segunda-feira, 18 de março de 2024

Pequena introdução à lógica proposicional clássica

Inseri na secção "Videos" deste blogue uma nova aula, inicialmente gravada apenas para    os meus alunos, mas disponibilizada para    todos. 



Apontamentos sobre avaliação e classificação

O grande objetivo do ensino é que os alunos aprendam. E a aprendizagem implica a aquisição de ferramentas mais ou menos teóricas que lhes permitam ser autónomos. De uma maneira simples, mas não menos exata, é para isso que serve o ensino. Um exemplo: em filosofia trabalhamos filosofia da arte. Na filosofia da arte trabalhamos o problema de saber que propriedades (se é que as há) distinguem um objeto que consideramos de arte de um que não o é. No início do estudo é mais ou menos natural que o estudante resuma uma resposta com esta natureza: é arte aquilo que cada um considerar arte. Esta é uma posição subjetivista e nenhum aluno está impedido de defender uma posição subjetivista. Mas se após umas semanas a estudar teorias no final o aluno ainda assim considerar o mesmo sem pelo menos hesitar, talvez isso seja sintoma de que não progrediu em competências. O curioso é que isto pode acontecer – ainda que seja mais difícil – a alunos que fazem apenas copy paste e o sistema de ensino reconhece-os como excelentes alunos. Contudo é impossível progredir sem conhecer as teorias, mas o conhecimento das teorias não é suficiente já que é também necessário que se pense autonomamente sobre o que se estuda. O trabalho do professor é, naturalmente, inventariar processos para avaliar. No ensino secundário, com honrosas exceções, esta avaliação mede-se entre 70% a 90% com testes escritos. E nos testes escritos, de filosofia, ainda persiste uma percentagem muito grande para a resposta final onde se pede ao aluno que disserte autonomamente sobre o problema. E classifica-se assim o aluno. Os próprios manuais de ensino, os mais adotados, incluem testes com resposta de desenvolvimento que valem 5 valores em 20. Ora, vou aqui defender e tentar mostrar que isto é errado e um modo agressivo de fazer uma avaliação. Defendo isto porque dar uma percentagem de 25% da classificação num teste a uma tipologia de questão é apenas dar a vantagem a quem melhor se sai nessa tipologia de questões. O IAVE já se deu conta disso e uma questão de desenvolvimento vale apenas mais umas décimas que uma de escolha múltipla. Pela experiência que tenho, muitos professores acham isso apenas uma maneira de facilitar. E não é. Abundam estudos empíricos em avaliação que revelam que a maneira mais justa de avaliar é fazer uma distribuição equitativa pelas diferentes tipologias de questão. E o mesmo pelas várias tipologias de classificação de final de período, o que desde já chumbaria, suspeito, a maioria das escolas portuguesas quando colocam os testes no patamar dos 70% a 90%. Não vou tanto centrar-me nos critérios gerais, mas mais naquilo que vejo recorrentemente acontecer em testes. E assumo desde já ser um erro que testes valham mais que 50% da classificação final dos alunos. E o desempenho que um aluno pode ter no exame nunca se deveria medir pelo desempenho que tem ao longo do ano. Nem me parece ser um exercício muito difícil perceber que um aluno pode ter um excelente desempenho a trabalhar em projeto e um mau desempenho a fazer um exame. Ora se estivermos apenas a ver como objetivo que desempenho terá esse aluno no exame e o classificarmos tal como é feito num exame, apenas estamos a salvaguardar uma eventual imagem do professor e da escola para assegurar que a média interna iguala a média dos exames. Isto tem sido a pressão a que as escolas se sujeitam com os rankings. Defendo que as escolas deveriam reivindicar uma diversidade de avaliações. Pese embora, claro, qualquer profissional numa escola deseja um bom desempenho dos seus alunos em exames. Mas pode prepará-los para exames ao mesmo tempo que não sujeita os alunos a testes que são apenas modelos de exames. Isto, na minha opinião, distorce um pouco o ensino e torna-o bastante menos inclusivo. 

