"Um facto é algo que constitui uma verdade em relação a tudo. É verdade, no que se refere à maçã, que se encontra na tigela. Os factos são, pelo menos para o mundo, tão importantes como as coisas ou como os objetos. E isto pode ser visto por meio de uma experiência de pensamento muito simples. Suponhamos que só há coisas e que não há factos. Nesse caso nada seria verdadeiro em relação a essas coisas. Mas só isto já seria um facto. Consequentemente seria verdade relativamente a essas coisas que nada seria verdade sobre elas. E esta objeção é bastante óbvia e até pior do que um infortúnio. Se há em qualquer cenário em que se possa pensar pelo menos um facto, em muitos cenários que podemos imaginar não há coisas. É o que também mostra outra simples experiência de pensamento. Imaginemos que nada disto existe: nem espaço-tempo nem suricatas nem meias em planetas nem Sol, nada. Nesta situação desesperada e extremamente desolada dar-se-ia o caso de não existir mesmo nada e o pensamento de que neste caso nada existe parece ser verdadeiro. Mas, em consequência, há pelo menos um facto neste nada desolado que é, nomeadamente, , o facto de haver esse nada desolado. Mas este facto já não seria, só por si, um facto. Pelo contrário, seria o facto decisivo, a verdade sobre essa terra de desolação absoluta. Assim, nessa desolação nada existe, o que é verdade no que se refere à própria desolação. Consequentemente será impossível existir um nada absoluto. Por isso terá de haver pelo menos um facto para que nada mais possa existir."
Markus Gabriel, Porque não existe o mundo, Temas & Debates, 2014, Trad. Pedro Rosad, p.42,43
Sem comentários:
Enviar um comentário