de interesses seria vivido com naturalidade. Pelo contrário, encontramos frequentemente pessoas que tratam os animais com muito menos cuidado do que aquele que colocam em relação às coisas que possuem.
Todas as histórias deste livro tiveram como ponto de partida histórias reais de abandono ou de maus tratos. Seria desejável que elas nos fizessem pensar no modo como nos estamos a relacionar com o tesouro que é a vida.
O abraço final do Pulga é o símbolo dessa riqueza.

Alice Santos



[1] Peter Singer, Ética Prática, Gradiva, 2ªed. pp 76 e 81








3 comentários:

cristina disse...

Os professores de filosofia têm esquecido a ética, por isso fico profundamente satisfeita por esta iniciativa. O objectivo primeiro da filsofia no secundário devia ser ensinar o pensamento crítico.
Obrigada à professora Alice Santos e a todos os que divulgam o seu livro

Unknown disse...

ois gostaria de comprar o livro. onde encontro??

Rolando Almeida disse...

Não tenho essa informação disponível. O melhor é procurar por ele nas livrarias habituais, Fnac, Wook, etc