Vamos aos testes. Se um teste – no caso de filosofia – tem uma questão que vale 25% de todo o teste, está-se a privilegiar apenas os alunos que melhor desempenho tem nessa competência. No caso específico da filosofia a defesa é que o aluno de filosofia tem de saber interpretar e expor o que pensa em texto. E estiou de acordo com isso. Contudo nem todos os alunos de filosofia querem ser filósofos. Além disso abundam os filósofos que nem por isso são bons escritores e até se revela muito difícil compreender o que escreveram. É por isso que agradeço a Russell escrever tão claramente e nem por isso agradeço o tom metaforicamente embrulhado de um Nietzsche. Mas não é necessário ir tão longe. A questão a fazer é simples: poderá um aluno de filosofia responder pelo menos a 50% do teste sem por isso ser um grande escritor? E a resposta mais óbvia é sim. Isto porque a filosofia não resulta – sequer – de uma escolha do aluno no secundário. É uma disciplina que o aluno está sujeito obrigatoriamente nos cursos gerais. Por outro lado, se queremos dar uma real oportunidade aos alunos de se preparem para o exame, porque não, então, fazer testes cuja classificação é aproximadamente igual à dos exames? Fiquei tanto mais admirado quando  na ultima fornada de manuais escolares onde as propostas dos testes são feitos da maneira clássica onde ou se sabe escrever bem ou então é mais difícil uma excelente classificação. Pode-se até conceber um teste onde uma resposta de desenvolvimento tenha esse peso. Fazê-lo de maneira sistemática é excluir e não incluir, Mais radical que isto foram os meus primeiros anos de ensino nos quais os testes eram apenas 4 questões de desenvolvimento e cada uma valia 5 valores. Hoje olho para trás e penso em duas coisas: 1ª a quantidade de alunos que sofreram injustamente com esta forma de os classificar 2º que nesses tempos fazia algum sentido pois na verdade apenas os alunos com esse tipo de competência estavam no secundário. Mas sejamos justos: ensinar quem já vem ensinadinho de casa é fácil. Difícil é ensinar os outros, que são exatamente aqueles que dão sentido ao trabalho de um professor, os que não nos chegam às mãos com estas competências desenvolvidas.

Recentemente nas Olimpíadas de Filosofia, o professor Carlos Café foi convidado para “explicar” como se trabalha a classificar e avaliar com o PPF, Projeto Pessoal de Filosofia. Tenho relativo conhecimento de como se faz, até porque o Carlos Café faz questão de o divulgar de maneira intensiva nas suas redes sociais. A questão a colocar é: os alunos do professor Carlos Café e da escola onde trabalha aprendem menos filosofia e a filosofar que os outros porque não passam o ano focados em fazer testes para os preparar para exame nos quais tem de saber redigir uma resposta que vale 25% do total de um teste? E a resposta é: NÃO. São este tipo de exemplos que nos revelam que muitas vezes a maneira como estamos a avaliar e classificar servem mais os nossos interesses de professores e expõem também a nossa incapacidade de fazer aquilo que em educação deveria ser mais a regra: diversificar e arriscar. O primeiro passo é simples: acertem com os vossos alunos: vamos fazer um teste diferente do habitual. E surpreendam-se quando os melhores deixarem de o ser de maneira destacada porque outros começam a brilhar. Ou então nos vossos grupos de trabalho tenham a coragem de alterar as percentagens da avaliação. Há muitas maneiras de o fazer. Somos professores para encontrar as melhores maneiras. No exame já se faz. E nós achamos que o exame é que é mau. 


sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

Como montar uma primeira aula de filosofia da arte? Uma sugestão

Bem, normalmente chama-se “planificar”. Mas eu gosto de sair dos formalismos para mostrar que podemos fazer melhor colocando de lado grande parte das formalidades, pelo que uso o termo “montar” em vez de “planificar”. E para o fazer temos de começar por saber muito bem o que esperamos que o aluno aprenda. E como vamos avaliá-lo. O primeiro passo é, pois, esclarecer os alunos disso mesmo. Mas neste momento não devemos abrir todo o jogo revelando o conteúdo. É necessário deixar no ar as perguntas e apenas temos de explicitar as regras: “Vamos estudar a unidade X. Nela vamos encontrar um problema e temos de o explorar estudando as diversas respostas dos filósofos”. Depois deste primeiro momento pedimos aos alunos que tragam para a aula um objeto que tenha significado artístico, o exibam aos colegas e expliquem porque o consideram arte. Não é preciso dar grandes dicas, talvez até seja melhor não fornecer qualquer pista. Apenas tem de ser um objeto que considerem arte e que expliquem porque o consideram como tal. Segue-se, pois, uma parte da aula em que os alunos fazem a sua exposição. O professor aqui pode ajudar a sintetizar numa teoria aquilo que cada aluno expõe. “Ah, o queres dizer é que para ti esse objeto é arte porque te ajuda a exprimir o teu sentimento.”, “Ah bem, consideras esse objeto um objeto de arte porque te conduz a um mundo completamente diferente do real”, “Esse objeto então é arte porque representa bem a realidade”, “esse é arte porque tem traços especiais, um design diferente”, etc.. Se repararem já temos aqui uma pequena coleção de algumas das teorias que vamos explorar. Advirtam os alunos para não esquecerem o que disseram sobre os seus objetos e que tentem ao longo do percurso de estudo encontrar alguma teoria que coincida com a sua. 

O exercício seguinte consiste num powerpoint com um conjunto de imagens de objetos, uns que são arte e outros não, uns que são controversos, objetos que podem ir desde uns chinelos de quarto às meninas de Velasquez, etc... e pede-se aos alunos que assim que visualizam cada imagem digam apenas “é” ou “não é”. No final percorre-se de novo cada imagem revelando se são ou não consideradas arte e até falando um pouco de algumas para que os alunos contatem com nomes do mundo da arte. Também se podem usar vídeos. Por exemplo, eu uso um vídeo de uma orquestra a interpretar os 4m33s de Cage. A perplexidade vale a pena. Mas também uso um pequeno vídeo com Kendrick Lamar. Nas minhas aulas de filosofia da arte que gravei para a RTPM (ver na secção Telensino deste blogue) mostrei um solo de Jimy Page (que foi cortado no Youtube por causa dos direitos de autor). E, na minha opinião, devemos usar exemplos da localidade onde vivemos. Por exemplo, a esmagadora maioria dos meus alunos do secundário não fazem ideia de que o Museu de Arte Contemporânea da Madeira fica na casa contígua à casa das Mudas, na Calheta que é obra de Paulo David, um arquiteto madeirense. Neste momento decorre a exposição nesse museu da artista madeirense Lourdes de Castro. Convém aproveitar o momento para explorar aquilo que é grátis e está apenas ao lado da nossa casa. 

Depois destas atividades e momentos iniciais começa a parte teórica. Explicamos o que é uma boa definição e expomos o esquema das famílias de teorias que procuram responder ao problema. Podemos também mostrar que além do problema da definição existem muitos outros problemas filosóficos sobre a arte. E, muito importante, mostrar porque é que o problema da definição é um problema da filosofia e não um problema dos pintores ou dançarinos ou escritores. Ocasionalmente, como fiz nas aulas do Telensino, podemos mostrar o interesse prático na definição da arte (afinal se os lugares não forem belos ninguém os quer visitar, por exemplo) e a partir daí explicar o interesse filosófico. Aqui o percurso é relativamente livre. 

Um exercício interessante é o trabalho de grupo. Dependendo da dimensão das turmas cada grupo pode trabalhar uma teoria. Determina-se o tempo para trabalhar essa teoria e apresentá-la aos colegas. Atenção que na maioria dos casos 70% ou mais da avaliação dos alunos decorre dos testes escritos (discordo disto, mas é a realidade). Temos então de ter em atenção que convém talvez no final o professor enquadrar muito bem todas as teorias e praticar pelo menos uma ficha antes do teste. 

