domingo, 18 de outubro de 2020

Academia do Diálogo, a tua nova escola de filosofia


A Academia do Diálogo, é uma iniciativa de Tomás Magalhães, conhecido dinamizador dos Cafés Filosóficos e trata-se de uma escola de filosofia de livre acesso. A Academia oferece cursos e atividades com pessoas com experiência na filosofia, desde a edição, autoria, ensino, investigação, etc. É uma escola diferente do habitual pois não segue um currículo rígido e demasiado formal. Não é necessária qualquer formação prévia para se inscrever nas atividades ou cursos ministrados na Academia. E, claro, há um certificado final. Vale a pena espreitar, conhecer e frequentar. É uma maneira diferente de aproveitar, de relaxar, de passar alguns serões diferentes. Isto ao mesmo tempo que se enriquece conhecimentos, referências além de desenvolver capacidades críticas e argumentativas. Um verdadeiro ginásio. As inscrições podem ser feitas AQUI

Equações matemáticas são difíceis. Problemas filosóficos são uma treta.


Não penso que a generalidade das pessoas dê mais valor a determinados conteúdos do saber do que à filosofia. Como o psicólogo, prémio Nobel da economia, Daniel Kahneman, nos mostrou no seu extenso,
 Pensar depressa e devagar (edição portuguesa da Temas & Debates), filosofia ou física ou matemática exigem pensamento de 2ª ordem, o pensar devagar, o que implica esforço. Mas a imagem social, o que fica no senso comum, dos diferentes saberes influencia muitas vezes a maneira como nos relacionados de todo com o conhecimento. Por isso é que esperamos, por exemplo, maiores responsabilidades do que aquelas que seria de esperar, dos médicos, pois socialmente olhamos para eles como uma espécie de sábios. E não são. Ainda na sexta passada um médico fez um ar admirado quando lhe expliquei que havia investigação de topo, muito rigorosa, sobre o problema moral da eutanásia. E ele lá confessou que nem sabia que isso era matéria de estudo académico. Outro exemplo é a imagem social de disciplinas como a matemática (gosto de usar este exemplo por várias razões) e a filosofia. Assim, para o comum das pessoas, se não sabem resolver uma equação é porque se trata de uma matéria difícil. Mas se não compreendem um argumento filosófico é porque é conversa da treta. Ora, pode acontecer que o argumento seja uma treta. E pode acontecer que a resolução de uma equação também o seja. Mas ao mesmo tempo é verdade que os mecanismos intelectuais que geram consenso na matemática não são exatamente os mesmos que possam gerar algum consenso para os argumentos filosóficos. Isto acontece não por nenhuma pobreza da filosofia, mas antes pela natureza dos seus problemas, pois são problemas para os quais dificilmente teremos consenso. Daí não se segue que sejam resolvidos pelo subjetivismo. Acontece apenas que tentar resolvê-los é a própria razão de existência da filosofia. Ou pelo menos investir nessa demanda. Mas o sentido comum em que se diz muitas vezes que o argumento é uma treta parece errado, pois os argumentos são maneiras de tentar sistematizar uma realidade que muitas vezes é de tal modo complexa que parece escapar a qualquer investida intelectual, a qualquer enquadramento teórico. Tal não é razão para se cruzar os braços. E neste sentido, aquilo que sabemos ou podemos saber em filosofia não é muito diferente daquilo que sabemos ou podemos saber em muitas outras áreas. Acontece por vezes (creio que quase sempre, até) que a ideia comum que guardamos de consenso em física ou matemática pode estar errada. Os consensos nessas áreas são muitas vezes temporários e levam muito tempo até gerar novos consensos. Esta ideia foi explorada pelo filósofo de formação em física Thomas Kuhn, no seu influente livro, A estrutura das revoluções científicas. E obviamente este livro também não é, ele próprio, consensual entre os filósofos e tem sofrido muitos ataques exatamente porque o autor pretende encerrar um problema. E mais uma vez, não teve um final feliz. 

O lado social destas visões tem o desenlace menos feliz de afetar muito o desenvolvimento intelectual das diferentes áreas. Isto porque se socialmente continuarmos a supor que os argumentos filosóficos são uma treta ao mesmo tempo que achamos que as equações matemática são apenas difíceis, acabamos por sofrer um desinvestimento na massa crítica de áreas como a filosofia. E é por essa razão que existe um esforço de publicar alguns livros introdutórios, praticar um ensino da filosofia que seja rigoroso, etc... no sentido de dignificar socialmente a disciplina. Claro que também se pode cair facilmente na aldrabice, muitas vezes bem intencionada, por muito paradoxal que nos possa soar. Mas é verdade que o esforço de fazer chegar ao pensamento apressado de kahneman muitas das vezes torna a filosofia um exercício patético. Seria o mesmo que traduzir equações matemáticas complexas em operações aritméticas simples. Ou algo ainda pior. 

 

domingo, 11 de outubro de 2020

A. C. Grayling, Uma história da filosofia


São vários os livros que vão saindo no mercado nacional na área da filosofia. Não são muitos, pois o mercado ainda é pequeno. E, acreditem ou não, raramente se publica entre nós filosofia mais avançada com livros mais robustos em termos de argumentação. Quem procura esses livros acaba por os ler em inglês, no original. Ainda assim, destinado a um público não especializado, vamos tendo boas obras. Diria mesmo que o mercado editorial está praticamente todo focado neste público alvo. Assim hoje dispomos de obras de divulgação de ciência muito bons e que saem para o mercado todos os meses. E ainda bem. E ocasionalmente lá aparecem os de filosofia e, aqui, honra seja feita à Filosofia Aberta, coleção da Gradiva que tem sido a coleção mais persistente no tempo, com maior longevidade, portanto. E esta coleção até arrisca um pouco, publicando alguns livros que são já um pouco mais especializados, como o fez com o seminal Nomear a Necessidade de Kripke ou o caso mais recente dos excelentes ensaios de John Searle, apenas para dar dois exemplos. 

O espaço deste blogue, que continua também a ser a obra de one man show, obviamente não consegue fazer a cobertura de todos os livros que vão, entretanto, saindo para o mercado. Ainda assim não queria deixar passar esta magnífica edição da muito interessante história da filosofia do filósofo inglês, A. C. Grayling, aqui numa tradução do sempre competente Desidério Murcho, já com uma extensa experiência no ramo da tradução de filosofia. Obviamente construir uma história levanta problemas da própria filosofia da história, problemas que o autor não esquece ao justificar cuidadosamente todas as escolhas feitas. São quase 700 páginas de história da filosofia, abarcando também a filosofia indiana e chinesa, além de contemplar um interessante capítulo de filosofia analítica e continental (na verdade são dois capítulos) no qual Grayling não se escusa de refletir sobre esta suposta divisão e também lhe dando um enquadramento que permite compreender não somente as origens de tais divisões, bem como essas divisões deixam de fazer qualquer sentido no mundo da filosofia.

O livro é bem concebido como objeto pois as quase 700 páginas não pesam muito nas mãos. Ainda comprei a edição em papel, muito embora cada vez mais vá optando pelas edições em versão eletrónica que as Edições 70, felizmente, já adotaram. 

Num formato e estilo muitíssimo diferente da monumental história da filosofia do Kenny (também editada entre nós pela Gradiva), esta é uma obra que vale a pena ter, vale a pena descobrir e não deixa de ser uma ferramenta de estudo para quem quer que se dedique a descobrir mais deste universo de conhecimento que conta já com mais de 2500 anos de história.


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