‘Livre arbítrio’ é o nome convencional de um tópico que é
mais adequadamente discutido sem referência ao arbítrio (vontade). As suas
questões centrais são ‘O que é agir (ou escolher) livremente?’, e ‘O que é ser
responsável pelas nossas acções (ou escolhas)?’ Estas duas questões estão
ligadas intimamente, pois a liberdade de acção é necessária, embora não
suficiente, para a responsabilidade moral.
Os filósofos dão respostas muito diferentes a estas questões e, portanto,
também a duas questões mais específicas acerca de nós: (1) Somos agentes
livres? e (2) Podemos ser responsáveis por aquilo que fazemos? As respostas a
(1) e (2) vão de ‘sim, sim’ a ‘não, não’ – passando por ‘sim, não’ e vários
graus de ‘talvez’, ‘possivelmente’ e ‘num certo sentido’. (O quarto par das
respostas directas, ‘não, sim’, é raro, mas parece ser aceite por alguns
protestantes). Entre os que respondem ‘sim, sim’ são proeminentes os compatibilistas,
que sustentam que o livre arbítrio é compatível com o determinismo.
Sucintamente, o determinismo é a teoria que diz que tudo o que ocorre é exigido
pelo que já aconteceu anteriormente de um modo tal que nada pode acontecer de
um modo diferente daquele que acontece. Segundo os compatibilistas, a liberdade
é compatível com o determinismo, porque a liberdade é fundamentalmente apenas
uma questão de não ser constrangido ou impedido em certos sentidos quando
agimos ou escolhemos. Assim seres humanos adultos normais em circunstâncias
normais são capazes de agir e escolher livremente. Ninguém lhes aponta uma arma
à cabeça. Não estão drogados, agrilhoados ou sujeitos a compulsão psicológica.
São, portanto, completamente livres para escolher e agir mesmo que toda a sua
estrutura física e psicológica seja inteiramente determinada por coisas pelas
quais não são de maneira nenhuma responsáveis – começando pela herança genética
e pela educação inicial.
Os incompatibilistas sustentam que a liberdade não é compatível com o
determinismo. Salientam que se o determinismo é verdade, então cada uma das
nossas acções foi determinada para acontecer tal como aconteceu antes de nós
termos nascido. Sustentam que não podemos ser, neste caso, considerados
verdadeiramente livres e, consequentemente, moralmente responsáveis pelas
nossas acções. Pensam que o compatibilismo é um ‘miserável
subterfúgio…, um insignificante malabarismo de palavras.’, como diz Kant na sua Crítica
da Razão Prática (1788). O compatibilismo não consegue de modo nenhum
satisfazer as nossas convicções espontâneas acerca da natureza da
responsabilidade moral.
O argumento dos incompatibilistas é um bom argumento. Os
incompatibilistas podem ser dividos em dois grupos. Os libertários respondem
‘sim, sim’ às perguntas (1) e (2). Sustentam que somos de facto livres e
agentes moralmente responsáveis e que, portanto, o determinismo tem de ser
falso. A sua grande dificuldade é explicar de que vale afirmar que o
determinismo é falso quando se trata de estabelecer o nosso livre agir e a
nossa responsabilidade moral. Suponhamos que nem todo o acontecimento é
determinado, e que alguns acontecimentos ocorrem aleatória ou fortuitamente.
Como é que a nossa pretensão à responsabilidade moral pode ser reforçada pela
suposição de que o que nós somos e o que são as nossas acções é da ordem do
fortuito ou do aleatório?
O segundo grupo de incompatibilistas é menos optimista. Responde
‘não, não’ às questões (1) e (2). Concorda com os libertários que a verdade do
determinismo inviabiliza a genuína responsbilidade moral, mas argumentam que a
falsidade do determinisno de nada adianta. Assim, concluem que não somos
genuinamente agentes livres ou moralmente responsáveis seja o determinismo
falso ou verdadeiro. Um dos seus argumentos pode ser sumariado da seguinte
maneira: quando agimos, agimos como agimos devido ao que somos. Portanto, para
sermos responsáveis moralmente pelas próprias acções teríamos de ser
verdadeiramente responsáveis pelo que somos: teríamos de ser causa sui, ou
causa de nós mesmos, pelo menos no que respeita a certos aspectos mentais
cruciais. Mas nada pode ser causa sui – nada pode ser a nenhum
respeito a última causa de si mesmo. Logo, nada pode ser na verdade moralmente
responsável.
Desenvolvido apropriadamente, este argumento contra a responsabilidade moral
parece ser muito forte. Porém, em muitos seres humanos a experiência da escolha
dá lugar a uma convicção de responsabilidade absoluta que não é abalada pela
reflexão filosófica. Esta convicção é a mais profunda e inesgotável fonte do
problema do livre arbítrio: aparecem continuamente poderosos argumentos que
parecem mostrar que não podemos ser moralmente responsáveis naquele sentido
fundamental que habitualmente adoptamos; mas contra estes persistem razões de
ordem psicológica igualmente poderosas que nos fazem crer que em última análise
somos moralmente responsáveis.
Edward Craig (ed.) The Shorter Routledge Encyclopedia of Philosophy (London
and New York, 2005). Tradução de Carlos Marques.