sexta-feira, 31 de maio de 2013

Como se salva a filosofia no secundário?

A escolha de manuais assenta, muitas vezes, em critérios absolutamente bizarros, o que revela que é feita à pressa, sem qualquer cuidado e sem grande zelo profissional. Muitas vezes invocam-se questões de estilo. O problema é que um mau manual ultrapassa muitas das vezes a questão do estilo. Nem se trata do estilo com que é escrito ou dos percursos que escolhe seguir. Trata-se de ignorância grosseira, do baralhar e voltar a dar, de incompetências científicas evidentes e não subtis. Sei por contacto directo a dificuldade e exigência que é fazer um bom manual. Mas é incompetente colocar todos no mesmo patamar. Há manuais visivelmente incompetentes. E que ainda assim circulam no mercado com relativo à vontade. Quem sofre com essa circunstância é a própria filosofia que vê assim a sua dignidade no ensino relegada para um lugar secundário. E uma das vias mais certas para revitalizar o ensino da filosofia, é torna-lo produtivo, fazer com que cada vez mais alunos vejam a filosofia como uma disciplina entre as mais importantes que estudam e não como uma conversa oca, sem qualquer sentido. O que pode oferecer consistência à disciplina é o seu rigor científico. Com conversa da tanga não vamos lá. É por essa razão que é tão útil e importante ler algumas coisas que se vão publicando. E dai a minha sugestão para este texto de Desidério Murcho, publicado no blog do 50 Lições de Filosofia.  


sexta-feira, 24 de maio de 2013

Os Joy Division na filosofia da arte

Nas últimas aulas do ano, os meus alunos apresentam os ensaios argumentativos que preparam há cerca de 2 meses. São ensaios curtos nos quais têm de discutir uma tese. Eu forneço a bibliografia (textos de cerca de 20 páginas) onde as teses são apresentadas. Dou alguns problemas para escolher, exponho cuidadosamente as regras para o ensaio, mostro exemplos de outros ensaios e explico o que se avalia num ensaio. Em regra faço isto aproveitando a última aula do 2º período. Antes os alunos já preparam uma pequena apresentação, mas sem qualquer suporte bibliográfico, na qual têm de defender uma tese sobre um problema previamente proposto. As  apresentações orais são de cerca de 5 a 10 minutos cada. Nelas o aluno tem de mostrar que a tese defendida é bem defendida. Já vi excelentes apresentações e cada vez que as vejo penso sempre como cada vez mais nós, professores, temos de dar esta liberdade aos alunos, que sejam eles próprios a participar expondo as suas reais capacidades. A apresentação da Teresa foi especial, pois ela propôs-se a defender que a obra dos Joy Division é uma obra de arte. Para tal, a Teresa percorreu na base as teses de Collingwood, Dickie e Clive Bell. A Teresa foi mais longe e mostrou aos colegas algumas músicas dos Joy Division e o seu legado, tal como New Order ou Clan Of Xymox. Foi um pedaço de aula muito bem passado, e todos aprendemos um pouco mais com a exposição da Teresa.  Ficam as fotos. 


quarta-feira, 22 de maio de 2013

"Deus é uma verdade inquestionável" não é juízo de valor


Acabei de ler num manual o seguinte exemplo de juízo de valor:

“Deus é uma verdade inquestionável”

E se for verdade que Deus existe continua a ser um juízo de valor? Não, é um juízo de facto. O que acontece se for verdade que Deus existe, é que quando afirmo: “deus não existe”, o meu juízo de facto é falso. Tal como afirmar que a terra está no centro do sistema solar é um juízo de facto errado.

Mas o exemplo contém uma gralha ainda maior: Deus não é uma verdade, tal como uma pedra ou uma casa não é uma verdade. O que é uma verdade ou falsidade é a proposição expressa na frase e não Deus.
Se Deus existir, não é uma verdade. O que é verdadeiro é que se Deus existir, a frase "Deus existe" é uma verdade. Mas não é Deus em si que é uma verdade.
Este tipo de exemplos só lança confusão na cabeça dos alunos, em vez de os esclarecer e ver como funcionam as coisas. Ainda por cima há milhares de exemplos óbvios. 

Neste manual encontro de novo a definição de juízo de valor como subjectivo e não podendo ser verdadeiro ou falso. mas de seguida expõe-se a tese objectivista como se nada se tivesse dito em contrário na definição de juízo de valor. É que, se a tese objectivista for verdadeira, pelo menos alguns juízos valores são verdadeiros e objectivos, o que contraria a definição de que um juízo de valor é subjectivo.

A definição de objectividade é igualmente infeliz. Diz o manual que:

"Os valores são objectivos; encontram-se na relação com os objectos e podem ser conhecidos como qualquer outro facto"

Subjectividade define-se assim no manual:

"Os valores são subjectivos; dependem do sujeito para se mostrarem"

Convido os professores a imaginarem que têm apenas 15 anos e como é que entendem o que se escreve no manual?

Os juízos de valor dependem sempre do sujeito. Ou há juízos para além de sujeitos? Os juízos são coisas? Os juízos são a expressão verbal das nossas crenças acerca do mundo. E o conteúdo que expressam pode ser verdadeiro ou falso. Ora, os objectivistas defendem que há juízos de valor que têm valor de verdade, isto é, que podem ser verdadeiros ou falsos, mesmo que nós não saibamos ainda se são verdadeiros ou falsos.
A opção na distinção entre juízos de valor e juízos de facto, além de errada, nem sequer é didacticamente acertada.

