quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Será que há duas lógicas?

Já aqui teci nos posts anteriores algumas falhas das Aprendizagens Essenciais. Mas no essencial concordo com a grande mudança de fundo que é a lógica ser lecionada logo no 10º ano e apenas a proposicional. Claro que acho perfeitamente discutível a lecionação de alguns conteúdos e também penso que algumas estratégias deviam ter sido melhor pensadas. E claro que também me parece correta a ideia de que alguns “interesseiros” se metem ao barulho com outros interesses mais particulares. Não coloco nada disto em causa, razão pela qual já escrevi o que escrevi. No entanto a mudança de fundo é totalmente justa. Não fazia qualquer sentido ensinar a lógica no 11º ano, a meio do percurso de uma aprendizagem. Se a lógica é o método, então devemos começar por ensinar o método, o como fazer para depois então, fazer. Por muitas divisões que existam na filosofia, há também muitos pontos comuns. E um deles, diria até, o principal, é que a filosofia é uma disciplina que ensina os jovens alunos a pensar com clareza. Ora para o fazer a lógica é certamente o principal método. Ensinar os alunos a pensar é também ensiná-los a estruturar logicamente os seus argumentos. E aplicando a lógica é exatamente isso que conseguimos fazer ao longo de todo o programa. O aluno aprende a saber o que está a defender, quais as razões e aprende sobretudo a poder avaliar criticamente os seus argumentos e dos outros incluindo os dos filósofos. Saber se um argumento é válido ou não é um dos primeiros e mais elementares passos para essa avaliação crítica. Mas não vejo como é que isto se faz de modo eficaz sem conhecimentos básicos de lógica. 
Este pequeno apontamento serve para corrigir – espero eu – um pequeno erro. Pelo menos assim me parece. Como aparecia a lógica até aqui no 11º ano (sendo este o último ano que é lecionada desse modo e nesse ano) dava a ideia que existem duas lógicas e que tanto vale optar por uma como por outra. Isso é errado. Não existem duas lógicas. A lógica proposicional foi a evolução natural da aristotélica, ainda que tenha levado muitos séculos para que tal tivesse acontecido. Há certamente muitos aspetos da lógica aristotélica que são ainda usados e corretos (pelo menos até os lógicos avançarem com melhores estudos). Por isso o quadrado das oposições ainda é contemplado nas AE, uma vez que ainda é a melhor maneira de ensinar alguém a refutar determinado tipo de proposições. Mas a teoria do silogismo é bastante limitada para ensinar filosofia, tanto que após ter sido ensinada raramente se usam silogismos para explicar as matérias filosóficas. É por isso que a lógica que lida com proposições que não têm necessariamente de estar quantificadas se adapta a um leque mais abrangente de argumentos e daí que resulte bastante mais eficaz como método. Pensar que podemos sem consequências para um bom ensino optar pela lógica aristotélica ou proposicional soa, arrisco a dizer, como se fosse igual optar pela física de Newton ou de Einstein. Certamente a física de Newton tem ainda muitos aspetos relevantes para a física que se faz nos nossos dias, mas grande parte dos seus aspetos principais já foram avançados por Einstein e outros. Agora imagine-se que se ensina a física de Newton a uns alunos e a de Einstein a outros. Quem fica a ganhar? Creio que os segundos ficarão sempre com uma compreensão mais alargada da relatividade geral. Nem se trata da desvalorização de uma das teorias em proveito da outra nem de alguma teoria da conspiração. É a evolução natural do saber.   Se a ideia é avaliar as ideias de Newton, claro que vale a pena estudar apenas Newton. Mas isso acontece mais por interesse histórico do que científico, já que se queremos saber física e compreender os fenómenos físicos não podemos ficar com a teoria de Newton quando temos teorias mais avançadas e que nos facilitam a compreensão desses mesmos fenómenos. Ora, é qualquer coisa como isto que se passa com a lógica. Tal qual estava no programa era um erro e passava a falsa ideia de que ambas tinham o mesmo poder explicativo, quando não é verdade. 
Outra coisa diferente é não usar a lógica proposicional para ensinar os alunos a argumentar. Para quem não se sente treinado na lógica proposicional vai levar tempo até que consiga desmontar os argumentos e trabalhá-los com a lógica. E neste aspeto também faço as minhas críticas às AE e à forma como elas estão concebidas, pois as estratégias e os materiais para auxiliar a lecionação são ainda bastante deficientes. Mas ressalve-se a ideia de que é errado pensar que existem duas lógicas concorrentes que se trata apenas de uma questão de gosto do freguês.  

sábado, 8 de setembro de 2018

Bom ano letivo com mais mudanças

(foto da minha autoria)

