sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Vampiros especistas



Hoje reparei na notícia sobre a histeria juvenil em torno do filme “Lua Nova”, o sucessor de “Crepúsculo”. Não li os livros, mas tive curiosidade no verão passado em ver o filme “Crepúsculo”. A história do filme pareceu-me pouco intensa, mas julgo ter percebido a sedução junto dos adolescentes, sempre sedentos de histórias de romances cheios de obstáculos, mas verdadeiros e genuínos. Para quem não conhece, a história é a de um rapaz vampiro, muito justo e bondoso, que mantém um romance com uma rapariga, simples mortal. A ideia é que seria algo contraditório um rapaz vampiro bondoso e que mata pessoas para beber o seu sangue, já que os vampiros alimentam-se de sangue. Fiquei mesmo sem palavras quando no filme o vampiro jovem, bonito e bondoso revela que é um vampiro vegetariano. Nesse momento para mim o filme acabou, já que eu gosto de vampiros assustadores, como o Bela Lugosi e não de vampiros betinhos. Mas o que me leva aqui a escrever umas linhas sobre o assunto é que os vegetais não têm sangue. É que o jovem vampiro considera-se (pelo menos no filme) vegetariano porque só bebe sangue de animais como ovelhas e coelhos, matando-os para se alimentar. A encrenca aqui é que este vampiro teen é especista já que desconsidera  moralmente os interesses dos animais, ainda por cima matando-os a sangue frio, provocando-lhes sofrimento. Mas é estranho que um filme destinado a um público maioritariamente jovem revele uma posição destas. Não sei no entanto se nos livros o vegetarianismo do vampiro consiste em matar indiscriminadamente animais para lhes sugar o sangue.

14 comentários:

Anónimo disse...

"A encrenca aqui é que este vampiro teen é especista já que desconsidera moralmente os interesses dos animais, ainda por cima matando-os a sangue frio, provocando-lhes sofrimento".

Sim, mas... que mal tem beber o sangue dos animais que é um dos meios para sobreviver? Ou será que existem uma nova geração de vampiros que não consome sangue? E se necessariamente consome sangue não seria mais imoral matar humanos para lhes extrair o seu sangue?

Rolando Almeida disse...

Caro anónimo,
É falso que beber sangue seja essencial para sobreviver, a não ser na ficção dos vampiros. Eu não bebo sangue e vivo com saúde.
Mas a que propósito é menos moral matar seres humanos do que matar animais? Temos boas razões para pensar tal coisa?
Houve tempos em que se pensava que era menos moral escravizar negros do que escravizar brancos.

Anónimo disse...

"É falso que beber sangue seja essencial para sobreviver, a não ser na ficção dos vampiros". Claro que estava a falar no contexto dos vampiros. lol...

"Mas a que propósito é menos moral matar seres humanos do que matar animais?"
O vampiro só vive se, e só se, beber sangue. Ele tem um dilema... matar seres humanos ou matar animais?
Se matar seres humanos será plausivelmente um acto de maior prejuízo, pois, estará a matar seres com intencionalidade, consciência, racionalidade... A racionalidade humana até pode chegar a conceber um comprimido que substitua o sangue. E assim o vampiro deixa de matar qualquer ser vivo.
Se matar os animais será um mal menor; pois, estes são desprovidos de consciência, racionalidade, e normalmente só reagem por impulso... e certamente não têm criatividade para fazer um comprimido que substitua o sangue.


"Houve tempos em que se pensava que era menos moral escravizar negros do que escravizar brancos." Sim, mas... brancos e negros são sempre seres humanos. Agora dizer que ser humanos são animais desprovidos de intencionalidade, consciência e racionalidade, parece-me um salto lógico de enormes proporções. Ou não?

Rolando Almeida disse...

Anónimo,
E como é que definimos um ser humano? Era preciso saber isto.
A racionalidade não é exclusividade do ser humano. E há seres humanos, como os bebés, os idosos senis ou um ser humano em coma que não são racionais, nem conscientes, nem podem criar comprimidos de sangue.Para além disso uma boa parte das nossas acções podem não ser intencionais. Tome este exemplo: eu quero matar o meu pai para receber uma herança. Acontece que num dia de chuva, ia eu de carro e matei um homem, atropelando-o porque o carro deslizou na chuva. E por casualidade esse homem era o meu pai. matei-o realmente? Matá-lo foi uma acção praticada por mim de forma consciente? A questão é que o filme Crepúsculo parece fazer passar a ideia que que um vampiro é bonzinho se não matar seres humanos, mas pode matar animais não humanos indiscriminadamente. O filme não pretente por os jovens a pensar filosoficamente, mas há ali uma ideia que é transmitida dogmaticamente aos jovens.

Anónimo disse...

sim... a grande questão é esta: "como é que definimos um ser humano?"...

Rolando Almeida disse...