Uma boa opção de manual


É muito raro conseguir ler em espaços públicos o que pensam os professores sobre os manuais de filosofia. Com efeito, os colegas autores do Dúvida Metódica apontaram aqui algumas razões para terem optado pelo 50 Lições de Filosofia. E publico essa opinião porque me parece adequada. Clicar na imagem para aceder ao blogue onde está a pequena análise.


terça-feira, 21 de maio de 2013

Objectividade nos valores


A propósito da objectividade nos valores, deixo aqui 2 links que podem ser úteis para uma melhor compreensão do problema. Um está em inglês e o outro em português, mas ambos me parecem ajudar a clarificar algumas confusões.


domingo, 19 de maio de 2013

Mais um manual analisado (e com muito a corrigir)


Ao analisar o capítulo dos valores de mais um manual, dei-me conta de algumas incoerências que vi pelo menos em cerca de 10 manuais.

Em primeiro lugar há neste manual muito discurso literalmente para encher já que o mesmo não possui qualquer relevância filosófica, não apresentando qualquer problema da filosofia. É o que vou tentar explicar de seguida.

A escolha de um autor como Hessen não me parece adequada, já que se trata de um autor sem qualquer peso na discussão actual dos problemas que são sugeridos aos estudantes neste capítulo.

O manual começa com uma distinção entre acepção vulgar de valor, acepção económica, acepção moral e acepção filosófica. Para além destas distinções não revelarem qualquer problema da filosofia, ela está mal feita. E está mal feita porque nem sequer faz qualquer sentido fazer este tipo de distinções, inculcando nos alunos mais confusões que clarificações. Vamos por partes. Quanto à acepção vulgar diz-se que:

 “é sinónimo de preferência e selecção. Ao nível do senso comum, o valor é entendido como a preferência de alguma coisa

Mas mais uns parágrafos à frente afirma-se que:

os valores são referências para o agir, na medida em que o ser humano é orientado por valores nas escolhas que faz. No entanto, o ser humano é o detentor do seu próprio projecto de liberdade, porquanto tem a capacidade de reinventar valores ou de lhes atribuir novos significados ao longo da história”

Questões minhas:

1)      Então mas esta acepção que se dá de valores (a da citação acima) não era a acepção vulgar ou do senso comum? Qual é exactamente a diferença entre esta acepção dada de valores e a acepção do senso comum?
Antes, na acepção filosófica de valores, o manual refere que:

“a partir do seculo XIX e inícios do seculo xx, alguns filósofos dedicam-se ao estudo sistemático dos valores, criando mesmo escolas de pensamento dedicadas ao estudo dos valores. É a chamada filosofia dos valores ou axiologia”

A questão a colocar é em que medida é esta uma acepção de valores? Não é. Trata-se apenas de uma nota de rodapé, nada mais. E assim, o estudante pura e simplesmente fica sem saber distinguir acepção vulgar de valores de acepção filosófica. E fica porque o manual não a explica. Introduz uma confusão claramente errada. O que existe em filosofia são problemas que se relacionam com os valores, tais como:

- podem alguns valores ter valor de verdade tal como os juízos de facto têm?
- como compreender o valor intrínseco de uma determinada coisa?

Mais adiante o manual ensina ao aluno que:

“atribuir valor às coisas, isto é, valorar, é constitutivo do ser humano: ao sentir, pensar e relacionar-se com o mundo e com os outros posiciona-se face às situações. Enquanto agente, faz escolhas que têm em conta valores: um grupo de amigos, uma relação amorosa, uma profissão, uma associação, um projecto de vida”

Ou seja, afinal, a acepção do manual é sempre a do senso comum.

Mas para quê que se gasta quase 4 páginas com este discurso? Saber o que são valores é relativamente trivial para alunos de 15 anos. Em 2 minutos apenas, os adolescentes são capazes de enumerar imensos valores. Isto porque saber alguns valores são de senso comum, fazem parte da vida dos seres humanos, é uma questão relativamente trivial. Exactamente por isso é que até didacticamente é muitíssimo mais acertado arrancar logo os estudantes para a discussão dos problemas. Após esses 2 minutos de levantamento de alguns valores, podemos desde logo iniciar a discussão dos problemas (como o da objectividade – subjectividade). E essa discussão é que é menos trivial já que as pessoas não estão de todo familiarizadas com a discussão, nem sabem a melhor forma de a organizar intelectualmente, uma vez que não sabem também de que se trata de um problema filosófico. E os problemas filosóficos discutem-se “sistematicamente” como refere o manual. Reflectir sistematicamente é empregar determinadas regras da discussão filosófica, que este manual ignora de todo.

Vou recuperar a definição do manual de valores para levantar a questão 2). :

“os valores são referências para o agir, na medida em que o ser humano é orientado por valores nas escolhas que faz. No entanto, o ser humano é o detentor do seu próprio projecto de liberdade, porquanto tem a capacidade de reinventar valores ou de lhes atribuir novos significados ao longo da história”

Repare-se na definição de valores dada no manual e na definição dada da tese objectivista de valores:

“O objectivismo dos valores (ou objectivismo axiológico), que enfatiza o valor, independentemente do sujeito avaliador – o valor reside no objecto e o sujeito tem apenas de reconhecê-lo”

Isto é interessante pois se o objectivismo dos valores fosse o que se refere na definição, não seria sequer um problema filosófico. Seria um problema científico, pois teríamos de investigar empiricamente as propriedades dos objectos que revelam os valores. Um aluno médio é perfeitamente capaz de levantar este problema e ver por si mesmo que o manual está a inventar.

Mas a questão 2) é esta:

2)      Como compatibilizar a definição objectivista dos valores com a acepção dada no manual? É que se o objectivismo (tal como é definido) for uma tese verdadeira, então por que razão se diz que o ser humano pode reinventar valores? Não poderia, pois os valores são propriedades dos objectos e não produto do raciocínio dos sujeitos, por exemplo.

