Deus está filosoficamente vivo e bem vivo. Que o diga a
filosofia analítica contemporânea que ressuscitou a filosofia da religião com
um vigor nunca antes alcançado. Para muitas pessoas ligadas á filosofia isso é
surpreendente, já que erradamente viam na abordagem analítica pouco mais que
artifício e formalismo técnico de análise da linguagem. A prova de que as
coisas não são bem assim é o volume que aqui apresento. É impressionante a
qualidade intelectual do que se produziu nos últimos 50 anos sobre filosofia da
religião. Filosofia das Religiões, Uma
Antologia, é a tradução da edição de 2003 de Philosophy of Religion, An Anthology, da Blackwell, uma editora com
grande tradição e empenho na edição deste tipo de obras. Aliás, editoras
académicas em regra publicam com alguma regularidade obras do género. Estes volumes
são uma espécie de best of de uma área de estudos, autor ou
problema. São volumes extensos e que compilam textos dispersos, clássicos ou
contemporâneos, mas, no caso da filosofia (e creio que nas outras áreas é o
mesmo) que sejam relevantes no debate contemporâneo. Mas vamos ao interior.
Deparamo-nos com duas pequenas dificuldades na edição portuguesa e que o editor
pode melhorar em futuras edições. A primeira é que o índice vem no final. É um
pouco discutível esta opção, mas num livro tão volumoso (a edição portuguesa é
mais extensa que o original com mais de 800 páginas) e cuja finalidade é em
grande parte a consulta, o índice no início facilita o manuseio e apresenta logo
a tábua dos artigos. A segunda é que a edição portuguesa não apresenta no índice
o nome do autor de cada artigo. Temos de abrir cada artigo na página
correspondente para, aí sim, verificar quem é o autor do artigo. Isto dificulta
bastante, pois a procura de um artigo pode também ser feita pelo autor e, como
está, torna-se bastante menos prática essa busca. Não tenho o original para
comparar, mas, à parte isto e uma pequena introdução dos autores compiladores,
nada mais é apresentado. Creio que aqui segue o original, muito embora todas as
antologias da Blackwell que possuo em língua inglesa apresentam um pequeno Index. Nesta edição portuguesa não
aparece tal Index. Não posso
confirmar se tal aparece na edição original, mas tratando-se de um livro de
estudo e fortemente dirigido a um público académico, este tipo de ferramentas
revela-se quase sempre de enorme utilidade, já que em tanta página os atalhos
facilitam bastante.
O livro é organizado em 8 partes.
Parte 1: A identidade
religiosa
Três artigos a abrir a antologia, que acabam por constituir
uma apresentação do fenómeno religioso. O que faz com que uma crença religiosa
seja religiosa e distinta de outras crenças? Quais as principais crenças
religiosas?
Parte 2: Teísmo e
atributos divinos
Nesta parte, que arranca com um famoso artigo de Richard
Swinburne, “God” (1996), explora-se
as principais características e atributos de Deus, entre outras como, as de omnipotência
e omnisciência.
Parte 3: Explicações de
religião
O início desta parte é empolgante. Em poucas páginas 3
autores disputam a partir de uma parábola, o estatuto da crença religiosa. São eles
Anthony Flew, R. M. Hare e Basil Mitchell. E já que estamos na parte das
explicações da religião ou religiões, então é ocasião para explorar o que tem a
psicologia a dizer sobre o problema. A inclusão desta parte é interessante já
que, na minha opinião pessoal, tornar-se-ia incompleta sem a apresentação desta
abordagem pois parece que a crença religiosa tem uma forte componente
psicológica. É aqui também, como de resto seria de esperar, que Freud é
abordado, em pelo menos 2 artigos. Mas também é nesta parte que se aborda o relevante
problema da ética da crença, com um artigo do já traduzido entre nós, William
Clifford (Ética
da Crença, Org. Desidério Murcho, Bizâncio, 2010). Mas também é nesta
parte que temos a defesa da crença
religiosa como apropriadamente básica, na conhecida formulação de Alvin
Plantinga.
