terça-feira, 24 de novembro de 2009

Vale a pena definir filosofia?


Ouço frequentemente dizer que filosofia é pensar. Mesmo uma máexperiência de ensino da filosofia transmite esta definição de filosofia. Acontece que se trata de uma definição insuficiente. Se pensar é uma condição necessária para a filosofia, ela não é, com efeito, suficiente já que não é exclusiva da filosofia. Por exemplo, se estou a fazer palavras cruzadas estou a pensar e não estou a fazer filosofia. Se observar atentamente a maioria das pessoas, na maior parte do tempo em que estão acordadas, estão a pensar e não estão a fazer filosofia. Se a definição é insuficiente para uma pessoa com alguma formação, para jovens ela tem efeitos muito nefastos já que se trata de uma definição incompleta e induz o jovem em confusões elementares.
talvez uma das boas formas de transmitir uma boa definição de filosofia, principalmente a jovens, é dar a ideia de que para se fazer filosofia é necessária informação. A informação necessária é o estudo dos textos principais dos filósofos. Para além disso fazer filosofia implica uma intenção deliberada e um método próprio. A forma mais eficaz que temos para mostrar a definição da filosofia e o que se faz e como se faz filosofia a jovens, é por comparação. Assim, num minuto apenas, mostramos que fazer filosofia não é o mesmo que fazer ciência, já que a natureza dos problemas da filosofia não é empírica e não possui o recurso à experiência para prova de hipóteses teóricas. Pelo contrário, são problemas filosóficos aqueles que se pensam sem recurso à experiência. Por exemplo, se queremos saber da moralidade do aborto, de que nos vale pedir a 10 mulheres grávidas que abortem para saber se o aborto é ou não moral? Ainda que elas o fizessem, não chegaríamos a conclusão alguma, não adiantávamos nada ao conhecimento que temos da moralidade do aborto. A Filosofia faz-se na discussão activa dos problemas. Se não temos recurso à experiência, temos ferramentas lógicas que nos permitem avaliar argumentos e objectá-los, se for caso disso. Ainda que não seja perfeita, esta é uma forma eficaz de principiar um estudo em filosofia.
Mas é verdade que quando estudamos filosofia temos um resultado prático. Nas nossas sociedades somos detentores da maior parte das decisões sobre a nossa vida e somos impelidos a um esforço muito grande para pensar nas nossas decisões. A prática do exercício filosófico tem um resultado nessas decisões já que aprendemos o método para pensar com maior rigor e de forma consequente. Claro que podemos fazer isso mesmo sem estudar filosofia, mas parece pacífica a ideia de que sem estudos e informação tal tarefa é muito mais inacessível.
A definição de que a filosofia é pensar é assim insuficiente, gerando confusões iniciais desnecessárias. Quem se inicia ao estudo da filosofia espera um pouco mais da definição. O manual do 10º ano, A Arte de Pensar, apresenta uma comparação muito intuitiva que aqui resumo: se queremos saber se há vida em Marte não nos vale de muito ficar a pensar no assunto. A partir de uma sonda é possível apurar dados empíricos que nos dê a informação desejada. Os problemas filosóficos não possuem esta estratégia de recurso que se chama “experiência”. Mas os problemas filosóficos não são menos problemas porque não podemos fazer experiências e apurar resultados. Os problemas da filosofia são problemas que se tentam resolver sem recurso à experiência, mas com recurso á capacidade racional de discussão argumentativa. Se não podemos provar pela experiência, temos a saída de resolver pela discussão racional. É certo que fazemos isso para a maior parte dos problemas, mesmo os mais triviais. Se queremos saber, por exemplo, se determinada acção política é boa ou má, justa ou injusto, é uma enorme vantagem saber pensar criticamente, já que conseguimos avaliar melhor cada argumento em causa.
Talvez a melhor proposta para dar início a um curso de filosofia seja não perder muito tempo com a definição da filosofia e partir logo para a sua prática, isto é, a discussão activa dos problemas.

8 comentários:

Anónimo disse...

"Talvez a melhor proposta para dar início a um curso de filosofia seja não perder muito tempo com a definição da filosofia e partir logo para a sua prática, isto é, a discussão activa dos problemas".

...Até parece que a própria definição da filosofia não pode ser um problema alvo de uma "discussão activa".

Rolando Almeida disse...

"..Até parece que a própria definição da filosofia não pode ser um problema alvo de uma "discussão activa".

Claro!Até se devo cortar mais ou menos a unha do meu dedo grande do pé esquerdo pode ser alvo de uma discussão activa.

Carolina disse...

Olá.
Sou uma estudante do 11ºano. Sinto-me cada vez mais revoltada em relação à disciplina de filosofia na medida em que a minha professora de 10º e 11ºano não me parece ser a mais...indicada. Como eu nunca tive outro professor desta disciplina, não sei mesmo o que pensar e, com isto, sinto-me perdida. A minha professora, para além de ser bastante desorganizada, restringe as aulas para as definições dos conceitos, que, regra geral, manda para tpc. Qualquer coisa do tipo "defina valor", e tem de estar de acordo com o livro. Em relação à definição de filosofia no 10ºano, o que os alunos fizeram foi decorar a definição do livro para o teste. Tive 11 valores, porque, como não tinha estudado, não respondi as questões como estava no livro. Como pode ver, isto vai contra a prática da filosofia - discussão de problemas.
Sinto-me revoltada contra as aulas, principalmente por saber que o meu irmão mais velho teve um bom professor de filosofia que deu Nietzsche no 10ºano. Se a minha professora falasse de Nietzsche nas aulas, eu ia pensar que a mulher estava possuída pelo Diabo.

Cumprimentos


PS:Tem bom gosto musical.

Rolando Almeida disse...

Carolina,
Muitas das vezes aquilo que aprendemos na escola não tem de ser tudo o que há para aprender. Certamente a tua professora segue um método que agrada a uns e desagrada a outros. Tudo o que tens a fazer é conseguir bons resultados e nada te impede de seguires o teu rumo e estudares por ti mesma.
Obrigado pelo elogio no gosto musical.
Aparece sempre

Carolina disse...

Eu tenho 'estudado' por mim mesma, e, de facto, isso despertou-me o interesse em relação à filosofia, porque nas aulas está mais presente a disciplina sociologia do que propriamente a disciplina de filosofia.
Obrigada pelo conselho!

Rolando Almeida disse...

Recomendo-te o livro de Nigel Warburton, elementos básicos de filosofia, Gradiva. Está escrito de forma acessível para jovens como tu começarem a pensar filosoficamente.
Podes ver aqui: http://criticanarede.com/fa_18.html

Rick disse...

parabéns pelo BLOG!
www.sofiagrega.blogspot.com

Rolando Almeida disse...

Obrigado, Rick