As definições de subjectivismo e objectivismo estão erradas. Já demonstrei no post anterior a distinção que deve ser feita. Note-se que podem existir valores objectivos e muitas pessoas pura e simplesmente avaliarem subjectivamente. Se tal acontecer isso significa somente que a avaliação das pessoas está errada. E isso é igual para valores morais, estéticos, políticos ou outros.

Ao contrário do que sugere o manual, quer se trate da tese objectivista, quer da subjectivista, há sempre um sujeito que avalia, que atribui valor às coisas e ao mundo.

A caracterização dada dos valores (polaridade, absolutividade ou relatividade, hierarquia e historicidade) além de irrelevante para a discussão dos problemas, nem sequer é correcta.

Vamos pegar na questão da polaridade. O manual aponta que:

Os valores, por expressarem preferências, estão associados a um contravalor ou desvalor, que representa o lado negativo….”

1º se a tese objectivista for verdadeira e tal como erradamente está definida neste manual, então há pelo menos uma possibilidade em que os valores não são expressão das preferências dos sujeitos, mas propriedades dos objectos. E nesse caso pelo menos alguns valores (e não todos como sugere a definição de objectivismo do manual) não possuem quaisquer pólos positivos e negativos.

Em relação á “absolutividade / relatividade” (é assim que aparece no manual) dos valores, não há qualquer necessidade de se expor este ponto, pois se fosse dada uma explicação correcta da tese objectivista e subjectivista, perceber-se-ia de modo muito simples que se a tese subjectivista for verdadeira, todos os valores são subjectivos (e  aí introduzir-se-ia o relativismo). Se a tese subjectivista for falsa, então há pelo menos alguns valores que não são relativos, nem subjectivos (atenção que pode haver valores subjectivos sem serem relativos – eu posso atribuir valor a estimar as vacas, não as comendo, numa comunidade que valoriza muito comer carne de vaca; eu posso valorizar dar tratamento igual de género, numa comunidade que não o valoriza assim, etc…).

Quanto à hierarquia dos valores, não sei sinceramente para que se aborda isto num manual de filosofia. Que problema filosófico levanta? Que discussão propõe? Nem sequer é uma questão discutida entre filósofos? Que pergunta de filosofia relevante se pode fazer sobre a hierarquia dos valores?

A historicidade é a mesma coisa. Além disso a explicação dada é absolutamente vulgar. Os valores também têm uma história. Fixe. Ponto.

Uma outra correcção que é válida para este como para muitos outros manuais. Tenho lido esta distinção:
Os juízos de valor são descritivos e os juízos de valor são “avaliativos”

Ora, esta distinção também não é correcta. Se é certo que os juízos de facto são descritivos, não é verdade que os de valor não o sejam. Segundo os objectivistas, alguns juízos de valor além de “valorativos” (como aparece em alguns manuais) podem ser ou não descritivos. Mas o mais curioso no manual que aqui analiso é que segundo a sua definição de objectivismo, jamais poderia ignorar que os juízos de valor sejam descritivos, pois se a beleza do Requiem do Mozart fosse uma propriedade do objecto, então quando eu digo “O Requiem do Mozart é belo”, nada mais estou a fazer que uma descrição.

Em conclusão. Este manual sofre do mesmo erro que muitos outros manuais. Tem muito texto sem qualquer interesse cognitivo. O estudante fica com uma ideia muito fraca do que é discutir filosofia, para além de ficar agarrado a uma série de incoerências que em nada ajudam a edificar uma ideia correcta do que seja a filosofia e o filosofar. 

Ainda há manuais muito maus


Apesar de existir muita bibliografia disponível, é inaceitável como é que encontro nos novos manuais de filosofia incompreensões que são básicas. Entre elas, a de saber com correcção o que é um argumento. Acabei de ler num manual que um argumento “consiste em sustentar racionalmente uma tese”. Como exemplos de argumentos o manual sugere dois:

O altruísmo promove o progresso da humanidade
O altruísmo contribui para o progresso da humanidade

Estes são os dois exemplos de argumentos apresentados no manual. Bastaria fazer umas questões aos alunos no próprio manual para perceber que as mesmas não teriam qualquer resposta possível. Então vamos lá?

1.      Indique a ou as premissas do primeiro argumento?
2.      Qual a conclusão do primeiro argumento?
3.      Qual a tese defendida no segundo argumento?
4.      Quais a ou as razões apresentas no segundo argumento para a defesa da tese nele enunciada?

Como se verifica, só entrando no reino da engenharia fantasista é que daríamos respostas a estas questões. Isto porque as afirmações apresentadas no manual não são argumentos.

Até aqui o manual indica que se deve saber distinguir um texto jornalístico de um texto filosófico. Não percebi bem a relevância da distinção feita, mas ela assenta no seguinte:

Enquanto o texto jornalístico tem por função informar, descrevendo o que aconteceu, o texto filosófico pretende provocar o debate e a reflexão crítica

Nem sei muito bem se o que está mais errado é não se perceber o que é a filosofia ou o texto jornalístico, até porque no texto jornalístico pode-se perfeitamente provocar o debate e reflexão crítica. Quando abrimos os jornais nos dias de hoje, o que não falta são textos jornalísticos de reflexão crítica e debate em torno da crise financeira e social. E não são textos filosóficos pois não tratam de problemas da filosofia.