Caro anónimo,
Ser humano define-se como um ser pertencente à espécie homo sapiens. Agora fizeste crer que o defines como ser racional, consciente, com acções intencionais. E eu mostrei-te que essa definição parece ser incorrecta.

Anónimo disse...

Dizer que humano é só e apenas um ser pertencente à espécie "homo sapiens", parece-me redutor... O ser humano é isso, claro... Mas não será também muito mais do que isso, até ao ponto de normalmente ser racional, consciente e com acções intencionais??? Dizer que ser humano é apenas um ser pertencente à espécie "homo sapiens" parece pouco para caracterizar tudo aquilo que o é Homem. Não achas?

Não há diferença entre matar um animal e matar um humano? Comummente a sociedade advoga que matar um animal para comer não é um erro; mas matar um humano dá prisão. Será isto errado? Porquê?

Rolando Almeida disse...

Não, a minha definição não é redutora. Quando muito aceito que seja circular. mas redutora é a tua já que atribuis apenas à espécie humana a capacidade de pensar racionalmente, o que é falso. Símios avançados ou, suspeita-se, golfinhos, demonstram ter essa capacidade. Outros animais demonstram ter essa capacidade. De forma que definires ser humano com a racionalidade é mais ou menos o mesmo que o definires porque tem nariz.
Claro que a sociedade advoga o que dizes, mas daí não se segue que porque a sociedade advoga, logo é assim que é verdade. Não sei realmente avaliar se matar um ser humano é mais grave que matar um ser humano. Isso depende dos critérios de partida. Por quê? Acaso a vida humana é mais sagrada que a vida de uma mosca? Não sei. O que acontece é que matar um animal em benefício da nossa alimentação é ou não moralmente correcto? E se o fazemos não estamos a partir do princípio algo arbitrário que a espécie humana tem mais privilegios morais que outras espécies?
Agradeço que assines o teu nome verdadeiro. É que é muito desagradável estar a discutir argumentos contigo, mas tu sabes quem eu sou ao passo que eu estou a falar com um anónimo. Se não desejares assinar, então a discussão encerra-se aqui.

Anónimo disse...

...não quero revelar o meu nome no universo da internet por questões pessoais, por isso é uma pena não puder continuar a falar contigo.
Mesmo assim, continua a seguir o teu blog.
Poderias sff abordar as principais teses da ética filosófica bem como a estrutura da argumentação de Peter Singer? É um autor que preciso de estudar mais.
Já agora, também poderias sugerir nalguns post's alguns filmes que estimulem o pensamento filosofico (ao contrário do crepúsculo)?
Abraço.

Rolando Almeida disse...

Não tenho grande conhecimento de filmes que abordem directamente problemas filosóficos, mas há alguns exemplos bons. Do cinema mais recente recomendo o Matrix, que pode ser visto à luz do problema do conhecimento. Há centenas de artigos na net sobre o filme.
No blog tenho alguma coisa sobre o Singer, mas fica a promessa de um artigo curto e informativo sobre as teses do filósofo.

Carolina disse...

Eu vi o filme e não gostei, devido a aspectos ridículos como o facto do vampiro ser vegetariano, o facto de ter cento e tal anos e ainda estar no liceu (qualquer estudante concordaria que isto é uma grande incoerência) e o facto de ele brilhar.
Gostei muito da discussão em relação à racionalidade do ser humano. A verdade é que eu partilho da mesma opinião que o professor Rolando, mas a minha professora de filosofia insiste em distinguirmo-nos os animais em termos de intelecto. Coisas do género: "Quando matamos alguém, estamos a ser animais, é a nossa animalidade que está a falar, meninos!!" pfff... Sinceramente acho uma parvoíce glorificarmo-nos tanto, quando talvez seja tudo apenas uma ilusão. Como diz Nietzsche diz (vou dizer como me lembro, não sei de cor): "E quando estes seres (i.e. humanos) se extingirem, nada se terá alterado." Recomendo a obra "Acerca da Verdade e da Mentira" a quem quer que pense que os humanos são muito fixes.

Rolando Almeida disse...

Carolina,
Podes sempre perguntar à tua professora o que ela pensa dos argumentos de Peter Singer, filósofo da ética aplicada. A tese de Singer, muito resumidamente consiste no argumento de que os animais não humanos merecem tanta consideração moral quanto os seres humanos e se damos mais privilegios morais aos seres humanos, então estamos a ser especistas, i.e., a considerar que os seres humanos são uma espécie com mais consideração moral que os animais não humanos. E podes sempre recordar que houve tempos em que os negros também eram desconsiderados intlectualmente, razão que fundamentou durante séculos o racismo. Hoje sabemos que o racismo é racionalmente incoerente.

Carolina disse...

Eu tenho mesmo de ler essa obra. A problemática da animalidade/humanidade interessa-me bastante. Obrigada.

Carolina disse...

*ler a tese, digo.