Antes tudo o desejo de um bom ano letivo 2018-19 que agora se inicia. Este ano é – mais uma vez – de mudanças. Só que desta vez, como aqui já escrevi, as mudanças afetam a filosofia. Como também já matutei aqui algumas mudanças são bem vindas. Outras, cheiram a mais do mesmo e sobram, como quase sempre, problemas evitáveis para resolver. Se houve alguma urgência em alterar conteúdos programáticos – com alterações justas entre os conteúdos do 10º e 11º ano arrumando melhor a casa – já a operacionalização desses conteúdos fica a nadar num mar de dúvidas. Desde as articulações propostas entre conteúdos da filosofia e matemática A,  esquecendo que muitos alunos nem sequer têm a disciplina de matemática A, até formações pagas e com uma eficácia apenas regional, manuais que ficam parcialmente desatualizados a meio do percurso (provando talvez que os manuais são cada vez mais dispensáveis, menos para o seu próprio comércio) e sugestões para operacionalização dos conteúdos que conseguem tocar o extremo do vago para não dizer, do impraticável. A cereja no topo do bolo com um Ministério que consegue homologar tudo isto apenas a dias de início de ano letivo, com uma discussão praticamente inexistente.
Mas os problemas para resolver não se ficam por aqui. Outras questões de reorganização deixam muitas mais dúvidas no ar, a começar pelos tempos letivos da disciplina que ora são de aulas com 50 minutos, ora de 90 minutos, como se esta divisão de tempos em diferentes escolas fosse algo claro quando se tem por objetivo um exame com o mesmo tempo e conteúdos para todos. 
E também (como se não chegasse já) as questões profissionais dos professores. Parece que professores e governos insistem na ideia do que está em causa é o interesse central dos alunos. Da minha parte (e, já agora, da parte de todos) não teria interesse algum pelos alunos se além de os ensinar essa minha atividade não fosse remunerada, que é a principal compensação motivadora de qualquer profissão. E não há, creio, profissionais motivados num ambiente de permanente desconfiança, de perda de qualidade do trabalho que se faz, com escolas onde escasseiam as tecnologias que tanto se apregoam como um dos principais fatores do nervo de uma aula, formações adequadas que cheguem a todos com boas condições para serem realizadas e participadas, com pequenos grupos de interesse instalados que se aproveitam sistematicamente do contexto, com um eterno problema de estabilidade na colocação de professores, distribuição de serviço, com uma gritante falta de equidade dentro das escolas e ainda com um controlo mediático que lança a cada dia que passa a suspeita sobre os professores como se estes fossem a causa dos maus resultados quando acontecem e nunca a dos bons.   
Por fim, se os professores são competentes para organizar localmente as estratégias, não se percebe a insistência em impor nacionalmente os conteúdos. Isto soa a qualquer coisa como: podem abrir os restaurantes que quiserem, mas todos vão ter de servir bacalhau à Gomes de Sá porque eu sou o principal vendedor de bacalhau no país. Não se percebe de todo se os professores são produtores de conhecimento ou apenas consumidores de conhecimento. Se a definição é a de professores consumidores, então venha de lá o bacalhau e a receita. Se são produtores, então, por favor, venha de lá o incentivo a cada um formular a sua receita sem qualquer prejuízo de uma receita mais universal, mesmo acarretando todos os riscos que qualquer que seja a conceção acaba por implicar. Mas parece existir de muitos ventos resistências para que os professores sejam os arquitetos do ensino. Embora se lhes reconheça esse lado apenas para acartar tijolos. E assim mais uma vez será de todo fácil daqui a mais uns 2 ou 3 anos os acusar de não saberem exercer a sua função de arquitetos. Afinal, pouco mais podem fazer do acartar tijolos, tal é o asfixiamento das suas reais funções. 
Esta é a nossa realidade e essa realidade traduz o exercício de ensino que 2018-19 nos aguarda. Sempre, claro, a pensar no melhor para os nossos alunos. 
O meu primeiro gesto – o único que até agora consegui ter – para esta aventura anual – foi carregar o meu pão de forma de material de escrita. 
Feliz ano letivo a todos. 

Deixo aqui também uma pequena reflexão que publiquei em privado numa das redes sociais:

Do que podemos saber nos nossos dias, a educação é a melhor aposta para a garantia de uma sociedade de pessoas livres e mais ricas. Sabemos que os menos qualificados são sempre os primeiros a serem afetados pelas crises e pela pobreza. E por isso faz sentido encarar a educação básica como cada vez mais completa. É desse modo que - e bem - nos últimos anos vimos num país como em Portugal a escolaridade passar a ser obrigatória até aos 18 anos. Mas para que tal seja possível é preciso dotar as escolas de melhores condições e dar mais e melhores condições a todos os intervenientes no sistema educativo. Segue-se daí que neste contexto é politicamente incompreensível a forma como governos uns atrás dos outros têm tratado os professores, sobrecarregando-os cada vez mais de maiores pressões profissionais ao mesmo tempo que se degrada as suas condições profissionais. A desculpa é a de sempre, a de que o interesse primordial é a da educação das crianças. Acontece que exatamente por isso também não se consegue perceber o desleixo político em relação à profissão de professor. E é lamentável toda a manipulação mediática em torno desta questão. Na verdade se eu não estivesse do lado de dentro, provavelmente também me soaria que os professores estão a ser demasiado exigentes com o país. Acontece que a realidade é completamente oposta àquela que tem sido veiculada nos media. E nestas questões algum bom senso racional é sempre bem-vindo para não incorrer em opiniões mal formadas.