Depois refere o manual que na dimensão discursiva do texto filosófico se devem distinguir dois pólos: o leitor e o texto. Queria evitar a ironia nestas observações que tenho feito aos manuais, pois a minha intenção é ajudar a corrigir para fazer melhor. Mas confesso que não sei como expressar a vagueza deste tipo de explicação de outra forma: então e que tal acrescentar outros pólos à dimensão discursiva, como o facto de necessitarmos de olhos, de luz, etc… para a dimensão discursiva. Qual a relevância de indicar aos alunos que para analisar um texto filosoficamente precisamos de dois pólos: o texto e o leitor? Isso parece elementar e pouco filosófico, não? Os autores indicam que a leitura do texto filosófico é dinâmica. Mas qualquer leitura é dinâmica. O que creio que os autores querem dizer, mas não dizem (não sei por quê) é que em filosofia fazemos uma leitura activa uma vez que estamos a investigar problemas e não a ler romances, o que é uma coisa completamente diferente de afirmar que na leitura do texto filosófico existem dois pólos, o leitor e o texto.

No caso deste manual cada linha escrita é um deslize gigante. Diz logo a seguir que “um cientista tem de garantir a adequação da sua tese e aquilo que pode ser cientificamente comprovado”. Afirma-se isto mesmo sem ter qualquer consideração pela investigação em filosofia da ciência que se vai ensinar no 11º ano. Se o critério da ciência fosse a comprovação (penso que empírica, a que é referida) a esmagadora maioria das teorias científicas não estariam comprovadas. Mas, já agora, não estariam, é, ainda falsificadas.
Momentos antes o manual sugere uma distinção entre filosofia espontânea e filosofia sistemática. Esta distinção não existe, sequer. O que existe é filosofia. Do facto das pessoas fazerem as contas quando vão às compras não se segue que estejam a fazer matemática. Do facto das pessoas dizerem as tolices que quiserem acerca da moralidade do casamento homossexual, não se segue que sejam filósofas ou estejam a fazer filosofia.

O manual refere que:

Quando se inicia a leitura de um texto filosófico, deve-se ser capaz de identificar alguns aspectos:
O tema em questão
O problema abordado
A(s) tese(s) defendida(s) pelo autor

De seguida, deve-se procurar identificar os argumentos utilizados pelo autor para sustentar a sua tese

Logo aqui parece surgir de novo a incompreensão do que é um argumento. O argumento não é algo separado da tese do autor. A tese é uma parte da argumentação. Noutras palavras que o manual procura sempre evitar: é a conclusão do argumento.

Mas logo a seguir indica-se que:

Referimos que não existe um método único para a análise  do texto filosófico. Qualquer método de interpretação de textos filosóficos é sempre limitado e incompleto, podendo ser válido para um determinado texto e não o ser para o outro

E a justificação dada é que na filosofia o texto “deve ser aberto á colaboração do autor”. Remata-se isto com um texto de Konrad Lorenz que, como sabemos foi um zoólogo. Ou seja, propõe-se ao aluno que analise um texto filosófico com um texto não filosófico. O interessante é que o texto desmente tudo aquilo que se disse anteriormente, pois apesar de não tratar qualquer problema filosófico, contém nele um argumento. Trata-se de um texto sobre os problemas dos aglomerados populacionais nas grandes cidades e das consequências sociais desse fenómeno.

Do primeiro capítulo, nenhum aluno fica sequer com a menor ideia do que seja filosofar.

Vou escrevendo estas linhas à medida que avanço no manual. Saltei umas páginas à sorte e fui parar a uma célebre distinção entre juízos de facto e juízos de valor. Os juízos de valor são definidos como subjectivos, não tendo valor de verdade e normativos e avaliativos. Nenhuma destas caracterizações é correcta. Antes disso pensei de imediato: se o manual indica os juízos de valor como subjectivos, então não deve abordar o problema da subjectividade / objectividade dos valores, pois se a tese objectivista for verdadeira e se for verdade que é errado matar seres humanos inocentes, por exemplo, então um juízo de valor como “é errado matar seres humanos inocentes” tem de ser verdadeiro e objectivo. Em todo o caso, o manual aponta a distinção entre objectivismo dos valores e subjectivismo. Já lá iremos.

A caracterização dos juízos de facto está errada porque:

1)      Se alguns valores forem objectivos, é falso que os juízos de valor são subjectivos
2)      Se alguns valores forem objectivos, alguns juízos de valor têm valor de verdade
3)      Nem todos os juízos de valor são normativos. Um juízo sobre uma obra de arte é um juízo de valor que não sugere qualquer normatividade.

No manual a caracterização de juízos de facto também é errada. Diz-se que os juízos de facto são objectivos porque existe uma correspondência directa entre o que é afirmado e a realidade. Não é ser ou não objectivo que caracteriza um juízo de facto, mas sim a sua possibilidade de ser verdadeiro ou falso.

Assim, uma caracterização correcta e sem confusões será como:

Juízos
Tem valor de verdade?
De facto
Sim
De valor
Sim ou não


Isto até se compreende muito bem se pensarmos num juízo de facto como: “Há vida em marte”. É um juízo de facto porque podemos saber investigando se há ou não vida em marte, isto é, podemos saber se é verdadeiro ou falso, ainda que não saibamos se o é ou não. Enunciamos muitos juízos de facto que podem ser falsos. Podemos afirmar “O João está presente na aula” só porque nos enganamos e de facto ser falso o juízo, pois o facto é que o João está a faltar.

Para o objectivismo axiológico, a explicação apresentada é que os valores têm uma existência concreta, nos objectos, independentes do sujeito. Ora isto está completamente errado. Primeiro porque é trivial que há valores subjectivos. Por essa razão é que os objectivistas defendem que alguns valores têm valor de verdade. Ter valor de verdade não significa que são dependentes ou independentes do sujeito que avalia. Significa antes que podem ser verdadeiros ou falsos. Mas não são verdadeiros ou falsos em consequência de estarem presentes nos objectos da avaliação. Podem ser verdadeiros ou falsos dependendo do raciocínio. No caso de juízos morais é isso que acontece. Um valor é verdadeiro ou falso dependendo do raciocínio moral, mas não porque, como diz no manual, os valores tenham uma existência concreta. Além de confuso é muito complicado expor coisas como estas aos alunos de 15 anos.

