sábado, 13 de fevereiro de 2010

Seremos todos filósofos mesmo sem o saber?


Estou a aproveitar algumas ideias de um dos nossos leitores, não como acto de provocação, mas porque penso realmente que o comentador está a tocar em alguns pontos que considero sensíveis à filosofia e que são criadoras de inúmeras confusões. E nesse sentido tenho uma palavra de gratidão ao nosso leitor por estar a usar os seus argumentos para testar algumas ideias comuns. Uma das ideias comuns a muita gente sobre a filosofia é esta:


Ser filósofo é intrínseco ao Homem, todo o homem procura a sabedoria.”



Mas nesse caso, ser cientista também é intrínseco ao homem, pois todo o homem deseja e procura saber. E também é intrínseco ao homem ser matemático, poeta, artista quem sabe? Mas se toda e qualquer actividade for conotada com um campo de saber, nesse caso é intrínseco ao homem ser carpinteiro, futebolista, internauta, astronauta, etc. Ou se temos um campo mais restrito sobre o que é a sabedoria, nesse caso só será intrínseco ao homem esse campo mais restrito. A minha opinião é que ser filósofo não é, de facto, intrínseco ao homem, nem acho que  todo o homem procure sabedoria como se isso lhe fosse tão intrínseco como respirar. Pelo contrário penso que a maioria dos seres humanos se estão completamente nas tintas para a sabedoria, para melhor conhecer o universo e o que está à sua volta. E acho que só em momentos muito raros da história é que encontramos pessoas genuinamente interessadas na sabedoria. Por outro lado acho que temos tanta potencialidade para sermos filósofos como para passarmos a vida a beber cerveja e ver a bola. Depende da forma como cada um é estimulado e se estimula para a filosofia. A maioria das pessoas que conheci no curso de licenciatura em filosofia passaram por uma oportunidade para saberem mais de filosofia, ciência, história, etc. e curiosamente muito poucos tinham um genuíno interesse nisso. Para mim é falso que os seres humanos tenham uma curiosidade intelectual nata e que só por isso possam ser filósofos. Na minha opinião ser filósofo, como ser cientista, como ser historiador, etc. envolve um grande trabalho e pessoas com menos talento, mas mais paixão pelo trabalho podem filosofar mais e melhor que outras com mais talento mas com menos trabalho. Ora, isto contraria um dos argumentos do comentador que refere precisamente que um qualquer pastor a rezar pode ser mais filósofo que um doutor cheio de cursos e pós graduações.
Mas é curioso o comum que é as pessoas pensarem que todos somos filósofos. Não o fazem com a mesma facilidade para os matemáticos ou para os físicos ou biólogos. Este argumento aplicado, por exemplo, para a biologia não é nada pacífico:


“ser biólogo é intrínseco ao homem. Todo o homem procura sabedoria”


Ao mesmo tempo este tipo de argumentos parecem denunciar uma ideia negativa do que é estudar filosofia nas universidades. Parece que estudar filosofia nas universidades é sair de lá com dezenas de livros decorados e um mestre na citação de filosofias. Isso realmente acontece. Mas aqui há que saber distinguir as boas das más universidades e os bons dos maus cursos de filosofia. Existem universidades em todo o mundo. E em quase todas elas se estuda filosofia. E, talvez infelizmente, não será expectável que todas elas tenham excelentes cursos de filosofia. Basta por os olhos na universidade portuguesa para perceber que os cursos de filosofia em Portugal não produzem filosofia. Nunca saiu um filósofo relevante dos cursos de filosofia portugueses. E sempre foi assim. Deste modo, quem  só conhece esta realidade tem a tendência a pensar que afinal o filósofo nada tem a ver com a universidade, que a universidade só forma uma data de tipos com manias de intelectuais mas que não sabem pensar. Isso é, como já disse, verdadeiro se aplicado a um caso como o português. Mas será que um australiano pensa assim quando os seus melhores e maiores filósofos, conhecidos mundialmente e discutidos pelos melhores filósofos, como Peter Singer ou David Chalmers, foram formados nas suas universidades? Estou convencido que não.

3 comentários:

Carlos JC Silva disse...

Caro Rolando,

A afirmação "um qualquer pastor a rezar pode ser mais filósofo que um doutor cheio de cursos e pós graduações" parte de um preconceito negativo e errado acerca do que seja a Filosofia, porventura alicerçado na ignorância de alguém que despreza os filósofos ou alguém a quem os filósofos incomodam. Porque pensar incomoda muita gente, como incomodou os que encomendaram, pela ingestão de cicuta, a morte a Sócrates (o filósofo, entenda-se) em 399 aC..
Não repugna, no entanto, a ideia de que a curiosidade seja inata, nomeadamente a curiosidade pelo conhecimento e/ou sabedoria.
Já o estagirita afirmava na abertura da Metafísica que "todo o homem deseja conhecer ou saber". E Platão afirmava ser o espanto e a admiração a origem do filosofar.
No entanto, esse "existir autêntico" do homem "tropeça" nas necessidades imediatas e urgentes relacionadas com a sobrevivência.
Repare-se que a Filosofia emergiu na Grécia antiga, como actividade intelectual, graças ao ócio proporcionado pela mão de obra escrava. Sem esse ócio, muito provavelmente, a filosofia não teria emergido.
Acredito que em cada cultura esteja plasmada uma cosmovisão, um "filosofar espontâneo". Acredito que todo o homem tem crenças (ou descrenças) sobre Deus, o sentido da vida, as normas de conduta, a natureza da realidade, etc, embora tais crenças careçam de fundamentação racional. E aqui entra o fiosofar académico, distinto qualitativamente e em termos de coerência lógica e de sistema do comum e espontâneo.
Longe de pretender divorciar o chão da experiência quotidiana do mundo académico, acredito que a verdadeira filosofia académica, por muito abstracta que seja, re-flecte sobre a realidade concreta de homens concretos, com problemas concretos. Acredito que, longe de ser um obstáculo, o senso comum constitui o ponto de partida para a Filosofia no sentido técnico. Doutro modo, que interesse teria Ela?
O mesmo se poderá afirmar da Ciência, cuja pré-história são as questões de natureza técnico/prática.

Carlos

Carlos JC Silva disse...

"Basta por os olhos na universidade portuguesa para perceber que os cursos de filosofia em Portugal não produzem filosofia. Nunca saiu um filósofo relevante dos cursos de filosofia portugueses"
Não iria tão longe na afirmação.

Rolando Almeida disse...

""Basta por os olhos na universidade portuguesa para perceber que os cursos de filosofia em Portugal não produzem filosofia. Nunca saiu um filósofo relevante dos cursos de filosofia portugueses"
Não iria tão longe na afirmação."

Então Carlos, diz-me lá o nome de um filósofo português que seja relevante e discutido em alguma área da filosofia dos nossos dias??? A menos que aches que o António Damásio é filósofo, mas nem assim já que esse não saiu das universidades portuguesas.
Infelizmente não temos nem um único relevante.