O grande objetivo do ensino é que os alunos aprendam. E a aprendizagem implica a aquisição de ferramentas mais ou menos teóricas que lhes permitam ser autónomos. De uma maneira simples, mas não menos exata, é para isso que serve o ensino. Um exemplo: em filosofia trabalhamos filosofia da arte. Na filosofia da arte trabalhamos o problema de saber que propriedades (se é que as há) distinguem um objeto que consideramos de arte de um que não o é. No início do estudo é mais ou menos natural que o estudante resuma uma resposta com esta natureza: é arte aquilo que cada um considerar arte. Esta é uma posição subjetivista e nenhum aluno está impedido de defender uma posição subjetivista. Mas se após umas semanas a estudar teorias no final o aluno ainda assim considerar o mesmo sem pelo menos hesitar, talvez isso seja sintoma de que não progrediu em competências. O curioso é que isto pode acontecer – ainda que seja mais difícil – a alunos que fazem apenas copy paste e o sistema de ensino reconhece-os como excelentes alunos. Contudo é impossível progredir sem conhecer as teorias, mas o conhecimento das teorias não é suficiente já que é também necessário que se pense autonomamente sobre o que se estuda. O trabalho do professor é, naturalmente, inventariar processos para avaliar. No ensino secundário, com honrosas exceções, esta avaliação mede-se entre 70% a 90% com testes escritos. E nos testes escritos, de filosofia, ainda persiste uma percentagem muito grande para a resposta final onde se pede ao aluno que disserte autonomamente sobre o problema. E classifica-se assim o aluno. Os próprios manuais de ensino, os mais adotados, incluem testes com resposta de desenvolvimento que valem 5 valores em 20. Ora, vou aqui defender e tentar mostrar que isto é errado e um modo agressivo de fazer uma avaliação. Defendo isto porque dar uma percentagem de 25% da classificação num teste a uma tipologia de questão é apenas dar a vantagem a quem melhor se sai nessa tipologia de questões. O IAVE já se deu conta disso e uma questão de desenvolvimento vale apenas mais umas décimas que uma de escolha múltipla. Pela experiência que tenho, muitos professores acham isso apenas uma maneira de facilitar. E não é. Abundam estudos empíricos em avaliação que revelam que a maneira mais justa de avaliar é fazer uma distribuição equitativa pelas diferentes tipologias de questão. E o mesmo pelas várias tipologias de classificação de final de período, o que desde já chumbaria, suspeito, a maioria das escolas portuguesas quando colocam os testes no patamar dos 70% a 90%. Não vou tanto centrar-me nos critérios gerais, mas mais naquilo que vejo recorrentemente acontecer em testes. E assumo desde já ser um erro que testes valham mais que 50% da classificação final dos alunos. E o desempenho que um aluno pode ter no exame nunca se deveria medir pelo desempenho que tem ao longo do ano. Nem me parece ser um exercício muito difícil perceber que um aluno pode ter um excelente desempenho a trabalhar em projeto e um mau desempenho a fazer um exame. Ora se estivermos apenas a ver como objetivo que desempenho terá esse aluno no exame e o classificarmos tal como é feito num exame, apenas estamos a salvaguardar uma eventual imagem do professor e da escola para assegurar que a média interna iguala a média dos exames. Isto tem sido a pressão a que as escolas se sujeitam com os rankings. Defendo que as escolas deveriam reivindicar uma diversidade de avaliações. Pese embora, claro, qualquer profissional numa escola deseja um bom desempenho dos seus alunos em exames. Mas pode prepará-los para exames ao mesmo tempo que não sujeita os alunos a testes que são apenas modelos de exames. Isto, na minha opinião, distorce um pouco o ensino e torna-o bastante menos inclusivo.
Vamos aos testes. Se um teste – no caso de filosofia – tem uma questão que vale 25% de todo o teste, está-se a privilegiar apenas os alunos que melhor desempenho tem nessa competência. No caso específico da filosofia a defesa é que o aluno de filosofia tem de saber interpretar e expor o que pensa em texto. E estiou de acordo com isso. Contudo nem todos os alunos de filosofia querem ser filósofos. Além disso abundam os filósofos que nem por isso são bons escritores e até se revela muito difícil compreender o que escreveram. É por isso que agradeço a Russell escrever tão claramente e nem por isso agradeço o tom metaforicamente embrulhado de um Nietzsche. Mas não é necessário ir tão longe. A questão a fazer é simples: poderá um aluno de filosofia responder pelo menos a 50% do teste sem por isso ser um grande escritor? E a resposta mais óbvia é sim. Isto porque a filosofia não resulta – sequer – de uma escolha do aluno no secundário. É uma disciplina que o aluno está sujeito obrigatoriamente nos cursos gerais. Por outro lado, se queremos dar uma real oportunidade aos alunos de se preparem para o exame, porque não, então, fazer testes cuja classificação é aproximadamente igual à dos exames? Fiquei tanto mais admirado quando na ultima fornada de manuais escolares onde as propostas dos testes são feitos da maneira clássica onde ou se sabe escrever bem ou então é mais difícil uma excelente classificação. Pode-se até conceber um teste onde uma resposta de desenvolvimento tenha esse peso. Fazê-lo de maneira sistemática é excluir e não incluir, Mais radical que isto foram os meus primeiros anos de ensino nos quais os testes eram apenas 4 questões de desenvolvimento e cada uma valia 5 valores. Hoje olho para trás e penso em duas coisas: 1ª a quantidade de alunos que sofreram injustamente com esta forma de os classificar 2º que nesses tempos fazia algum sentido pois na verdade apenas os alunos com esse tipo de competência estavam no secundário. Mas sejamos justos: ensinar quem já vem ensinadinho de casa é fácil. Difícil é ensinar os outros, que são exatamente aqueles que dão sentido ao trabalho de um professor, os que não nos chegam às mãos com estas competências desenvolvidas.
Recentemente nas Olimpíadas de Filosofia, o professor Carlos Café foi convidado para “explicar” como se trabalha a classificar e avaliar com o PPF, Projeto Pessoal de Filosofia. Tenho relativo conhecimento de como se faz, até porque o Carlos Café faz questão de o divulgar de maneira intensiva nas suas redes sociais. A questão a colocar é: os alunos do professor Carlos Café e da escola onde trabalha aprendem menos filosofia e a filosofar que os outros porque não passam o ano focados em fazer testes para os preparar para exame nos quais tem de saber redigir uma resposta que vale 25% do total de um teste? E a resposta é: NÃO. São este tipo de exemplos que nos revelam que muitas vezes a maneira como estamos a avaliar e classificar servem mais os nossos interesses de professores e expõem também a nossa incapacidade de fazer aquilo que em educação deveria ser mais a regra: diversificar e arriscar. O primeiro passo é simples: acertem com os vossos alunos: vamos fazer um teste diferente do habitual. E surpreendam-se quando os melhores deixarem de o ser de maneira destacada porque outros começam a brilhar. Ou então nos vossos grupos de trabalho tenham a coragem de alterar as percentagens da avaliação. Há muitas maneiras de o fazer. Somos professores para encontrar as melhores maneiras. No exame já se faz. E nós achamos que o exame é que é mau.
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