Se há dado que temos consumado é
a divisão da filosofia a partir dos finais do século xix naquela que ficou
entretanto conhecida por filosofia analítica por oposição à chamada filosofia
continental. Não interessa aqui entrar de novo nesse debate já muito
escrutinado. Se aplicássemos aqui vagamente as ideias de Kuhn relativamente à
história da ciência, diríamos que provavelmente a filosofia atravessa a fase da
“guerra” de paradigmas. Isto vem ao caso porque em regra esta divisão também acaba
por se refletir e muito quando pegamos em livros de caráter mais geral, como
dicionários, histórias da filosofia, etc… arrisco a afirmar que hoje em dia
essas obras quando chegadas da tradição analítica falham menos que as da
tradição continental. Isto é, as da tradição analítica são mais abrangentes. E a
isto não está alheio o sucesso em matéria de investigação, se quisermos, do seu
“paradigma”, para abusar dos termos de Kuhn. Este mote serve para a minha
pequena apresentação deste extenso volume publicado pela Piaget no ano de 2003
e sendo o original em francês do ano anterior. Independentemente do conteúdo
que não me é possível comentar de todo (é uma obra de consulta com mais de 1200
páginas na edição portuguesa), vale a pena apresentar em algumas palavras a sua
organização. Assim, para começar, as
grandes noções mencionadas no título da obra, são as clássicas: consciência,
direito, estado, história, imaginação, tempo, ciência, moral, metafísica, arte,
linguagem, etc.. Cada tema corresponde a um capítulo e cada capítulo está
organizado não só com a habitual exploração do subtema, como com os textos
clássicos comentados. Para quem, como eu, está já acostumado com o modo de
fazer filosofia da tradição analítica, não espere destes textos a clareza de
exploração dos problemas no sistema de: problema,
teorias, argumentos, objeções. Nem espere grandes análises aos problemas
pelo binóculo da lógica. Não se segue daí, com efeito, que os textos fossem
escritos por uma quantidade de discípulos de Nietzsche recorrendo a uma
linguagem demasiado fechada e hermética. Aliás, por sinal, isto também acontece
não raras vezes com filósofos da tradição analítica. Embora seja evidente que
prezam muito mais a clareza da exposição nem todos, ainda assim, o conseguem
fazer devido mais ao estilo da escrita do que à confusão argumentativa.
E a quem interessa este livro?
A todos, menos àqueles cujo contato
com a filosofia passa apenas por uma ou duas pequenas introduções, já que no
mercado português existe essa oferta.
Uma nota final
Pese embora o que comecei por
esboçar neste pequeno texto de apresentação, não se pense que os autores
presentes nesta coletânea revelam uma qualquer postura de ignorância
relativamente aos cozinhados da tradição analítica. Nem pensar. Como se revela
na leitura de pelo menos alguns dos artigos, são autores informados. Mas ao
mesmo tempo é bem verdade que apenas pontualmente alguns estudos mais recentes
sobre os problemas analisados são citados. E, na minha opinião, deviam ter
maior lugar de destaque. Não dou aqui qualquer exemplo específico, já que esta
circunstância está presente em todos os capítulos do livro. Alem de que as
bibliografias citadas revelam esse mesmo esquecimento que, na minha opinião,
empobrece a exploração dos problemas.
A edição portuguesa é de capa
dura e num formato físico muito resistente. O que favorece a obra. Um belo livro de filosofia, portanto.
Agradeço ao editor o envio desta
obra para análise e opinião.
Autores Vários, As Grandes Noçõesda Filosofia, Ed Piaget, 2003, Tradução de Ana Rabaça, Coleção Pensamento e
Filosofia (Direção de António Oliveira Cruz)
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