A definição da tese do objectivismo dada no manual é incompatível com o que se diz logo a abrir este capítulo. No início refere-se que é o ser humano que exprime valores. Mais adiante elenca-se algumas objecções ao subjectivismo e expõe-se de modo abreviado o objectivismo, sem elencar qualquer objecção. Mas define-se objectivismo como a posição filosófica que defende que os valores dependem de propriedades concretas dos objectos.

O manual rejeita liminarmente algumas teorias (algumas delas nem são filosóficas) para apresentar outras como verdadeiras (e algumas delas também não são sequer filosóficas), o que é claramente incorrecto e traiçoeiro para um ensino da filosofia com o mínimo de seriedade e qualidade.
E fiquei por aqui na leitura deste manual. 

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Ética e política nos manuais - esclarecimento



Recentemente um colega colocou-me uma questão sobre alguns manuais que não abordam na unidade de ética e política o problema da natureza do estado com John Locke e Aristóteles. A resposta é muito simples, apesar de alguns professores aparentemente ainda a desconhecer: porque não é um problema vinculativo, quer no programa oficial, quer no documento datado de 2011 com indicações mais precisas sobre os conteúdos a abordar no exame de filosofia. Esta confusão deriva do facto de se pensar ainda que as Orientações para a Leccionação da Filosofia estão homologadas. Acontece que essas orientações foram suspensas em 2006 (ver aqui o documento oficial que as suspende), pelo que não há qualquer imposição de conteúdo das mesmas. Sendo assim, alguns autores optaram por outros percursos, enquanto outros conservaram o mesmo conteúdo outrora vinculado nas orientações. Creio que seria mais fácil até para um autor não alterar nada e deixar como está. Mas por outro lado até vejo como positivo aproveitar a liberdade que o programa dá e traçar um percurso original. Entre esses manuais que optaram por percursos diferentes e, na minha opinião, que até poupam algum tempo aos professores, são o Diálogos (Texto Editora), Filosofia 10 (Santillana), 50 Lições (Didáctica) e Razões de Ser (Porto).
Em conclusão, nenhum professor pode em boa fé recusar um manual (seja ele qual for) baseado no argumento de que não aborda o problema da natureza do estado.
Obs: dada a limitação de tempo e querendo com alguma urgência responder a um colega aqui no blogue, não fui verificar os manuais citados. Fi-lo de cor. Se por acaso errei, agradeço a correcção que farei de imediato. De memória, são os manuais citados aqueles que optaram por percursos diferentes. 

No blogue oficial do manual de filosofia 50 Lições, tem um útil esclarecimento sobre o uso do conceito “proposição” e a opção na vez de “Juízo”. A imagem apresentada é material do manual presente no blogue.


Um objectivista não defende que todos os valores são objectivos


Por uma questão de organização do grupo disciplinar, tenho de ler a unidade sobre os Valores em todos os novos manuais do 10º ano. Tendo iniciado essa tarefa há umas horas atrás, posso desde já adiantar uma limitação que encontrei em alguns manuais e que merece algum reparo. No que respeita à discussão entre o objectivismo e subjectivismo dos valores, diz-se, por vezes, que os objectivistas defendem que todos os valores são objectivos. Ora, isto não pode estar certo. Como é que provamos este erro? Alguns manuais ensinam o estudante a negar proposições universais. Para tal usamos o quadro das oposições de Aristóteles. Assim, a negação de “todos os valores são subjectivos” que é a tese defendida pelos subjectivistas, não pode ser “nenhum valor é subjectivo”, mas antes, “alguns valores não são subjectivos”. O que é que isto significa? Significa que alguém que defenda o objectivismo dos valores não está a defender que todos os valores são objectivos, mas que alguns valores são objectivos. E trata-se de um erro afirmar que os objectivistas defendem que todos os valores são objectivos precisamente porque ao mesmo tempo se afirma que subjectivismo e objectivismo são teses opostas. Ora, não faz sentido afirmar que “todos os valores são objectivos” é a tese oposta de “nenhum valor é objectivo”.
Outra incorrecção é afirmar que os valores são objectivos e por isso absolutos e perenes. A distinção a apresentar é que se alguns valores são objectivos (tese objectivista) então possuem valor de verdade, ao passo que se não são objectivos não possuem valor de verdade.

Mas nenhum filósofo se atreveria a defender a tese altamente implausível de que todos os valores são objectivos. 

Seria também necessário esclarecer o que se quer dizer com "absoluto". Se por absoluto o estudante entender que é aceite por todas as pessoas, então não se pode estar a falar do objectivismo dos valores, pois tal propriedade (a objectividade) estaria ainda dependente da preferência dos sujeitos. Uma ideia funcional é explicar aos estudantes que se fala em absoluto por oposição a relativo. E assim o estudante percebe mais facilmente do que se está a falar. 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A metafísica


Neste pequeno vídeo Desidério Murcho discorre sobre algumas questões mais centrais da metafísica. Desidério Murcho não necessita de apresentações, mas é para mim um verdadeiro mestre a quem sempre agradeço tudo aquilo que me tem dado, o conhecimento. A partilha de conhecimento é o melhor que um ser humano pode dar ao outro, a melhor forma de ampliar as suas possibilidades de liberdade. Essa é a gratidão que tenho ao Desidério.


