quarta-feira, 2 de março de 2011

Filosofia sem clássicos

Hoje tive uma ideia que não tem absolutamente nada de original. Frequentemente ouvimos estudantes do curso X ou Y a perguntar a outros estudantes do mesmo curso, mas de outra Universidade se leram o autor x, y ou s, para provar que um dos cursos é melhor que o outro. E se eu dissesse que estudei numa universidade, no curso de filosofia, mas que não estudei nem Platão, nem Aristóteles, Kant ou Descartes. E se eu revelasse ainda um treino muito apurado a tratar de problemas da filosofia? Tal situação será possível, isto é, um bom curso de filosofia onde os clássicos não sejam directamente trabalhados, mas só indirectamente? Um curso onde a filosofia fosse um laboratório de problemas, com discussão activa, tendo como foco principal as mais recentes investigações dos filósofos ainda vivos? Claro que nesse meu curso imaginário, ler Platão ou Kant não eram actividades de desprezar. Simplesmente não eram centrais. Que acha o leitor? Que um curso de filosofia assim, seria ainda um bom curso de filosofia?

(as telas lá em cima são de Mark Rothko)

4 comentários:

João Carlos disse...

Seria, certamente, até porque estaria centrado naquilo que mais importa, isto é, na própria actividade filosófica enquanto formulação, análise e discussão directa de problemas, teorias e argumentos, e não indirecta e passivamente no seu conhecimento histórico, numa atitude de subserviência hermenêutica em relação aos autores do passado. No entanto, um curso que descurasse completamente o estudo dos clássicos seria lacunar, e isso por várias razões: 1) Porque boa parte, para não dizer a quase totalidade dos problemas fundamentais que agora se discutem e investigam em filosofia já são investigados e discutidos há séculos - alguns deles desde os gregos, como sabemos -, o que faz com que o seu desconhecimento pudesse originar simultaneamente ilusões de originalidade (de descoberta da pólvora vezes sem conta) e/ou ingenuidade no tratamento dos mesmos; 2) Porque o conhecimento, compreensão e discussão séria das investigações dos filósofos actuais pressupôe, muitas vezes, o reconhecimento da sua dívida histórica, seja ela conscientemente assumida pelos próprios ou não, ajudando tal conhecimento a ter uma outra perspectiva crítica relativamente àquelas, mesmo sem a deslocar do campo propriamente filosófico da sua verdade ou falsidade para o campo histórico ou hermenêutico da sua necessidade ou sentido; 3) Por último, tal desconhecimento ou desprezo pelos clássicos impedir-nos-ia de contactar directamente com algumas das melhores mentes que a humanidade já produziu, aprendendo com eles tanto com os seus erros como eventuais acertos, tentando perceber se têm ou não razão e se falam ou não verdade, através da análise e discussão crítica das suas propostas teóricas, dos seus problemas e argumentos, não para os repetir ou interpretar ad aeternum e ad nauseam, mas sim para os imitar no sentido mais nobre da palavra: fazer aquilo que eles próprios fizeram, quer em si mesmos quer na relação com os outros seus contemporâneos ou antecessores, ou seja, procurando a verdade e/ou buscando a sabedoria, onde quer que ela se encontre. Talvez o problema não esteja, assim, no facto de se estudar ou não os clássicos, mas sim na atitude subserviente de submissão ou idolatria que podemos ter em relação a eles, pois se os tratarmos como eles se trataram uns aos outros, como companheiros de percurso com quem podemos aprender, seja concordando ou discordando, e valorizando acima de tudo o amor à verdade ( e não a Platão, como teria dito Aristóteles), então aí, sim, estaremos a fazer jus à sua herança e a tratá-los com o respeito que merecem como nossos iguais, como eles certamente gostariam.

EsaFilosofia disse...

Seria um excelente curso de Filosofia. O que realmente importa é a actividade filosófica em acção e a sua constante formação em enigmas importantes na sua época. Passe no www.esafilosofia.blogspot.com

Rolando Almeida disse...

Obrigado pela vossa referência, um abraço e bom trabalho

EsaFilosofia disse...

Olá Amigo. Não tem de agradecer. Eu é que agradeço por você manter este blog com a máxima qualidade. Gosto bastante do visual do blog. Bastante atractivo! Escrita magnífica. Já sou seguidor :)

Votos de sucesso!

Daniel Pereira
www.esafilosofia.blogspot.com