domingo, 9 de fevereiro de 2014

Sobre o ensino da lógica e ensino da filosofia

Apesar de antigo, esta introdução de Salmon esclarece muitas dúvidas quanto ao papel da lógica no ensino da Filosofia. Vale a pena ler este pequeno texto que recolhi do livro, principalmente para ajudar a compreender o falso estigma de que não se pode reduzir o ensino da Filosofia ao ensino da lógica. Acrecento que não se deve reduzir o ensino da Filosofia a um complete desprezo pelo ensino e prática da lógica.


Deve estar evidente, agora, que, a Lógica não visa descrever os modos de pensar. Mas seria sua tarefa o estabelecimento de regras segundo as quais se deveria pensar? A Lógica não nos oferece um conjunto de regras para guiar-nos ao raciocinar, ao resolver problemas e ao obter conclusões? A Lógica não nos indica os passos a dar ao inferir? A resposta afirmativa a tais questões é muito comum. Diz-se, mesmo, que as pessoas de raciocínio eficaz possuem um "espírito lógico" e que raciocinam "logicamente".

Sherlock Holmes é um bom exemplo de pessoa com so­berbos podêres de raciocínio. Sua habilidade ao inferir e chegar a conclusões é notável. Não obstante, a sua habilidade não depende da utilização de um conjunto de regras que norteiam o seu pensamento. Holmes é muito mais capaz de fazer inferên­cias do que o seu amigo Watson. Holmes está disposto a transmitir seus métodos ao amigo, e Watson é um homem inte­ligente. Infelizmente, contudo, não há regras que Holmes possa transmitir a Watson capacitando-o a realizar os mesmos feitos do detetive. As habilidades de Holmes defluem de fatôres como a sua aguda curiosidade, a sua grande inteligência, a sua fértil imaginação, seus podêres de percepção, a grande massa de infor­mações acumulada e a sua extrema sagacidade. Nenhurn con­junto de regras pode substituir essas capacidades.
Se existissem regras para inferir, elas seriam regras para descobrir. Na realidade, o pensamento efetivo exige um constante jôgo de imaginação e de pensamento. Prender-se a regras rígidas ou a métodos bem delineados equivale a bloquear o pensamento. As idéias mais frutíferas são, com freqüência, justamente aquelas que as regras seriam incapazes de sugerir. É claro que as pessoas podem melhorar as suas capacidades de raciocínio pela educação, através da prática, mediante um treinamento intensivo; isso tudo, porém, está longe de ser equivalente à adoção de um conjunto de regras de pensamento. Seja como fôr, ao discutirmos as específicas regras da Lógica veremos que elas não poderiam ser encaradas como adequados métodos de pensar. As regras da Lógica, se fossem aceitas como orientadoras dos modos de pensar, transforrnar-se-iam numa verdadeira camisa-de-fôrça.
O que acabamos de dizer pode causar certo desapontamento.
Frisamos, de modo enfático, o lado negativo, esclarecendo aquilo que a Lógica não pode fazer. A Lógica não nos dá uma descri­ção dos reais processos de pensamento - êsses problemas pertencem ao domínio da Psicologia. A Lógica não nos dá regras para inferir - essas questões cabem no âmbito da desco­berta. Mas, então, para que serve a Lógica? A Lógica oferece­nos métodos de crítica para avaliação coerente das inferências. E nesse sentido, talvez, que a Lógica está qualificada para dizer-nos de que modo deveríamos pensar. Completada uma inferência, é possível transformá-la num argumento, e a Lógica pode ser utilizada a fim de determinar se o argumento é correto ou não. A Lógica não nos ensina como inferir; indica-nos, porém, que inferências podemos aceitar. Procede ilogicamente a pessoa que aceita inferências incorretas.
Para poder apreciar o valor dos métodos lógicos, é preciso ter esperanças realistas quanto ao seu uso. Quem espera que um martelo possa efetuar o trabalho de uma chave de fenda está fadado a sofrer grandes desilusões; quem sabe servir-se de um martelo conhece a sua utilidade. A Lógica interessa-se pela justificação, não pela descoberta. A Lógica fornece métodos para a análise do discurso, e essa análise é indispensável para exprimir de modo inteligível o pensamento e para a boa compre­ensão daquilo que se comunica e se aprende.
Wesley C. Salmon, Lógica, Zahar Editores, 1971, Trad. L. Hegenberg e O. Mota, pp.28,29

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