quarta-feira, 15 de maio de 2013

Filosofia 10, Uma boa opção


Hoje dediquei algum tempo ao manual de Luís Rodrigues, Filosofia 10 (Plátano, 2013). A primeira impressão que tive quando recebi o livro é que estava perante um manual que me fazia lembrar “Onde está o Wally?”, já que me pareceu carregado de informação, o que conduziria a alguma dispersão. Após ter lido um pouco de alguns capítulos do manual esta ideia desapareceu. De facto, o manual tem páginas demasiado carregadas de texto. Já vi isto em alguns manuais americanos. Esta minha primeira impressão parece lateral, mas não o é assim tanto se pensarmos que estamos perante um livro para ser lido por jovens adolescentes, de apenas 15 anos e chegados a uma disciplina nova. Com efeito, o livro que tenho em mão é o do professor que tem barras laterais carregadas de informações para melhorar e apoiar a leccionação. Se retirar estas barras (como irá ser a edição do aluno) o manual fica bem mais leve.

A leitura que fiz deu-me, no entanto, uma outra ideia deste projecto. Gostei especialmente da forma correcta como se apresenta ao estudante a filosofia e as suas ferramentas. A linguagem é directa e a exposição consegue alcançar um bom nível de rigor. O que gostei especialmente é que praticamente todos os temas / problemas mereceram uma cuidada introdução com casos práticos onde os problemas são levantados. Este esforço é comum em muitos manuais, mas poucos conseguem fazer com que os textos remetam para as teorias a discutir. Muitas vezes fica-se com uma ideia muito vaga nestas introduções. Este projecto consegue com que tal desvio quase nunca aconteça. Faço aqui um convite ao professor que leia uma destas introduções e observe por si mesmo a consistência directa com a exposição teórica que logo se lhes segue.

Vejo a exposição das objecções às teorias principais como uma parte importante do trabalho filosófico. As objecções são importantes pois são o modelo que o aluno segue para compreender ao longo de todo o 10º ano como se faz filosofia, como se constrói a filosofia e principalmente, percebe a relevância da discussão em filosofia. Ora, este projecto nem sempre dá o devido destaque às objecções. É certo que o programa da disciplina e as indicações para o exame limitam um pouco os autores. E também é certo que o professor pode usar uma teoria como objecção a outra teoria rival (como acontece com Kant e Mill). Mas, mesmo que o programa aponte para a “comparação” de teorias, o trabalho verdadeiramente filosófico não é de comparação (ainda que necessário), mas de discussão. A discussão envolve, pois, a refutação. Neste aspecto gostei da proposta do manual de Paulo Ruas, Diálogos (Texto, 2013), já que aplica em permanência o método proposto nas páginas iniciais. Não é um trabalho fácil de fazer, mas a verdade é que um número precioso de manuais ensinam os alunos, entre outras operações, a negar proposições, mas depois não se lhes pede uma única negação ao longo de todo o livro. Não posso garantir que tal não aconteça no manual de Luís Rodrigues, mas não é, pelo menos, comum que tal aconteça. Aliás, pouquíssimos manuais o fazem, pois os autores em regra estão concentrados na exposição das teorias e não tanto na aplicação do método. Com efeito, estou convencido que a aplicação do método traz imensas vantagens didácticas.

Uma das tarefas que peço aos meus alunos ao longo do ano lectivo é a formalização dos argumentos dos filósofos. Além disso vou mais longe: peço a formalização das suas próprias posições e teorias. É isto que vulgarmente se chama em filosofia como “fundamentar a sua posição”. Fundamenta-se expondo com clareza as razões (premissas) do que o aluno defende (da sua conclusão). Peço igualmente inúmeras vezes para algum aluno na sala refutar a tese do colega. Para refutar a tese é necessário saber negar proposições, por exemplo. Ou aplicar contra exemplos. Ou simplesmente mostrar de outras maneiras que a premissa X é menos plausível que a conclusão que se está a defender. No ensaio argumentativo de final de ano (faço 2 ao longo do ano mais elaborados) peço também algum exercício de formalização. Este aspecto é, quase na totalidade dos manuais, ignorado. É minha opinião que se perde uma vantagem didáctica.

Em conclusão, o manual de Luís Rodrigues é, na minha opinião, dos melhores manuais que apreciei (faltando-me apenas um que acidentalmente ainda não consegui ter em mãos).

O manual é ainda acompanhado de uma autêntica enciclopédia de materiais para o professor que, na esmagadora maioria dos casos, é muito útil, incluindo testes, provas globais, fichas, etc.. para além do autor disponibilizar centenas (sem exagero) de materiais on-line como powerpoints, textos, etc…

Luís Rodrigues, Filosofia 10, Plátano, 2013

Observação: o que tenho publicado sobre os manuais resulta de uma apreciação que merece sempre ainda uma leitura mais cuidada. São apontamentos simples que, espero, possam auxiliar os colegas nas suas apreciações. Não são de modo algum apontamentos conclusivos que merece uma análise mais detalhada. Dado o tempo disponível é o possível para livros que têm entre 200 a 350 pp, para além de todos os extras.

terça-feira, 14 de maio de 2013

segunda-feira, 13 de maio de 2013

Quem lê o FES?