As aulas de filosofia da arte são também um momento cultural que, infelizmente, para muitos alunos é uma das únicas oportunidades nas suas vidas de contactar com obras de Warhol, Picasso, Miró, Lichtenstein, Almada Negreiros. Há que aproveitar o melhor possível. 



John Cage, 4`33"


Kendrick Lamar Count Me Out


Marina Abramovic The artist is present








segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Um diálogo cheio de falácias

Este pequeno trabalho foi a apresentação de um grupo de alunos que tive o ano passado no 10º ano, 0 10º4 e continuo com eles no 11º, o 11º4. Quando pedi um trabalho de grupo sobre as falácias informais, apresentaram este pequeno diálogo que fica agora aqui registado no FES.

As falácias informais são quando a conclusão não é devidamente justificada.

Diálogo:


1: O suicídio é moralmente errado porque acredito que é incorreto tirar a própria vida.

2: Esse argumento fui usado para justificar o que tu queres, como justificação da sua conclusão. É uma petição de princípio.

1: O quê? Está a dizer-me que estou errado? Enfim, o que está claro é que se a vida tem um objetivo, então não é uma ação moral pôr-lhe um fim.

2: Aí está um falso dilema, porque omitiu informações que podiam ser importantes.

1: Depois do suicídio do seu amigo, houve uma pandemia quase fatal para o mundo, e tu passaste a ser a favor do suicídio!

2: Por favor, tente não cometer tantas falácias enquanto fala. Pudemos observar aqui uma falsa relação causal, porque o facto de o meu amigo ter se suicidado, nada tem a ver com a pandemia, sendo que foi um acontecimento que veio muito depois do ocorrido.

1: Pois, se tu achas que é assim, se o suicídio se tornar moralmente correto, então, vai ser considerado pela população um ato normal, logo uma cidade suicida-se levando um país inteiro a fazer o mesmo, consequentemente desencadeando um suicídio em massa.

2: Uma falácia de derrapagem! Hahaha! Isso é muito improvável de acontecer!

1: Mas então, imagine que uma mãe comete suicídio e deixa uma criança desamparada. Acha isso correto?

2: Está a tentar com apelo às emoções para que concordem contigo, considerando o suicídio moralmente errado? Isso é uma falácia de ad populum.

1: Pense comigo, isto está certo! Toda a minha família acha que o suicídio é moralmente errado, logo o suicídio é considerado moralmente errado para todo o mundo.

2: Isso é uma falácia de má generalização, usou uma amostra pouco válida, para tirar uma conclusão. Uma generalização precipitada.

1: O suicídio é moralmente errado de acordo com o Messi, logo, o suicídio é moralmente errado para todos.

2: Um apelo ilegítimo á autoridade, usou uma figura que pouco sabe sobre este assunto.

1: Ainda ninguém provou que o suicídio é moralmente correto, logo para mim o suicídio é moralmente errado, até que seja provado o contrário.

2: Isto é um apelo á ignorância, porque apesar de ninguém ter ainda conseguido provar este facto, não significa que o suicídio seja moralmente errado.

1: Mas tu que és ateu e africano, pensas que sabes o suicídio é moralmente correto? Sendo que nem a tua própria família consegues gerir, vens desmentir-me em frente deste público?

2: Mantenha a minha vida pessoal fora disto, só porque ficou sem argumentos vem atacar o homem, atacar não é uma boa razão para justificar que o suicídio é moralmente errado. Isso é uma falácia ad Homimem.

1: Ora, se optas por ir para o trabalho doente e criticam por estares doente, então se decidem se suicidar também devia ser criticado. Por isso, na minha escolha de criticar que o suicídio é moralmente errado está certa.

2: Um falso dilema! O suicídio nada tem haver com o facto de eu estar doente e ir para o trabalho.