domingo, 23 de março de 2014

Justifica-se a Desobediência Civil?

Este é o quadro síntese das últimas aulas


Problemas de Filosofia Moral (que já estudamos)
Problemas da Filosofia Política: (que vamos estudar)
Problemas da Filosofia do Direito (que estamos a estudar)
- Que quer dizer juízos morais?
- Como é possível saber o que é certo e errado?
- Quando, se é que alguma vez, é certo matar uma pessoa? (respostas de Mill e Kant)
- O que é o Estado?
- Os governos têm o direito de exigir obediência?
- O que é a justiça?
- O que é uma lei?
- Quando devemos obedecer à lei?
- Quando é que o castigo é moralmente justificável?



No que diz respeito ao problema da articulação entre ética, direito e política, optamos por formular o problema de tentar saber se a desobediência civil se justifica, pressupondo que existem leis injustas.
Para acompanhar bem o problema nada melhor que ler o texto que pode ser visto integralmente aqui (Trad. Alvaro Nunes): CLICAR
Deixo no entanto uma parte do texto aqui no blog:


Objecção: Não se justifica a desobediência civil em democracia. As leis injustas feitas por um poder legislativo democrático podem ser mudadas por um poder legislativo democrático.
Resposta: Thoreau, que praticou a desobediência civil numa democracia, defendeu que às vezes a constituição é o problema e não a solução. Defendeu também que nasceu para viver e não para fazer lobby; os canais legais podem levar demasiado tempo. O seu individualismo deu-lhe outra resposta: especialmente numa democracia, os indivíduos são soberanos e o governo detém o poder apenas por delegação dos indivíduos livres. Por isso, qualquer indivíduo pode decidir pôr-se fora do domínio da lei. Martin Luther King, Jr., que também praticou a desobediência civil numa democracia, pede-nos que olhemos mais de perto para os canais legais de mudança. Se em teoria estão abertos mas na prática estão fechados ou injustamente bloqueados, então o sistema não é democrático de forma a tornar a desobediência civil desnecessária. Outros activistas chamaram a atenção para o seguinte: se a revisão judicial é uma das características da democracia americana que supostamente torna a desobediência civil desnecessária, então ironicamente ela subverte este objectivo, porque para poder levar um decreto injusto a tribunal de modo a que este seja examinado, é frequente o queixoso ter de ser preso por violá-lo. Finalmente, os princípios de Nuremberga exigem que se desobedeça às leis nacionais ou às ordens que violem a lei internacional, um dever supremo mesmo (talvez especialmente) numa democracia.
Objecção: Mesmo que a desobediência civil às vezes se justifique numa democracia, os activistas devem primeiro esgotar os canais legais de mudança e optar pela desobediência civil apenas em último recurso.
Resposta: Os canais legais não podem ser «esgotados». Os activistas podem sempre escrever outra carta para sua delegação do congresso ou para os jornais; podem sempre esperar por outra eleição e votar de forma diferente. Mas, proclamou King, uma justiça que é adiada é uma justiça negada. King defendeu que, a partir de um certo ponto, a paciência na luta contra uma injustiça perpetua a injustiça e que este ponto fora há muito superado na luta de 340 anos contra a segregação na América. Na tradição que justifica a desobediência civil apelando a uma lei superior, as subtilezas legais contam relativamente pouco. Se a superioridade de Deus sobre César justifica a desobediência a uma lei injusta, então essa mesma superioridade permite que a desobediência ocorra mais cedo do que seria possível. Nesta tradição, A. J. Muste defendeu que usar canais legais para combater leis injustas é participar numa máquina diabólica e dissimular a dissidência sob a capa da conformidade; isto, por seu lado, corrompe o activista e desencoraja os outros levando-os a subestimar o número dos seus congéneres.
Objecção: O contrato com os outros membros da sociedade obriga-nos a obedecer à lei. Ao vivermos no estado e ao gozarmos dos seus benefícios aprovámos tacitamente as suas leis.
Resposta: Obviamente, esta objecção pode ser evitada por quem quer que recuse a teoria do contracto social. Mas, surpreendentemente, muitos activistas da desobediência aceitam esta teoria, sendo assim obrigados a responder a esta objecção. Sócrates faz esta objecção a Críton, que o instiga a desobedecer à lei fugindo da prisão antes de ser executado. Thoreau e Gandhi respondem ambos (como parte de respostas maiores e mais complexas) que aqueles que se opõem intensamente às injustiças cometidas pelo Estado podem, e devem, renunciar aos benefícios que recebem do Estado vivendo uma vida de simplicidade e pobreza voluntárias; esta forma de sacrifício é usada para anular o consentimento tácito em obedecer à lei. Outra resposta de Thoreau é que consentir em juntar-se a uma sociedade e obedecer às suas leis deve ser sempre um acto explícito e nunca tácito. Mas até para Locke, cuja teoria do contrato social introduz o termo «consentimento tácito», se o Estado quebra a sua parte do contrato, a teoria permite a desobediência e mesmo a revolução. Uma resposta da tradição da lei natural, usada por King, é que uma lei injusta não é sequer uma lei, mas uma perversão da lei (S. Agostinho, S. Tomás de Aquino). Por conseguinte, consentir em obedecer às leis não se estende às leis injustas. Uma resposta dada por muitos negros, mulheres e americanos nativos é que o dever de obedecer é uma questão de grau; se não são membros de pleno direito da sociedade americana, então não estão completamente submetidos às suas leis.
Objecção: O que aconteceria se toda a gente praticasse a desobediência civil? A desobediência civil não passa o teste da universalizabilidade de Kant. A maior parte dos críticos prefere expressar esta objecção como um argumento do declive ardiloso. A objecção tem assim uma versão descritiva e uma versão normativa. Na versão descritiva prediz-se que o exemplo dos que praticam a desobediência civil irá ser imitado, aumentando a ilegalidade e a tendência para a anarquia. Na versão normativa faz-se notar que, se a desobediência se justificada para um grupo cujas crenças morais condenam a lei, então justifica-se para qualquer grupo em situação semelhante, o que constitui uma receita para a anarquia.
Peter Suber 

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