O que é que temos disponível em língua portuguesa sobre epistemologia e que sirva como introdução geral obedecendo aos critérios mínimos: o rigor possível e a clareza na explicação. É possível que tenhamos por aí mais algumas edições que, ou eu não conheço ou não me lembro neste momento. Do que tenho nas minha prateleiras, recomendo dois estudos:
Stephen Hetherington, Realidade? Conhecimento? Filosofia! Uma introdução à metafísica e epistemologia, Instituto Piaget
Jonathan Dancy, Epistemologia contemporânea, Ed. 70
O primeiro destes dois livros não é exclusivamente dedicado à epistemologia, com efeito fornece elementos relevantes para compreender bem e sem grandes complicações, do que trata a epistemologia.
O segundo livro é talvez a melhor e única (???) boa introdução à epistemologia que temos disponível em língua portuguesa. Nalguns momentos tem uma tradução que levanta suspeitas, mas serve perfeitamente para estudo.
Neste momento trata-se de uma área carente de uma refrescante tradução. Ambos os livros são talvez um pouco sofisticados para o leitor neófito, sendo o de Dancy para leituras avançadas mesmo.
8 comentários:
Caro Rolando,
Sem pretender imiscuir-me, penso ser importante e oportuno o seguinte esclarecimento no que diz respeito ao termo "Epistemologia". Com efeito, a palavra “Epistemologia” é utilizada, sobretudo nos países anlo-saxónicos, com um sentido lato, significando a "análise ou estudo dos processos evolutivos gerais do conhecimento" sendo, neste caso, sinónimo de “Teoria do Conhecimento” ou gnose(i)ologia.
Em França, todavia, a mesma palavra é utilizada num sentido mais restrito, com o significado de "Análise do espírito científico". (Note-se que a ciência é, também, um tipo de conhecimento, um conhecimento específico.) É o estudo dos métodos, das crises, da História das ciências modernas.
Para ilustrar o que acaba de ser mencionado, veja-se, a título de exemplo, a definição dada pelo inglês Simon Blackburn no seu “Dicionário de Filosofia”, editado pela Gradiva: "Teoria do conhecimento (…) tendo por questões centrais a questão da origem do conhecimento, o lugar da experiência e da razão na génese do conhecimento (...).
Agora, compare-se com a definição dada pelo francês André Lalande, no “Vocabulário Técnico e Crítico da Filosofia (Rés Editora) acerca do mesmo termo/conceito: "Filosofia das ciências".
Veja-se, ainda a este propósito e na mesma linha/orientação de Lalande, a definição do referido termo apresentada por Robert Blanché em "Epistemologia" (Editorial Presença): "A palavra epistemologia significa literalmente "Teoria da ciência". E, mais à frente: "A epistemologia é uma reflexão sobre a ciência".
O equívoco advém do termo grego "epistêmê" que significa conhecimento, por oposição à "doxa", mera opinião. Todavia, enquanto que a palavra "episteme" é tomada num sentido amplo pela tradição anglo-saxónica, é, ao invés, encarada numa perspectiva restrita pela tradição continental francesa, significando o conhecimento científico.
Saudações,
Carlos JC Silva
... sendo assim, os dois livros mencionados exploram questões de natureza gnosiológica, se nos orientarmos pela terminologia francesa (e não epistemológica).
Olá Carlos,
Antes de tudo desejo um bom início de ano lectivo. Na verdade, não vejo grande vantagem na distinção que sugeres. Imagina que há um ramo da medicina que estuda os aspectos x, w e y e que se chama R1. Um conjunto de investigadores acham que o aspecto h também pertence ao mesmo ramo e por isso chamam-lhe R2.Depois há sempre os mais conservadores ou fundamentalistas que vão aos primeiros que estudaram tal coisa e chegam à conclusão que nesse tempo esse estudo era designado por R0. Não quero com isto negar a relevância destas discussões, mas no caso da epistemologia ou teoria do conhecimento não me parece mesmo ser significativa já que chamar uma ou outra coisa é o mesmo. Além do mais a definição francesa está incorrecta, essa sim, pois confunde teoria do conhecimento ou epistemologia que é o mesmo, com uma coisa diferente que é filosofia da ciência. Ora, a teoria do conhecimento estuda aspectos do conhecimento em geral, científico ou não, ao passo que a filosofia da ciência se interessa pelo estudo do conhecimento científico e os seus fundamentos. Epistemologia realemnte vem de episteme que é a mesma coisa que dizer, conhecimento, mas não conhecimento científico. Mas se queres ir aos gregos, o Platão no Teeteto farta-se de falar em episteme como conhecimento em geral e não conhecimento científico.