Parte 4: Argumentos
teístas
Nesta parte discute-se a apresentam-se os principais
argumentos de justificação da existência de Deus. A novidade aqui é que são apresentados,
cada um deles, num artigo diferente. Duas entradas para Swinburne e Mackie com
o argumento cosmológico. E, com uma falha da tradução, o argumento teleológico
de David Hume (e não teológico). Ainda são explorados em artigos diferentes, o
ontológico e do desígnio.
Parte 5: Religiões não
teístas
Confesso que é para mim a parte mais estranha, já que não
tenho grande conhecimento nesta matéria e ainda não explorei convenientemente
os artigos aqui incluídos. Mas temos 4 artigos que apresentam perspetivas
budistas, feministas, Darsana, Anviksiki, entre outras. A explorar.
Parte 6: Coisas más e
coisas boas
Como seria de esperar, o problema do mal explorado em 8
artigos. Para citar os mais relevantes encontramos aqui artigos de William Rowe
(do qual já temos traduzida a excelente Introdução
à filosofia da Religião, Verbo, Trad. Vitor Guerreiro), Brian Davies e
Peter Van Inwagen.
Parte 7: Os valores
religiosos
Esta parte pode interessar aos professores do secundário já
que a bibliografia para abordar este tema é, em regra, escassa e difusa, muitas
das vezes mesmo inapropriada à finalidade que se destina. Há aqui, portanto, um
recurso indesculpável. Encontramos os problemas comuns: o problema da
tolerância religiosa, religião e moralidade, pluralismo religioso, etc.
Encontramos também o artigo de Swinburne “A
possibilidade da encarnação” que tem sido divulgado entre nós por Domingos Faria. Espaço ainda também
para a famosa “aposta” de Pascal.
Parte 8: Identidade
Pessoal e morte
Finalmente, um típico problema associado às religiões, o da
morte e dos milagres. Dos 5 artigos incluídos, um é de um dos organizadores
desta antologia, Taliaferro e foi incluído também o texto de David Hume sobre
os milagres, incluído ao seu ensaio de Investigação
Sobre o Entendimento Humano.
Conclusão da análise
A quem se destina esta antologia? Fortemente a estudantes
universitários. Mas também a professores do ensino secundário e ainda a
curiosos que gostem de aprender lendo. Para estes últimos o livro tem a
vantagem de conter artigos de autores experientes numa escrita clara. Para além
disso o mero curioso, leitor sem formação em filosofia, tem aqui uma rica apresentação
do problema do fenómeno religioso, exposto sob muitas variantes.
Como é habitual neste tipo de artigos incluídos em antologias
académicas, no final de cada artigo, em regra, é apresentada não só uma
bibliografia geral, como uma recomendada para aprofundar o tema ou problema apresentado
no artigo.
Uma nota final. Muitas vezes em países academicamente mais
pequenos como Portugal, os problemas da religião são abordados apenas pela
Religião católica e Cristã, o que acaba por afastar o interesse de muitas
pessoas, já que se habituam a associar estes problemas apenas ao interesse das instituições
religiosas. Independentemente do mérito ou desmérito do trabalho dessas
instituições é fundamental perceber que a análise do fenómeno religioso está
muito para além da instituição religiosa. Ele é um tema amplo de estudos
filosóficos e científicos. A publicação e divulgação deste tipo de obras entre
nós (principalmente entre nós) é um bom sinal para arrancar a filosofia desse
espectro e devolvê-la ao exercício crítico que tão bem a caracteriza na busca
da verdade.
Charles Taliaferro e Paul J. Griffiths, Filosofia das Religiões, Uma antologia, Tradução de Luís Couceiro Feio, Editora Piaget, 2006
Esta obra pode ser comprada AQUI
Agradeço à Editora Piaget o envio deste livros para análise e divulgação.
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