Esta manhã realizou-se o primeiro exame intermédio de filosofia. Como é público, o GAVE emitiu uma informação prévia na qual se adiantavam os temas a serem testados. Com efeito, tal como no programa, pouco se disse em relação aos conteúdos, anotando somente, em nota de rodapé, que os autores preferenciais, na ética, seriam Kant e Stuart Mill. Isto é, ainda assim, esse documento não tornou vinculativos esses autores. Mesmo que fosse certo que praticamente todos os professores fossem lá parar, aqueles que planificaram outros autores e que trabalham com manuais que não referem estes autores ficaram com algumas questões para resolver, nomeadamente:
a) Reformular o programa já o ano avançava;
b) Abandonar o manual adoptado se é que esse não refere Kant e Stuart Mill ou somente um deles.
O manual, Um outro olhar sobre o mundo, da Asa, por exemplo, refere Epicuro e Kant e não Stuart Mill. (estou a ciar de memória dado que não disponho comigo do manual, mas quando fiz a análise em 2007 creio que foi isso que verifiquei)
Mas vamos ao que está menos certo: no Grupo I, pergunta 3. Aí coloca-se uma questão sobre as objecções ao determinismo radical. Ora, não é certo, porque não é vinculativo no programa (o que é vinculativo é leccionar o determinismo e liberdade na acção humana – Ponto II. 1. 1.2.), que o determinismo radical seja sequer abordado e, no caso de o ser, não é ainda assim certo que as objecções tivessem sido trabalhadas. Aliás, o que vem explicitamente mencionado no programa é aquela coisa do determinismo e das condicionantes físico-biológicas e histórico-culturais). Falta ainda conhecer os critérios de correcção emanados pelo Gave, mas estou curioso para saber quais as objecções correspondentes ao critério de resposta.
No grupo II cita-se David Oderberg, um deontologista e opositor das teses utilitaristas, como as de Singer, por exemplo. As questões feitas são vagas. Primeiro pede-se ao estudante que relacione a “noção de preferência valorativa” com a situação descrita no texto. Trata-se de tentar que a resposta reflicta conhecimento sobre o que são valores e como os mesmos podem entrar em conflito. Mas isto pouco interessa à filosofia e acredito também que muitos professores que fazem um trabalho sério, tenham dado pouca importância a este aspecto. O interessante é que nada aparece sobre um dos mais apetitosos debates filosóficos em torno do problema dos valores, que tem que ver com a objectividade / subjectividade dos valores. E questões sobre este problema podem-se fazer aos estudantes de forma clara, mas estimulante. Aí sim, seria interessante pedir ao estudante que analisasse um qualquer exemplo. Este ano não lecciono 10º ano, mas se leccionasse acredito que os meus alunos pura e simplesmente não soubessem responder a este tipo de questões. Mas a verdade é que é certo que o programa de filosofia do 10º ano, menciona (ponto II. 1.2.): “Reflexão sobre a riqueza da diversidade dos valores, reconhecendo a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração, bem como a importância do diálogo intercultural. CONCEITOS ESPECÍFICOS NUCLEARES : valor, preferência valorativa, critério valorativo, cultura". É certo que o conteúdo da filosofia da objectividade e subjectividade dos valores é ignorado pelo próprio programa e, em seu lugar, deve-se ensinar a “reconhecer a necessidade de encontrar critérios trans-subjectivos de valoração”(Programa de Filosofia, p. 28). Ele há coisas!!!
A questão de opção 2.4. pouco ou nada tem a ver com a filosofia. Nela pede-se aos estudantes para indicarem a opção correcta, para determinar o que é que o diálogo entre culturas implica. Ora esta questão está claramente fora do âmbito do que se estuda em filosofia e não é necessário saber uma pitada de filosofia para lhe responder, pelo que não testa qualquer conhecimento de matérias filosóficas. Qualquer estudante que saiba ler e interpretar com correcção português, responde a questões deste nível sem sequer algum dia ter aberto um livro de filosofia ou ter assistido a uma aula de filosofia. É grave? Se fosse num teste de um professor talvez não fosse assim tão grave, mas vindo do GAVE e num teste nacional não devia acontecer. Mas também é inteiramente certo que o programa de filosofia refere (ponto 2. 2.2.): “Valores e cultura - a diversidade e o diálogo de culturas” não mencionando qualquer conteúdo filosófico específico.
Na questão 1.1, do grupo iii, não é seguro que tenha sido a opção de muitos professores fazer a distinção entre imperativo categórico e hipotético em Kant, já que tal conhecimento não é vinculativo. Seria uma questão adequada caso o programa ou as orientações de teste intermédio tivessem mencionado esse conteúdo. Se o que interessa é que o estudante reflicta em torno de duas perspectivas éticas, é perfeitamente aceitável que seja opção do professor excluir os conceitos mais técnicos e ainda assim ensine os pressupostos da ética kantiana. Na minha opinião, esta questão não devia ter aparecido no exame.
Finalmente no último grupo, a questão 2, parece-me demasiado vaga. Quase que pede ao estudante para discorrer sobre tudo o que decorou sobre Kant e Mill. Teria sido muito mais interessante colocar um caso prático e pedir ao estudante que o ajuizasse objectando até as teses expostas, apoiando-se no estudo feito de Kant e Mill.
De um modo geral o teste é muito fraquinho só ao de leve testando conhecimentos da disciplina. Mas era expectável que assim fosse, já que é de todo impossível fazer bons testes ou exames quando não temos sequer conteúdos precisos no programa da disciplina. O programa tem de ser revisto para se fazerem bons testes e exames que ao mesmo tempo testem de forma rigorosa os conhecimentos dos estudantes, mas não atraiçoem o trabalho dos professores.
E agora, venha o debate. E que alguma coisa boa se faça com ele.