Os meus alunos do 10º32 hoje manifestaram curiosidade em saber quantas visitas tem o meu blog. Tem muitas. Já teve mais. E há períodos em que é mais visitado que outros, dependendo dos temas que abordo. O blog tem cerca de 9 anos (começou na plataforma da Sapo e migrou para a Blogger mais tarde). O número de visitas depende também do modo como exploro o blog. Ora o exploro mais canalizado para professores, ora para os alunos, ora para o público em geral. Mas a motivação é sempre a mesma, motivar para um ensino da filosofia com qualidade e contribuir para a divulgação da disciplina. O blog tem um média máxima de visitas diárias de 600 e uma mínima de 150. Fica aqui uma pequena imagem que ilustra de onde chegam os leitores. Curiosamente tenho mais leitores nos Estados Unidos que no Brasil. E mais curioso ainda, a fiar nas estatísticas do blogger, é a Rússia ter um honroso 4º lugar no número total de visistas. Mas o FES também é acedido em países como o Canadá, Alemanha, Moçambique, Reino Unido ou, muito curiosamente, no Japão. A todos os visitantes, o meu obrigado.


quinta-feira, 9 de maio de 2013

Ensaios sobre filosofia da arte



A Teresa, aluna do 10º20, curso de Artes, vai apresentar o ensaio argumentativo sobre filosofia da arte. Está a preparar as teorias da arte a partir da leitura de alguns capítulos de um dos livros de Nigel Warburton e depois vai tentar analisar a música dos Joy Division a partir das teorias estudadas. Foi uma boa ideia da Teresa, que a discutiu com o professor e acabou por aceitar o desafio. E é uma oportunidade para todos conhecerem esta banda de que a Teresa tanto gosta. Trata-se de uma banda de finais dos anos 70, início dos 80, do século passado. São de Manchester, Inglaterra e nasceram das cinzas do movimento punk. São considerados pelos críticos de música ( e pela Teresa também) como uma das bandas artisticamente mais sólidas da altura e mesmo nos dias de hoje. Vale a pena conhecer e esperar pelo trabalho da Teresa. 


Como aprender teorias da arte


Hoje na aula de filosofia da arte do 10º20, analisamos algumas músicas, de Bach a Sepultura, de John Coltrane a R L Burnside, de Radiohead a Mozart. Foi interessante concluir algumas coisas, nomeadamente que:

É consensual que Bach ou Mozart são obras de arte. Mas o mesmo não se aplica à música dos Sepultura, por exemplo. Toda a aula foi uma investigação para tentar saber, afinal, a razão ou razões que nos conduzem a afirmações como: “A música de Bach é uma obra de arte, mas a dos Sepultura não”. Chegamos a algumas conclusões:

- Nem tudo o que nos emociona é arte.

- Nem toda a arte é emocionante.

- O feio também pode ser artístico.

- Uma obra de arte não tem de ser sempre produzida pelo artista

- Talvez uma boa obra de arte tenha de ter algumas propriedades artísticas como profundidade, complexidade, harmonia.

- Uma obra de arte tem de ser envolvida por uma definição de arte

- Uma obra de arte produz conhecimento

- O tempo é uma propriedade que parece ser interessante para mostrar o valor de uma obra de arte. Se resiste ao tempo, é uma obra de arte. Mas mesmo assim, coloca-se o problema de performances artísticas que não podem durar no tempo. Esta ideia foi lançada primariamente pela aluna do 10º30, Maria Pocinho. E foi interessante pois por momentos pareceu ficar quase, quase sem objecções à altura.

Chegamos ainda a outras conclusões que nos levantaram mais problemas ainda. Espero que a discussão tenha sofisticado um pouco o vosso conhecimento do valor da arte e, sobretudo, o nível das discussões futuras.

Durante a apresentação, mostrei uma canção de que gosto muito dos Radiohead. Descrevi-a como harmoniosa, complexa, profunda. Falei ainda da forma significante a partir desta canção. É a canção que deixo aqui neste vídeo.


Já agora, o Luís Henrique, do 10º14, que é fã de Hip Hop, deixou esta sugestão:


quarta-feira, 8 de maio de 2013

Parabéns aos alunos


Os alunos do 10º 14, 20, 30 e 32 estão de parabéns pela qualidade das aulas que proporcionaram na discussão das teorias sobre a o que é a arte. Muitos chegaram bem pertinho das teorias sobre o problema, mesmo sem grandes conhecimentos prévios. Foram aulas de verdadeira e activa investigação. Numa delas contamos com a ilustre presença do professor Horácio Freitas, professor do grupo de filosofia da nossa escola.


Fica aqui a imagem que reproduz “A fonte” a obra de Marcel Duchamp que tanta dor de cabeça nos deu e tantos argumentos produziu. Agora pelo menos temos uma segurança: o urinol de Duchamp deixou-nos a pensar.

Sigur Rós na filosofia da arte


Disse aos meus alunos que iria postar (principalmente após as aulas) alguns objectos artísticos que vale a pena conhecer (dado que notei em alguns alunos muitas ausências de referências artísticas ao leccionar a filosofia da arte). Começo com uma sugestão levezinha. Os Sigur Rós são uma banda de rapazes que, tal como nós, vivem numa ilha. A ilha deles é um país e também tem vivido recentemente a mesma crise económica que nós estamos a passar. É uma ilha que é um país. Um país com muito gelo, a Islândia (Iceland, a terra do gelo). A capital deste país chama-se Reykjavík e tem menos habitantes que a cidade do Funchal, onde fica a nossa escola. A música dos Sigur Rós é gelada como o país onde nasceu. Mas ao mesmo tempo revela-nos uma agradável sensação de conforto, uma beleza ternurenta. Vale a pena conhecer. Deixo um vídeo e a capa do disco que recomendo. 






terça-feira, 7 de maio de 2013

Manualidades e propostas de correcção


Hoje dediquei algum tempo a mais um manual de filosofia para o 10º ano. Trata-se, na minha opinião, de um manual confuso e fraco. Entre outras coisas, sintetizo aqui algumas ideias que merecem correcção.

1.      Afirma que “a filosofia e ciência se distinguem pelo método seguido, pela linguagem utilizada e pela natureza das perguntas que coloca.”