Nota outra coisa: a palavra ciência com o significado actual data do sec xix se não estou em erro. Até aí, não existia grande distinção entre ciência e filosofia. talvez por isso é que Descartes tenha falado tanto em ciência :-) O que os dicionários franceses não parecem levar em linha de conta é o sentido das palavras de hoje. Não faz sentido confundir epistemologia com filosofia da ciência.
"Epistemologia realmente vem de epistémé que é a mesma coisa que dizer, conhecimento, mas não conhecimento científico" -
Curiosamente F. E. Peters em "Termos Filosóficos Gregos", F.C.G., define "epistémé" como:
1. Conhecimento (verdadeiro e científico) (oposto a doxa);
2. Um corpo organizado de conhecimento, uma ciência;
3. Conhecimento teorético.
Repara que não sou eu que sugiro a distinção entre Epistemologia e Teoria do Conhecimento. Eu limito-me a constatar que, de facto, há uma linha de pensamento, correcta ou não, que operacionaliza essa distinção ao ponto de considerar três grandes áreas do conhecimento:
1. Conhecimento em geral, (âmbito da Gnosiologia ou Teoria do Conhecimento);
2. Conhecimento científico (âmbito da Epistemologia a qual, por sua vez, se subdividiria em geral e regional);
3. a Validade/Verdade (âmbito da Lógica).
É claro que a fronteira que separa estas diferentes áreas do "conhecimento" pode ser ténue e de difícil concretização mas existe, apesar de tudo.
Além do que na relação pedagógica é deveras importante clarificar conceitos, defini-los no sentido de lhes traçar os seus fins/limites, mostrando assim onde termina o domínio específico de um conceito e começa outro domínio.
No caso concreto, as duas linhas de pensamento referidas espelham-se, plasmam-se nos diferentes manuais. Assim,enquanto que uns autores definem Epistemologia como sendo a "Análise dos pressupostos do conhecimento científico" (705 Azul, T.E.); outros definem-na como sendo o "Estudo dos problemas mais gerais do conhecimento, incluindo a sua natureza, limites e fontes" (Arte de Pensar, D.E.).
Assim, cabe ao docente fazer, fundamentadamente, a "opção" por uma delas.
Votos renovados de bom ano lectivo,
Carlos JC Silva
Pois, mas isso é óbvio: se a epistemologia é a teoria geral do conhecimento e se a ciência é um conhecimento, então a epistemologia também estudo a forma como a ciência conhece e se faz :-)Portanto é correcto dizer que a epistemologia também estuda a filosofia da ciência, mas é incorrecto confundir a epistemologia com a filosofia da ciência. correcto? Nem sei mesmo se há aqui alguma confusão, creio que não. Confusão existe se alguém disser que a epistemologia estuda o conhecimento científico. É verdade que sim, mas estuda muito mais. É uma definição que reune condições necessárias mas não suficientes. ter patas é necessário para o gato ser gato, mas não suficiente. Estudar a ciência é necessário para a epistemologia ser teoria do conhecimento, mas não suficiente. Não há aqui qualquer opção pedagógica, pois não há mais a dizer ao aluno além disto.
abraço
Só agora li os vossos comentários. Não é correcto dizer que a epistemologia é a mesma coisa que filosofia da ciência, por muito que Blanché e Lalande escrevam tais disparates. Muitos dos problemas discutidos em filosofia da ciência não são problemas epistemológicos. Por exemplo, o problema sobre o que é uma explicação científica é um problema de filosofia da ciência, mas não de epistemologia. Isto significa que a filosofia nem sequer é uma subdisciplina da epistemologia. São coisas diferentes.
A epistemologia (ou teoria do conhecimento) é uma disciplina filosófica central. Isto quer dizer que em praticamente todas as outras disciplinas filosóficas (ética, estética, filosofia da religião, filosofia da ciência, etc.) nos deparamos com problemas de carácter epistemológico. Tal como há problemas éticos, estéticos, de filosofia da religião e de filosofia da ciência que são metafísicos).
Quando os gregos falavam de episteme estavam a falar simplesmente de conhecimento, que se distinguia, e ainda distingue, de opinião (doxa): as opiniões podem ser falsas; o conhecimento não.
Não vale a pena confundir coisas que são relativamente simples e que, ainda por cima, são perfeitamente pacíficas entre a esmagadora maioria dos filósofos.
Muito Bom Os comentários de vocês, me esclareceram mais do que o Próprio artigo publicado no Blog.
Enviar um comentário