sexta-feira, 16 de abril de 2010

Google love story. Como vender publicidade com a filosofia


Esta semana recebi um cheque de cerca de 75€ da Google, através do banco norte americano, City Bank, partindo da sua delegação europeia sediada na Irlanda. 75€ dão muito jeito e teria talvez motivos para estar feliz. Mas não estou. Pelo contrário, sinto-me verdadeiramente roubado, num roubo acarinhado pelo capitalismo. Passo a explicar o esquema. Para explicar o esquema vou provavelmente infringir algumas regras do contrato, mas estas infracções é também o preço da minha liberdade e o preço do meu trabalho e esforço. A Google, como todos sabemos, oferece cada vez mais serviços gratuitamente. Só que o gratuito é só a fachada já que o “grátis” tem aqui um preço muito caro, muito mais caro do que se tivéssemos de pagar cada serviço de forma justa. Há cerca de 2 anos e meio aderi ao ad-sense que é um serviço que a Google dispõe para colocar anúncios publicitários nos nossos espaços da internet. Cada clique num desses anúncios é publicidade que é paga à Google e eu acabo por ganhar uma percentagem muito pequena desses cliques. Onde é que eu sou escravizado? Tenho uma formação superior em filosofia e disponho gratuitamente na internet, há quase 6 anos, o meu conhecimento. O que seria da internet sem conteúdos? Ora, para que o meu conhecimento fosse bem pago, a Google teria de me pagar o que o Estado português me paga para eu trabalhar em exclusivo para eles. Mas isso ficar-lhes-ia muito caro. Então a Google disponibiliza-me gratuitamente um serviço de e-mail e uma plataforma para o blog e em troca em ofereço o meu conhecimento por uma pechincha (75€ de lucros em cerca de 2 anos e meio). No meio do meu trabalho aparece a publicidade que é paga a peso de ouro à gigante Google. Claro que não teria interesse algum fazer um blog só com anúncios publicitários. Há que oferecer algum conteúdo e meter a publicidade lá no meio para apanhar os mais incautos. E é esse o meu contrato com a Google: eu ofereço gratuitamente o meu trabalho e conhecimento e a Google oferece-me uma parte dos seus dividendos com a publicidade que aparece no meio dos meus posts. Não faço ideia de quanto a Google ganhou com o meu trabalho. Não tenho acesso a esses dados. O dinheiro que a Google me pagou não dá sequer para 2 meses de ligação à internet. Muitas das vezes ouço dizer que eu disponibilizaria na mesma de forma gratuita o meu conhecimento se não recebesse nada. E tal é verdade por uma razão: porque felizmente asseguro um ganha pão leccionando filosofia no ensino público português. E a Google aproveita-se disso. Também é verdade que promovo e divulgo a minha disciplina o que por si só me parece uma boa ideia. E também é verdade que se o meu trabalho fosse realmente acima da média, talvez a Google me contratasse a tempo inteiro pagando-me melhor que o Estado português garantindo-me uma subsistência com recurso ao meu conhecimento. Acontece que a Google não passa de uma agência publicitária e o seu interesse maior é vender publicidade e não filosofia.  
Este é o preço do capitalismo: sem publicidade eu não tinha a plataforma gratuita da Google. Mas a google não paga efectivamente o trabalho que eu tenho a escrevinhar para o blog. Se pagasse talvez existisse menos desemprego e a despesa pública com o desemprego provavelmente seria menor. Neste jogo, ganha o privado e perde o sector público. Mas para que o sector público possa ser mais justo é preciso fazer o contrário da Google e pagar os serviços directamente às pessoas sem publicidade pelo meio. O que ganharíamos com isso é que se as pessoas fossem realmente bem pagas pelo seu trabalho os monopólios como os da Google não seriam provavelmente tão gigantescos.
E também é verdade que o mercado para os publicitários e agentes de marketingue se expande nesta lógica capitalista. Mas então e os pequenos criadores? É que este sistema parece pagar bem somente a agentes financeiros e publicitários que controlam e exploram todo o trabalho dos criadores de conteúdos.
Este é também o preço do gratuito. Milhares de pessoas esmagam o comércio com a opção pelo grátis. Os gigantes podem oferecer os seus produtos que vão ter sempre patrocinadores publicitários, ao passo que os mais pequenos vão ter de oferecer também os seus produtos, mas viver de rendimentos paupérrimos. Vamos imaginar que existe um filósofo super famoso no mundo e que também tem um blog. Ao passo que eu tenho, por exemplo, ganhos de 3€ mensais, esse filósofo super famoso, terá 1000€. Para fazer o meu trabalho eu tenho de dar aulas e esse filósofo passaria a viver dos rendimentos da publicidade e dedicar-se a tempo inteiro a melhorar o seu trabalho ganhando cada vez mais. A Google financia este trabalho oferecendo produtos e uma pequena margem dos seus lucros com o nosso trabalho. Há também quem argumente que este sistema é justo, que afinal de contas eu, com muito esforço e aproveitando os recursos da Google também posso vir a tornar-me super famoso e viver dos rendimentos do meu trabalho on-line. Que é o mesmo que trabalhar para o Estado português. Ok, este argumento parece-me plausível. Mas então por que se fala em gratuito? Nada disto é gratuito. É pago e muito bem pago. É um sistema que não destrói os monopólios capitalistas, como defendem muitos partidários do free e do gratuito, mas aumenta-os ainda muito mais dando cabo cada vez mais dos mais pequenos. A Google não é assim a empresa que repõe a justiça no mundo levando o conhecimento a todos. Quem leva o conhecimento a todos são os assalariados mal pagos da Google, os novos escravos digitais, como eu, que trabalham para criar conteúdos gratuitamente para a Google vender publicidade. Onde é que está o grátis de tudo isto?

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