A primeira nota que faço é que o manual não apresenta qualquer proposta de método da filosofia, indicando somente uns métodos genéricos para estudar filosofia que também se pode aplicar a qualquer outra disciplina. Ora, de que vale num manual de filosofia elaborar um guia de estudo?

Mas o que há de errado na afirmação? Ora bem, um cientista também argumenta, também problematiza e conceptualiza. Tal não é exclusivo da filosofia. Se queremos apontar uma diferença entre ciência e filosofia é didacticamente mais rigoroso explicar que ao passo que a ciência, em geral, tem a possibilidade de apresentar resultados da sua investigação, tal não acontece em filosofia para a qual os problemas estão continuamente em aberto. Dizer que a filosofia se distingue da ciência por recorrer ao método racional e argumentativo é vago, pois tais capacidades são igualmente exploradas na biologia ou na física.

2. “São dedutivos os argumentos válidos em que é impossível as premissas serem verdadeiras e a conclusão falsa. Infere-se de duas ou mais premissas gerais uma conclusão menos geral

Há aqui pelo menos dois erros. Primeiro um argumento dedutivo pode ter perfeitamente uma só premissa. Aliás, tem de ter no mínimo uma premissa. Depois porque um argumento dedutivo não tem de partir de premissas gerais para uma conclusão menos geral.

Exemplo de um argumento dedutivo, que é válido e não tem premissa mais geral que a conclusão.

A Joana é do Benfica e o Luís do Sporting
Logo, a Joana é do Benfica


3. Afirma-se no manual, após se ter apresentado um silogismo, que “O argumento é indutivo porque parte de premissas particulares para inferir uma proposição universal”

Vejamos agora o seguinte exemplo de uma indução por previsão bastante conhecida:

Todos os dias o sol nasceu
Logo, amanhã o sol vai nascer

Neste exemplo de indução vê-se bem que a premissa é universal ao passo que a conclusão não o é.
O manual faz ainda uma distinção pouco certa entre senso comum e filosofia, mas a certa altura refere: “problematizar é identificar e formular um problema filosófico contido numa experiência”. Uma experiência de senso comum, acrescento eu. Mais tarde, nas outras unidades, o manual sugere muitas vezes o recurso ao senso comum para abordagem aos problemas.

No manual levanta-se uma questão: “o que distingue, então, a filosofia dos restantes saberes?

E dá como resposta que “a filosofia formula questões mais gerais e fundamentais acerca do pensamento, da natureza e da sociedade.” Logo de seguida para exemplificar uma ciência particular dá o exemplo da física. Acontece que a física faz questões muito gerais e fundamentais, como a questão da origem do universo, da teoria de tudo, teoria das cordas, etc.. e a física não se confunde, no entanto, com filosofia. Isto acontece porque a filosofia não se distingue da física por fazer questões mais gerais, mas porque por suposto os problemas da física terão uma resposta testável empiricamente, ainda que tal resposta possa estar suspensa para muitas das suas questões que são, ora mais ora menos gerais ou fundamentais que as da filosofia. Também me parece vago afirmar que a filosofia faz questões fundamentais sobre a sociedade. Certamente algumas áreas podem ter maior relação com alguns aspectos da sociedade, como o caso dos problemas da filosofia política abordados no 10º ano. Só que as questões não são mais fundamentais sobre a sociedade do que muitas questões colocadas pelos sociólogos, por exemplo.

Finalmente, o manual refere como características da filosofia a autonomia, a universalidade, a radicalidade e historicidade. Para o professor que queira brincar um pouco aos manuais, pode sempre colocar esta questão: será que a biologia não possui a sua autonomia, a sua universalidade, a sua radicalidade e a sua historicidade? Facilmente se percebe que sim. Nesse caso estas características não são específicas da filosofia.

Li muitas afirmações incoerentes. Ocorre-me uma em que se afirma que o no senso comum prevalece a crença e a opinião. Que é acrítico e subjectivo. Ora, tirando o “acrítico”, todas as outras características estão presentes na filosofia. Primeiro porque a filosofia, tal como qualquer saber (e não apenas o senso comum) se faz de crenças iniciais. Segundo porque qualquer filosofia tem aspectos relacionados com a opinião dos filósofos. E também porque a filosofia envolve muitas vezes mais subjectividade que objectividade. Basicamente são distinções indistintas e que nada servem ao estudante para compreender o que é a filosofia.

Como tenho insistido escrever bons manuais não é fácil. Não basta escrever. É preciso também ser muito rigoroso. E a melhor forma de ser rigoroso é ser claro. Para ser claro é preciso saber. Avaliar a qualidade da escrita de um manual é importante por isto mesmo. 

sábado, 4 de maio de 2013

Termos menor, maior e comentários anónimos


Em relação ao post anterior, um pequeno esclarecimento: O termo menor é por definição o termo sujeito da conclusão. E o termo menor só pode aparecer numa das premissas, que por definição é a premissa menor. Mas a premissa menor tanto pode ser a primeira como a segunda premissa.

Assim, basta mudar a ordem das premissas do silogismo dado e o exemplo servirá perfeitamente para esclarecer o que pretendi esclarecer.

Todas as divindades são imortais
Nenhum mortal é imortal
Logo, nenhum mortal é uma divindade

É uma confusão muito comum, pensar que a premissa menor tem de ser a segunda. Não tem. A ordem das premissas é irrelevante. E o que define uma premissa como menor ou maior não é o facto de ser a primeira ou a segunda, mas antes o facto de ter ou não o termo menor. E o termo menor é por definição o termo sujeito da conclusão.

O que define a premissa como menor é o facto de conter o termo menor.
Espero ao mesmo tempo ter esclarecido os comentadores anónimos.