Não penso que a generalidade das pessoas dê mais valor a determinados conteúdos do saber do que à filosofia. Como o psicólogo, prémio Nobel da economia, Daniel Kahneman, nos mostrou no seu extenso, Pensar depressa e devagar (edição portuguesa da Temas & Debates), filosofia ou física ou matemática exigem pensamento de 2ª ordem, o pensar devagar, o que implica esforço. Mas a imagem social, o que fica no senso comum, dos diferentes saberes influencia muitas vezes a maneira como nos relacionados de todo com o conhecimento. Por isso é que esperamos, por exemplo, maiores responsabilidades do que aquelas que seria de esperar, dos médicos, pois socialmente olhamos para eles como uma espécie de sábios. E não são. Ainda na sexta passada um médico fez um ar admirado quando lhe expliquei que havia investigação de topo, muito rigorosa, sobre o problema moral da eutanásia. E ele lá confessou que nem sabia que isso era matéria de estudo académico. Outro exemplo é a imagem social de disciplinas como a matemática (gosto de usar este exemplo por várias razões) e a filosofia. Assim, para o comum das pessoas, se não sabem resolver uma equação é porque se trata de uma matéria difícil. Mas se não compreendem um argumento filosófico é porque é conversa da treta. Ora, pode acontecer que o argumento seja uma treta. E pode acontecer que a resolução de uma equação também o seja. Mas ao mesmo tempo é verdade que os mecanismos intelectuais que geram consenso na matemática não são exatamente os mesmos que possam gerar algum consenso para os argumentos filosóficos. Isto acontece não por nenhuma pobreza da filosofia, mas antes pela natureza dos seus problemas, pois são problemas para os quais dificilmente teremos consenso. Daí não se segue que sejam resolvidos pelo subjetivismo. Acontece apenas que tentar resolvê-los é a própria razão de existência da filosofia. Ou pelo menos investir nessa demanda. Mas o sentido comum em que se diz muitas vezes que o argumento é uma treta parece errado, pois os argumentos são maneiras de tentar sistematizar uma realidade que muitas vezes é de tal modo complexa que parece escapar a qualquer investida intelectual, a qualquer enquadramento teórico. Tal não é razão para se cruzar os braços. E neste sentido, aquilo que sabemos ou podemos saber em filosofia não é muito diferente daquilo que sabemos ou podemos saber em muitas outras áreas. Acontece por vezes (creio que quase sempre, até) que a ideia comum que guardamos de consenso em física ou matemática pode estar errada. Os consensos nessas áreas são muitas vezes temporários e levam muito tempo até gerar novos consensos. Esta ideia foi explorada pelo filósofo de formação em física Thomas Kuhn, no seu influente livro, A estrutura das revoluções científicas. E obviamente este livro também não é, ele próprio, consensual entre os filósofos e tem sofrido muitos ataques exatamente porque o autor pretende encerrar um problema. E mais uma vez, não teve um final feliz.
O lado social destas visões tem o desenlace menos feliz de afetar muito o desenvolvimento intelectual das diferentes áreas. Isto porque se socialmente continuarmos a supor que os argumentos filosóficos são uma treta ao mesmo tempo que achamos que as equações matemática são apenas difíceis, acabamos por sofrer um desinvestimento na massa crítica de áreas como a filosofia. E é por essa razão que existe um esforço de publicar alguns livros introdutórios, praticar um ensino da filosofia que seja rigoroso, etc... no sentido de dignificar socialmente a disciplina. Claro que também se pode cair facilmente na aldrabice, muitas vezes bem intencionada, por muito paradoxal que nos possa soar. Mas é verdade que o esforço de fazer chegar ao pensamento apressado de kahneman muitas das vezes torna a filosofia um exercício patético. Seria o mesmo que traduzir equações matemáticas complexas em operações aritméticas simples. Ou algo ainda pior.
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